quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Fernando Lopes Graça: Uma Filosofia da Música?

Fernando Lopes Graça (1906-1994)
«Mas, ai! - não sou nem bastante poeta, nem bastante filósofo para o fazer. Só os poetas e os filósofos - os grandes poetas e os grandes filósofos - podem, condignamente, falar-nos da Música; só eles sabem exprimir pelo Verbo, de que são grão-senhores, a exaltação espiritual do ser pela Música; só eles são capazes de traduzir o transcendentalismo psíquico, a essência imaterial, o mistério obscuro e demoníaco dessa arte estranha e sublime.» «A música, toda verdadeira e grande música, é movimento inefável da alma, jogo livre do espírito, capricho subtil da inteligência, actividade pura e desinteressada do pensamento, exercício alado da razão, seu triunfo e sua desesperação. O sensível não lhe opõe barreiras; é do domínio do psicológico e do inteligível, vasto, ilimitado e proteiforme como eles». (Fernando Lopes Graça)

A música sempre fascinou os filósofos, desde os tempos da Grécia Antiga até aos nossos dias, mas é muito raro encontrar no nosso tempo indigente a tentativa sistemática de elaborar uma Filosofia da Música: as únicas excepções a este deserto musical são as obras de Theodor W. Adorno, Ernst Bloch, Max Weber, Susanne K. Langer, Gillo Dorfles e Enrico Fubini. Ao folhear a revista Presença deparei-me com alguns ensaios de Fernando Lopes Graça e resolvi lê-los. Aquele que mais atraiu a minha atenção intitula-se A Revolução Musical Schönberguiana (1935): Adorno estudou música com Arnold Schönberg e escreveu diversos ensaios sobre a sua revolução musical, produzindo uma filosofia da dissonância à imagem da música a-tonal do seu mestre e discípulos. Confrontar a filosofia e a sociologia da música de Adorno com os escritos de Lopes Graça passou-me pela cabeça, mas não seria um empreendimento justo para Lopes Graça que, apesar de ter sido um grande compositor português, não tinha a experiência-treino do trabalho do conceito. No entanto, depois de o ter lido, fiquei com a ideia de que essa aspiração filosófica não lhe era de todo estranha. A teimosia de José Régio - obrigando-o a "falar sobre música na Presença" - teve um resultado positivo: Lopes Graça acabou por alinhavar as linhas gerais de uma estética da música, digna de ser lida e estudada. Tal como os outros presencistas, Lopes Graça não apreciava as definições, preferindo trabalhar com uma definição minimalista de música: a música como arte dos sons. (:::)


Quando colocou o problema da origem da música, Lopes Graça deu o passo certo para explicitar a essência da música, mas não soube articular a sua concepção da música como expressão sublime da alma humana com uma antropologia filosófica capaz de explicar essa necessidade humana de recorrer à música para exaltar o Ser: a sua tendência fatal foi fazer da música uma religião, o que o impediu de compreender a ligação da música com a religião ou mesmo com a magia, um aspecto que Weber clarificou com o seu conceito nuclear de racionalização.  (:::)


(A Música é feiticeira que enfeitiça a alma e os seus estados emocionais, levando-a a confundir-se com o mundo que a rodeia: este poder-feitiço da música pode ser instrumentalizado, podendo ser usado para levar os clientes de um restaurante a consumir. Donde provém este poder da música? Os sons do universo que já não ouvimos podem ter algo a ver com esse poder da música, mas há um ritmo que não lhe é estranho: o batimento do coração. A música não é apenas tempo virtual; a música é movimento em que a alma e o corpo entram totalmente em sintonia confundindo-se com o mundo. A música liga o homem ao mundo: o tempo virtual da música é o tempo do mundo. A racionalização musical afastou a música ocidental da música primitiva, mas não quebrou o feitiço da música. A música não tem nada a representar fora de si porque ela é o mundo. Com a música o homem perde a sua posição excêntrica e torna-se homem-mundo: a música supera a cisão e, no seu lugar, instaura uma comunhão carnal do homem com o seu corpo, com o corpo dos outros e com o mundo. Música e dança implicam-se reciprocamente: dissociá-las implica necessariamente a intelectualização da música. E intelectualizar a música é matá-la: a música intelectualizada exige um público passivo preparado que não se envolve na sua unidade alma-corpo-mundo com a música. A música intelectual é música neurótica que priva o homem desse momento único de comunhão carnal com o corpo - o seu e o dos outros - e com o mundo. A música é uma arte processual mediante a qual o homem participa dos ritmos do cosmos. Com estas breves considerações esburaquei as teorias da música, fazendo dela uma biologia cósmica. A partir delas posso ver encarar a música ou como a arte mais irracional de todas as artes ou como a arte mais racional, mas tanto num caso como noutro ela é a mais universal. A questão da essência da música reconduz-nos para a música mais originária, aquela que ainda não foi contaminada pela razão discursiva. Simbiose, fusão, comunhão, vitalidade, eis conceitos fundamentais da nova teoria da música.)


(Em construção lenta) J Francisco Saraiva de Sousa

3 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Fonex... esta coisa n funciona hoje.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Hmmmm... so nice, deram-se a 1ª edição da António Botto. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Foi um bom dia: uma data de primeiras edições e, ainda por cima, com direito a diversos Marx´s! Também tive Régio em 1ª edição! Só que fico cansado em pegar em livros velhos. Vou guardá-los, até porque tenho em edições mais novas!