segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Civilizações Pré-Colombianas Revisitadas

A imagem mostra a Pedra do Sol - o Calendário Asteca, que, para os actuais mexicanos, é muito mais do que um monumento: é um símbolo nacional. Foi descoberta em 1790 na Praça Maior e, durante muitos anos, esteve encostada à torre da Catedral, onde permaneceu até 1885, quando o general Porfirio Díaz, na altura Presidente do México, ordenou que fosse trasladada para o Museu Nacional na Rua de Moneda. Em 1964, foi colocada no Museu Nacional de Antropologia, onde ocupa um lugar de destaque e de grande visibilidade. A importância da Pedra do Sol reside no facto de simbolizar o cosmos asteca, sendo dedicada a Tonatiuh, Deus do Sol, cuja face está no centro. Em cada um dos lados da cara do Deus do Sol há garras que sustêm corações humanos, o alimento deste deus, intimamente ligado a Huitzilopochtli, o Deus da guerra. A cara e as garras estão cobertas com ornamentos de jade, a pedra preciosa dos deuses, e os painéis que a rodeiam representam as quatro criações prévias do mundo, cada uma das quais está rodeada pelos glifos dos 21 dias do calendário cerimonial. A criação e a destruição dos quatro mundos sucessivos baseiam-se no princípio asteca da dualidade, concebido na forma de uma luta eterna entre Quetzalcóatl, um deus basicamente benévolo, e Tezcatlipoca, o negro e todo-poderoso Senhor do Céu nocturno. A sua luta eterna causou a destruição e a criação dos quatro mundos ou sóis, que foram sucessivamente destruídos por jaguares - símbolos da terra -, pelo ar, pela chuva de fogo e pela água. Estes quatro elementos, simbolizados pelos seus deuses respectivos, estão representados nos quatro painéis que rodeiam a figura do Deus do Sol. Depois da destruição destes quatro mundos, os homens que os povoavam foram sucessivamente transformados em jaguares, macacos, pássaros e peixes. A Pedra do Sol está dedicada ao Quinto Sol, aquele que iluminava o mundo asteca: a configuração completa da parte central da Pedra do Sol está arranjada para formar o signo Quatro Movimentos, o glifo do dia em que um terramoto destruirá o Quinto Sol. A narrativa asteca dos mundos sucessivos e da sua destruição constitui a base do pensamento e da acção dos astecas. Segundo a "filosofia asteca", este mundo não era uma dádiva definitiva, porque estava condenado à destruição pelos deuses que eram entidades mais cruéis do que benévolas. A vida era - e é - um dom efémero, tanto para o indivíduo como para o universo inteiro: o Quinto Sol era uma concessão temporal que os próprios deuses destruiriam se não fossem alimentados abundantemente com vítimas humanas sacrificadas e o seu sangue. Criado pelo labor dos deuses, o mundo devia ser mantido pelos sacrifícios humanos. Neste mundo efémero, condenado desde logo à destruição e ao nada, a vida estava imbuída com o espírito de um dever a cumprir: os sacrifícios humanos eram executados não para evitar a destruição, mas para suster e conservar o Sol no céu, de modo a adiar a terrível hora da catástrofe final. O homem asteca vivia obcecado com a necessidade de aplacar a ira dos deuses, com a finalidade de alargar o lapso temporal e de distanciar o derradeiro dia da morte. As conquistas do Império asteca visavam capturar - sobretudo através das guerras floridas entre o Império asteca e as cidades de Huexotzingo e de Tlaxala - um número suficientemente grande de prisioneiros que seriam posteriormente sacrificados no altar da Grande Pirâmide de Tenochtitlán - e não só - para que os deuses continuassem a conservar o mundo: os astecas não ofereciam esses sacrifícios humanos aos deuses para conquistar uma vida melhor, mas simplesmente para sobreviver. O que impressiona na filosofia asteca é a sua concepção entrópica do universo: o tempo que aparece em cena na narrativa dos quatro mundos não é o tempo primordial ou ontológico do mito, mas um tempo histórico, submetido ao princípio do desgaste. O devir catastrófico do mundo está inscrito na sua própria geração: as forças colocadas em jogo na criação do mundo são precisamente as forças que levam todo o organismo à ruína. O mundo está condenado a morrer por causa do movimento, que, segundo os astecas, é entrópico. A degradação progressiva da energia cinética torna temporal a ordem cósmica estabelecida: o tempo desintegra-se, participando do desgaste cósmico que desagrega o movimento e devora a informação. Para os astecas, o fim da energia é o aniquilamento, o fim da economia - incluindo a economia sacrificial - é o gasto e a dissipação, e o sentido final da vida é a morte. É esta filosofia pessimista - o futuro não será melhor que o presente! - que descubro em acção em todas as civilizações pré-colombianas - e não apenas na civilização asteca - que me fascina desde sempre: o mundo do Quinto Sol - o nosso mundo - é transitório e efémero, e o destino de uma cidade ou de um império é lutar para cima e para a frente, num esforço vão para suster o sol no céu. Sobre estas civilizações pré-colombianas, já publiquei neste blog oito textos, cuja leitura recomendo:


J Francisco Saraiva de Sousa

4 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ah, para ver o calendário, clique sobre a imagem e, depois desta aparecer em tamanho grande, volte a clicar para poder ver melhor.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Fiz alguns acrescentos. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O mundo anda completamente louco: agora o politicamente correcto pretende desmentir a economia dos sacrifícios humanos, fazendo dela uma invenção de Cortéz para justificar a sua própria violência.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

... de Cortés e Carlos V.