terça-feira, 1 de junho de 2010

Prós e Contras: Enfrentar a Crise

O debate Prós e Contras de hoje (30 de Maio) foi, como disse a sua moderadora Fátima Campos Ferreira, um debate ideológico entre a Direita - encabeçada por Adriano Moreira que depressa compreendeu que devia demarcar-se ideologicamente da miopia neoliberal de Pedro Lomba e de Miguel Morgado, e a Esquerda dispersa entre Clara Ferreira Alves, Rui Tavares e José Paulo Esperança. A Europa vive uma crise profunda que ameaça desagregar a União Europeia, a Zona Euro e o modelo social europeu. Como disse Adriano Moreira, a fronteira da pobreza alarga-se do sul para o norte e já está a entrar pela Europa dentro: os europeus correm o risco sério e real de regressar à pobreza e de perder o guarda-chuva europeu. Fátima Campos Ferreira confrontou os seus convidados com estas questões básicas: Para onde caminha a Europa?, Quem nos meteu neste buraco?, enfim Como enfrentar esta crise sem perder o modelo social europeu?Portugal debate-se com outro problema mais grave: o do endividamento externo. As despesas sociais avolumaram-se numa Europa com um crescimento económico demasiado anémico para garantir e sustentar o seu modelo social. Habituados a contar com a ajuda do Estado Social, os europeus estão mais preocupados com a sua vidinha metabolicamente reduzida - uma vida mais animal que humana - que com a política e o exercício de uma cidadania responsável: eles foram embalados pelo terrível pesadelo de uma sociedade de consumo promovida pelo capitalismo de casino e pelos seus agentes políticos e financeiros.
Clara Ferreira Alves responsabilizou o capitalismo de casino e a bolha imobiliária pela actual situação de crise económica e social profunda: os agentes financeiros de Wall Street criaram uma economia de consumo apoiada no crédito, na dívida e no dinheiro virtual. Os europeus compraram alegremente essa receita neoliberal para viverem melhor e sem esforço. Porém, num acto de cegueira cognitiva, acusa a tópica marxista da sociedade de ter fomentado a emergência dos economistas - os homens que mexem com o dinheiro e que o desviam para os seus próprios bolsos - que subordinaram a superestrutura à infra-estrutura económica: o esquerdismo infantil de Clara Alves consiste na defesa de um Estado forte contra as forças desreguladas do mercado. Ela ainda não compreendeu que o Estado - mesmo o Estado Democrático - possui um carácter de classe: o Estado Neoliberal foi o Estado dos grupos financeiros que promoveram a globalização e a cultura do endividamento. Por isso, Pedro Lomba não pode responsabilizar o Estado - entenda-se o governo socialista português - e os cidadãos conformados e conformistas pela crise em que vivemos: capturado pelos agentes financeiros, o Estado foi utilizado para implementar a agenda neoliberal que permitiu às pessoas comprarem casa sem ter dinheiro para a pagar. Adriano Moreira redefiniu a sua noção de Estado Exíguo como Estado deficitário: o actual Estado não possui recursos para financiar os objectivos ambiciosos que planeou. Objectivos ambiciosos e recursos escassos: eis o Estado exíguo censurado por Adriano Moreira. A noção de Estado exíguo é ambígua, porque pode ser utilizada tanto para censurar as "gorduras" do actual Estado social, como também para identificar o sentido da reforma do Estado. Embora seja contra certas privatizações neoliberais promovidas pela política furtiva da União Europeia e dos governos portugueses, Adriano Moreira usa-a nestes dois sentidos, porque está convencido de que não podemos manter o actual desenho do Estado social. É preciso emagrecer e corrigir o Estado: todos concordamos com esta necessidade de reformular o Estado social, mas o acordo termina quando passamos a discutir as próprias correcções de emagrecimento. A Esquerda não quer emagrecer o Estado à custa dos mais desfavorecidos e, como testemunham as palavras de Rui Tavares e de José Paulo Esperança, continua a defender as políticas do investimento público para combater o desemprego. A Direita quer entregar os nossos destinos - pessoais e nacionais - aos jogos de casino dos mercados financeiros, privatizando tudo e todos sem levar em conta as desigualdades e as assimetrias sociais e regionais geradas pelas políticas neoliberais à escala nacional e à escala global. A captura do Estado pelas forças neoliberais não gerou a tal "riqueza" de que falou Pedro Lomba; pelo contrário, fez com que a fronteira da pobreza entrasse pela Europa dentro, como sublinhou Adriano Moreira. Miguel Morgado não quer ouvir falar de mudança de paradigmas: o único responsável pela crise é o governo de José Sócrates. E, deste modo mágico e tonto, acusa o suposto "socialismo" ou social-democracia pela crise gerada pelo neoliberalismo: o Estado que deseja para Portugal é o Estado da riqueza de poucos e da pobreza generalizada de muitos. Miguel Morgado não acredita verdadeiramente nas virtudes da economia de mercado: deseja entregar os sectores públicos à iniciativa privada que, para ser lucrativa num país pobre, precisa que o Estado lhe pague os serviços que presta à população empobrecida. O neoliberalismo desta direita reaccionária é capitalismo selvagem de Estado. Sem participar activamente nesta polémica, Clara Alves reconheceu alguns erros cometidos pelo Estado e limitou-se a reforçar o seu papel regulador: o Estado social deve ser conservado e protegido dos assaltos da agenda neoliberal e do desvario do capitalismo financeiro.
Como enfrentar a crise? Miguel Morgado respondeu que não sabe nem quer saber: a crise demográfica - a sua obsessão exclusiva - é suficiente para revelar a insustentabilidade do modelo social europeu. Rui Tavares defendeu o governo económico da Europa, alegando que a União Europeia tem escala para se afirmar no mundo global e trabalhar a sua diferença por oposição à China autoritária: a Europa é um conjunto de democracias que deve caminhar para a Democracia Unificada, sem ser governada por uma elite tecnocrática. Ora, a solução do federalismo europeu foi contestada pelos seus opositores de direita: Miguel Morgado rejeitou-o em nome do mercado e Pedro Lomba acusou-o de querer abolir as "pátrias" - da desigualdade gerada pela agenda neoliberal. Ambos continuam a defender a agenda neoliberal: pretendem combater a crise com os meios neoliberais que geraram a própria crise. Adriano Moreira distanciou-se dos seus "camaradas de direita": a unidade europeia é, como disse, o valor fundamental. Os europeus precisam combater os demónios interiores da Europa que desejam desagregá-la e evitar a crise da unidade. Adriano Moreira lembrou - com recurso à história e sem rejeitar a hipótese federalista - que Portugal precisou sempre de um apoio externo: a unidade europeia é fundamental para o futuro de Portugal no mundo global. A sua visão da crise e do modo como a enfrentar merece mais atenção: Adriano Moreira denunciou as lideranças frágeis da Europa e de Portugal que não souberam previr e reagir atempadamente à crise, o que gerou uma crise de confiança e de credibilidade política. Os líderes políticos nacionais e europeus devem assumir as suas responsabilidades e corrigir os Estados nacionais, adaptando-os ao contexto da globalização. Vozes confiáveis e autorizadas são necessárias em momentos de crise, mas infelizmente não as temos. Então, se não temos vozes autorizadas, o que podemos fazer para enfrentar a crise? Adriano Moreira respondeu: usar o poder da palavra contra a palavra do poder. Um convite à rebelião? Talvez... Mas penso que Adriano Moreira estava a referir-se à marcação de eleições legislativas antecipadas: derrubar o poder socialista estabelecido nas urnas, como se o PSD neoliberal fosse uma alternativa credível e digna de confiança. Curiosamente, José Paulo Esperança retomou a noção de crise de confiança de Adriano Moreira para defender um discurso da esperança dirigido contra o discurso da crise demográfica de Miguel Morgado. Porém, fiquei verdadeiramente arrepiado quando defendeu a velhice e elogiou o aumento da idade de reforma, porque esta é uma medida que, em vez de resolver o problema da sustentabilidade da segurança social, nega literalmente o futuro - não o futuro escatológico de Miguel Morgado mas o futuro real e intramundano - às gerações mais jovens, condenando o Ocidente ao envelhecimento e à morte. José Paulo Esperança sacrifica o futuro dos jovens para manter os privilégios da geração geriátrica que nos mergulhou - pela sua burrice extrema - nesta crise. Neste aspecto, retomo a defesa do princípio da prudência nomeado por Pedro Lomba: repolitizar a vida pública e confrontar a geriatria estabelecida com a sua própria inutilidade - o choque da realidade. Não podemos abdicar do futuro por causa dessa monstruosidade que é o prolongamento da vida. Este sonho ancestral da utopia médica deve ser abandonado: envelhecimento é sinónimo de ocaso.
J Francisco Saraiva de Sousa

12 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ah, esqueci de referir uma coisa: a aliança entre estado e capital financeiro termina geralmente em ditadura. Não estou a dizer que o capital financeiro seja fascista, mas talvez por causa da injustiça social que produz leva aí.

A Clara Alves - além de não ter compreendido a tópica marxista do modo de produção - confunde o político - a esfera dos estado e dos seus aparelhos repressivos e ideológicos - com a política. Ora. a política é luta pela conquista do poder político = do estado. E o estado está sempre cativo do poder económico e financeiro, sendo usado para servir os seus interesses. Foi o que sucedeu nestas últimas décadas... neoliberais...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Já sei quem é o futuro treinador do FCPorto, mas não posso revelar o nome: surpresa! :-)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O meu amigo/A transexual teima em dizer que o preconceito distorce a minha visão do transexualismo, mas isso não é verdade.

Leia os posts mais recentes porque já esclareci todos os problemas que coloca. Ok... Portugal está a mudar... :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

E sou frontal: não me importo que os transexuais tenham um BI a dizer que são mulheres, mas isso não exige que eu os identifique com as mulheres genéticas. Sou moderno mas não sou tolinho! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Mário Soares devia fechar de vez a boca e fazer uma auto-crítica radical, porque o seu socialismo foi sempre uma tanga. :(

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Que homem desagradável esse Soares que tb nos lançou na miséria!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O PS genuíno está arrependido em ter acreditado no Soares: foi uma tremenda frustração.

Anónimo disse...

Francisco,

aprecio imenso suas postagens; por isso mesmo, conto muito depreender com suas perspectivas e análises. De ora em diante vou acompanhar o seu blogue (não tenho estado ao corrente da vida política nacional, mas convinha possuir uma opinião tão arreigada como a do Francisco).

O termo «esquerdismo infantil», ou «bolha imobiliária», são termos que me chamaram à atenção (não vi o debate mas sei que o Francisco acompanha o programa), daí que tenha ficado curioso.

Infelizmente, trata-se dessa cegueira cognitiva ao que os Europeus diz respeito, ao que diz respeito ao modelo social que pretendemos: coeso e conforme à justiça - todos esperamos que o modelo social não o seja díspar, há que nos proteger com o guarda-chuva do cimento. E claro, não queremos possuir uma existência metabólica e reduzida a uma bolha.

O partido socialista prometeu combater o desemprego; - Faz lembrar aqueles presidentes de câmara que distribuem canetas e bolas de chutar pelas freguesias.

Até breve.

Seu amigo,
Arcelino.

Peço imensa desculpa pelo modo inusitado de meus últimos comentários.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sim, precisamos de maior envolvimento político, porque vamos viver um retrocesso histórico terrível. Vamos senti-lo mais para o final do presente ano e a fome vai sair para as ruas.

Os partidos políticos que temos já não servem o interesse nacional e os nossos interesses: eles fazem parte do problema e não da solução.

É preciso destruir o regime vigente.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sim, este governo não foi seleccionado para enfrentar a crise, porque tem muitos ministros ideológicos, isto é, figuras de retórica. Porém, não temos alternativa credível à vista. Não aparece ninguém competente e sério para dar um outro rumo ao nosso triste e deprimido destino: os portugueses já não sabem sorrir, andam deprimidos, desesperados, abandonados e alienados. Parecem mortos adiados!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

E Portugal é um país velho: só vejo velhos e o poder geriátrico quer que cuidemos dos velhos. O nosso horizonte é a velhice e a morte. Isto é negar a vida, roubar o futuro, bloquear a renovação geracional!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Viver para velhos não é projecto de vida! A velhice deve ser pensada de outro modo; caso contrário, no futuro os jovens serão forçados a matar os velhos para terem uma oportunidade de vida.