O debate Prós e Contras de hoje (30 de Maio) foi, como disse a sua moderadora Fátima Campos Ferreira, um debate ideológico entre a Direita - encabeçada por Adriano Moreira que depressa compreendeu que devia demarcar-se ideologicamente da miopia neoliberal de Pedro Lomba e de Miguel Morgado, e a Esquerda dispersa entre Clara Ferreira Alves, Rui Tavares e José Paulo Esperança. A Europa vive uma crise profunda que ameaça desagregar a União Europeia, a Zona Euro e o modelo social europeu. Como disse Adriano Moreira, a fronteira da pobreza alarga-se do sul para o norte e já está a entrar pela Europa dentro: os europeus correm o risco sério e real de regressar à pobreza e de perder o guarda-chuva europeu. Fátima Campos Ferreira confrontou os seus convidados com estas questões básicas: Para onde caminha a Europa?, Quem nos meteu neste buraco?, enfim Como enfrentar esta crise sem perder o modelo social europeu?Portugal debate-se com outro problema mais grave: o do endividamento externo. As despesas sociais avolumaram-se numa Europa com um crescimento económico demasiado anémico para garantir e sustentar o seu modelo social. Habituados a contar com a ajuda do Estado Social, os europeus estão mais preocupados com a sua vidinha metabolicamente reduzida - uma vida mais animal que humana - que com a política e o exercício de uma cidadania responsável: eles foram embalados pelo terrível pesadelo de uma sociedade de consumo promovida pelo capitalismo de casino e pelos seus agentes políticos e financeiros. Clara Ferreira Alves responsabilizou o capitalismo de casino e a bolha imobiliária pela actual situação de crise económica e social profunda: os agentes financeiros de Wall Street criaram uma economia de consumo apoiada no crédito, na dívida e no dinheiro virtual. Os europeus compraram alegremente essa receita neoliberal para viverem melhor e sem esforço. Porém, num acto de cegueira cognitiva, acusa a tópica marxista da sociedade de ter fomentado a emergência dos economistas - os homens que mexem com o dinheiro e que o desviam para os seus próprios bolsos - que subordinaram a superestrutura à infra-estrutura económica: o esquerdismo infantil de Clara Alves consiste na defesa de um Estado forte contra as forças desreguladas do mercado. Ela ainda não compreendeu que o Estado - mesmo o Estado Democrático - possui um carácter de classe: o Estado Neoliberal foi o Estado dos grupos financeiros que promoveram a globalização e a cultura do endividamento. Por isso, Pedro Lomba não pode responsabilizar o Estado - entenda-se o governo socialista português - e os cidadãos conformados e conformistas pela crise em que vivemos: capturado pelos agentes financeiros, o Estado foi utilizado para implementar a agenda neoliberal que permitiu às pessoas comprarem casa sem ter dinheiro para a pagar. Adriano Moreira redefiniu a sua noção de Estado Exíguo como Estado deficitário: o actual Estado não possui recursos para financiar os objectivos ambiciosos que planeou. Objectivos ambiciosos e recursos escassos: eis o Estado exíguo censurado por Adriano Moreira. A noção de Estado exíguo é ambígua, porque pode ser utilizada tanto para censurar as "gorduras" do actual Estado social, como também para identificar o sentido da reforma do Estado. Embora seja contra certas privatizações neoliberais promovidas pela política furtiva da União Europeia e dos governos portugueses, Adriano Moreira usa-a nestes dois sentidos, porque está convencido de que não podemos manter o actual desenho do Estado social. É preciso emagrecer e corrigir o Estado: todos concordamos com esta necessidade de reformular o Estado social, mas o acordo termina quando passamos a discutir as próprias correcções de emagrecimento. A Esquerda não quer emagrecer o Estado à custa dos mais desfavorecidos e, como testemunham as palavras de Rui Tavares e de José Paulo Esperança, continua a defender as políticas do investimento público para combater o desemprego. A Direita quer entregar os nossos destinos - pessoais e nacionais - aos jogos de casino dos mercados financeiros, privatizando tudo e todos sem levar em conta as desigualdades e as assimetrias sociais e regionais geradas pelas políticas neoliberais à escala nacional e à escala global. A captura do Estado pelas forças neoliberais não gerou a tal "riqueza" de que falou Pedro Lomba; pelo contrário, fez com que a fronteira da pobreza entrasse pela Europa dentro, como sublinhou Adriano Moreira. Miguel Morgado não quer ouvir falar de mudança de paradigmas: o único responsável pela crise é o governo de José Sócrates. E, deste modo mágico e tonto, acusa o suposto "socialismo" ou social-democracia pela crise gerada pelo neoliberalismo: o Estado que deseja para Portugal é o Estado da riqueza de poucos e da pobreza generalizada de muitos. Miguel Morgado não acredita verdadeiramente nas virtudes da economia de mercado: deseja entregar os sectores públicos à iniciativa privada que, para ser lucrativa num país pobre, precisa que o Estado lhe pague os serviços que presta à população empobrecida. O neoliberalismo desta direita reaccionária é capitalismo selvagem de Estado. Sem participar activamente nesta polémica, Clara Alves reconheceu alguns erros cometidos pelo Estado e limitou-se a reforçar o seu papel regulador: o Estado social deve ser conservado e protegido dos assaltos da agenda neoliberal e do desvario do capitalismo financeiro. Como enfrentar a crise? Miguel Morgado respondeu que não sabe nem quer saber: a crise demográfica - a sua obsessão exclusiva - é suficiente para revelar a insustentabilidade do modelo social europeu. Rui Tavares defendeu o governo económico da Europa, alegando que a União Europeia tem escala para se afirmar no mundo global e trabalhar a sua diferença por oposição à China autoritária: a Europa é um conjunto de democracias que deve caminhar para a Democracia Unificada, sem ser governada por uma elite tecnocrática. Ora, a solução do federalismo europeu foi contestada pelos seus opositores de direita: Miguel Morgado rejeitou-o em nome do mercado e Pedro Lomba acusou-o de querer abolir as "pátrias" - da desigualdade gerada pela agenda neoliberal. Ambos continuam a defender a agenda neoliberal: pretendem combater a crise com os meios neoliberais que geraram a própria crise. Adriano Moreira distanciou-se dos seus "camaradas de direita": a unidade europeia é, como disse, o valor fundamental. Os europeus precisam combater os demónios interiores da Europa que desejam desagregá-la e evitar a crise da unidade. Adriano Moreira lembrou - com recurso à história e sem rejeitar a hipótese federalista - que Portugal precisou sempre de um apoio externo: a unidade europeia é fundamental para o futuro de Portugal no mundo global. A sua visão da crise e do modo como a enfrentar merece mais atenção: Adriano Moreira denunciou as lideranças frágeis da Europa e de Portugal que não souberam previr e reagir atempadamente à crise, o que gerou uma crise de confiança e de credibilidade política. Os líderes políticos nacionais e europeus devem assumir as suas responsabilidades e corrigir os Estados nacionais, adaptando-os ao contexto da globalização. Vozes confiáveis e autorizadas são necessárias em momentos de crise, mas infelizmente não as temos. Então, se não temos vozes autorizadas, o que podemos fazer para enfrentar a crise? Adriano Moreira respondeu: usar o poder da palavra contra a palavra do poder. Um convite à rebelião? Talvez... Mas penso que Adriano Moreira estava a referir-se à marcação de eleições legislativas antecipadas: derrubar o poder socialista estabelecido nas urnas, como se o PSD neoliberal fosse uma alternativa credível e digna de confiança. Curiosamente, José Paulo Esperança retomou a noção de crise de confiança de Adriano Moreira para defender um discurso da esperança dirigido contra o discurso da crise demográfica de Miguel Morgado. Porém, fiquei verdadeiramente arrepiado quando defendeu a velhice e elogiou o aumento da idade de reforma, porque esta é uma medida que, em vez de resolver o problema da sustentabilidade da segurança social, nega literalmente o futuro - não o futuro escatológico de Miguel Morgado mas o futuro real e intramundano - às gerações mais jovens, condenando o Ocidente ao envelhecimento e à morte. José Paulo Esperança sacrifica o futuro dos jovens para manter os privilégios da geração geriátrica que nos mergulhou - pela sua burrice extrema - nesta crise. Neste aspecto, retomo a defesa do princípio da prudência nomeado por Pedro Lomba: repolitizar a vida pública e confrontar a geriatria estabelecida com a sua própria inutilidade - o choque da realidade. Não podemos abdicar do futuro por causa dessa monstruosidade que é o prolongamento da vida. Este sonho ancestral da utopia médica deve ser abandonado: envelhecimento é sinónimo de ocaso. J Francisco Saraiva de Sousa
12 comentários:
Ah, esqueci de referir uma coisa: a aliança entre estado e capital financeiro termina geralmente em ditadura. Não estou a dizer que o capital financeiro seja fascista, mas talvez por causa da injustiça social que produz leva aí.
A Clara Alves - além de não ter compreendido a tópica marxista do modo de produção - confunde o político - a esfera dos estado e dos seus aparelhos repressivos e ideológicos - com a política. Ora. a política é luta pela conquista do poder político = do estado. E o estado está sempre cativo do poder económico e financeiro, sendo usado para servir os seus interesses. Foi o que sucedeu nestas últimas décadas... neoliberais...
Já sei quem é o futuro treinador do FCPorto, mas não posso revelar o nome: surpresa! :-)
O meu amigo/A transexual teima em dizer que o preconceito distorce a minha visão do transexualismo, mas isso não é verdade.
Leia os posts mais recentes porque já esclareci todos os problemas que coloca. Ok... Portugal está a mudar... :)
E sou frontal: não me importo que os transexuais tenham um BI a dizer que são mulheres, mas isso não exige que eu os identifique com as mulheres genéticas. Sou moderno mas não sou tolinho! :)
Mário Soares devia fechar de vez a boca e fazer uma auto-crítica radical, porque o seu socialismo foi sempre uma tanga. :(
Que homem desagradável esse Soares que tb nos lançou na miséria!
O PS genuíno está arrependido em ter acreditado no Soares: foi uma tremenda frustração.
Francisco,
aprecio imenso suas postagens; por isso mesmo, conto muito depreender com suas perspectivas e análises. De ora em diante vou acompanhar o seu blogue (não tenho estado ao corrente da vida política nacional, mas convinha possuir uma opinião tão arreigada como a do Francisco).
O termo «esquerdismo infantil», ou «bolha imobiliária», são termos que me chamaram à atenção (não vi o debate mas sei que o Francisco acompanha o programa), daí que tenha ficado curioso.
Infelizmente, trata-se dessa cegueira cognitiva ao que os Europeus diz respeito, ao que diz respeito ao modelo social que pretendemos: coeso e conforme à justiça - todos esperamos que o modelo social não o seja díspar, há que nos proteger com o guarda-chuva do cimento. E claro, não queremos possuir uma existência metabólica e reduzida a uma bolha.
O partido socialista prometeu combater o desemprego; - Faz lembrar aqueles presidentes de câmara que distribuem canetas e bolas de chutar pelas freguesias.
Até breve.
Seu amigo,
Arcelino.
Peço imensa desculpa pelo modo inusitado de meus últimos comentários.
Sim, precisamos de maior envolvimento político, porque vamos viver um retrocesso histórico terrível. Vamos senti-lo mais para o final do presente ano e a fome vai sair para as ruas.
Os partidos políticos que temos já não servem o interesse nacional e os nossos interesses: eles fazem parte do problema e não da solução.
É preciso destruir o regime vigente.
Sim, este governo não foi seleccionado para enfrentar a crise, porque tem muitos ministros ideológicos, isto é, figuras de retórica. Porém, não temos alternativa credível à vista. Não aparece ninguém competente e sério para dar um outro rumo ao nosso triste e deprimido destino: os portugueses já não sabem sorrir, andam deprimidos, desesperados, abandonados e alienados. Parecem mortos adiados!
E Portugal é um país velho: só vejo velhos e o poder geriátrico quer que cuidemos dos velhos. O nosso horizonte é a velhice e a morte. Isto é negar a vida, roubar o futuro, bloquear a renovação geracional!
Viver para velhos não é projecto de vida! A velhice deve ser pensada de outro modo; caso contrário, no futuro os jovens serão forçados a matar os velhos para terem uma oportunidade de vida.
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