quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Linguagem e Política

À Memória da Minha Mãe Coragem que, se fosse viva, fazia hoje anos.
O título deste post reconduz-nos directamente a uma obra de Harold Lasswell (1949), intitulada A Linguagem da Política, onde este sociólogo político aplica a análise (estatística) de conteúdo para compreender a função propagandista dos slogans, nomeadamente os de 1º de Maio na União Soviética (1918-1943), recorrendo ao seu modelo processual da comunicação.
O modelo de comunicação de Lasswell é claramente um modelo de comunicação de massas. Para compreendermos os processos da comunicação de massas, precisamos de estudar cada uma das fases do modelo de Lasswell, a saber:
Quem
Diz o quê
Em que canal
A quem
Com que efeito?
A comunicação é o resultado de uma relação entre dois sujeitos, um activo e o outro passivo: o primeiro (Quem) diz a sua mensagem (Diz o quê), através de um meio (Em que canal), ao segundo quem (A quem), com determinadas consequências (Com que efeitos).Trata-se de uma versão verbal do modelo original de Shannon & Weaver e, como tal, continua a ser linear: a comunicação é encarada como transmissão de mensagens e, em vez de levantar a questão da significação, coloca a questão do “efeito”.
O “efeito” implica uma mudança observável e mensurável no receptor, mudança essa causada por elementos identificáveis no processo. Mudar um desses elementos mudará o efeito: podemos modificar o codificador, podemos mudar a mensagem, podemos mudar o canal — cada uma dessas mudanças deverá produzir, no efeito, a mudança adequada.
A maior parte da investigação sobre comunicação de massas deriva claramente deste modelo linear baseado no conceito de comunicação como processo de transmissão de mensagens. Os estudos científicos da comunicação especializaram-se, precisamente por incidirem num ou noutro dos elementos deste diagrama. As análises do controlo estudam «o quem profissional»; as análises dos meios ocupam-se dos canais; e, ao estudar «o quem que recebe a comunicação», as análises tratam ou do público que percebe as mensagens, ou do impacto da mensagem (análise de efeitos).
Nixon acrescenta dois elementos ao modelo de Lasswell, a saber:
— O primeiro elemento é a ideia de que cada acto de comunicação tem uma intenção específica ou propósito.
— O segundo elemento diz que o êxito da comunicação depende do uso habilidoso de meios adequados sob condições favoráveis.
Esta alteração do modelo de Lasswell reflecte-se cientificamente num duplo plano de análise: a análise das intencionalidades do sujeito que fala, revelando o propósito procurado na sua comunicação, e a análise dos efeitos que a comunicação produz naqueles que a recebem.
Contudo, não é desta concepção quantitativa da linguagem política que pretendemos falar, mas chamar a atenção para o capítulo 4 d' O Homem Unidimensional de Herbert Marcuse, intitulado "O Fechamento do Universo do Discurso", onde este teórico crítico, membro da Escola de Frankfurt, denuncia o carácter unidimensional do discurso e da linguagem da política da administração total, completamente avessos aos modos de pensar bidimensionais e, portanto, dialécticos. Marcuse apresenta os "hábitos de pensar" predominantes na sociedade unidimensional, aquela que fomenta o conformismo e a adaptação em vez da mudança, nestes termos:
«Na expressão desses hábitos de pensar, a tensão entre a aparência e a realidade, o facto e o factor, a substância e o atributo, tende a desaparecer. Os elementos de autonomia, descoberta, demonstração e crítica recuam diante da designação, asserção e imitação. Elementos mágicos, autoritários e rituais invadem a palavra e a linguagem. A locução é privada das mediações que são as etapas do processo de cognição e avaliação cognitiva, Os conceitos que compreendem os factos e, desse modo, transcendem estes factos, estão a perder a sua representação linguística autêntica. Sem tais mediações, a linguagem tende a expressar e a promover a identificação imediata da razão e do facto, da verdade e da verdade estabelecida (oficial), da essência e da existência, da coisa e da sua função».
Ora, através de um determinado número de expedientes, tais como a funcionalização da linguagem, a perda do significado, a absorção do conceito pela palavra, o domínio do substantivo, a auto-avaliação, o uso de conceitos ritualizados imunes à contradição, a reconciliação dos opostos, a imunização contra o protesto, o uso de fórmulas hipnóticas, o uso da evocação em vez da demonstração, a linguagem personalizada, a identificação entre a pessoa e a função, o uso da redução hifenizada, o uso de abreviaturas, a imposição de imagens em vez de conceitos ou a supressão da história, a linguagem da administração total bloqueia o desabrochar do pensamento crítica e ajuda a repelir os elementos não-conformistas da estrutura e do movimento da palavra, afectando também o vocabulário, cada vez mais restrito e abreviado, e a sintaxe, promovendo o domínio tecnológico da mente e da matéria. No plano do comportamento social, esta linguagem operacionalizada ou funcionalizada produz conformismo social, reduzindo as formas linguísticas e os símbolos de reflexão, abstracção, desenvolvimento ou contradição, de modo a impedir o pensamento transcendente e crítico, o único capaz de levar os homens a reflectir e a tentar mudar qualitativamente a sociedade estabelecida. A filosofia bidimensional e dialéctica é neutralizada e as pessoas tornam-se incapazes de apreender que o reconhecimento dos factos requer a crítica desses factos, a qual torna possível elaborar alternativas sociais.
Embora Marcuse forneça muitos exemplos desses processos que funcionalizam a linguagem e o discurso, de modo a anular a sua capacidade negativa e transcendente, preferimos recorrer a outra sua obra, Um Ensaio para a Libertação (1969), já apresentado noutro post Sociedade Obscena, onde Marcuse defende que «a nova sensibilidade e a nova consciência que hão-de projectar e guiar tal reconstrução (do mundo em função de um novo princípio de realidade mais livre e justo) pedem uma nova linguagem para definir e comunicar os novos "valores"». Isto significa que «a ruptura com a continuidade do poder tem também de ser uma ruptura com o vocabulário do poder», imaginando uma nova linguagem da negação e uma racionalidade da imaginação criadora, capaz de produzir uma linguagem poética que promova nos indivíduos uma revolta linguística sistemática, a única que pode esmagar o contexto ideológico em que as palavras são empregadas e definidas, e colocá-las no contexto oposto: a negação da ordem estabelecida. Mais ainda: Segundo Marcuse, «a terapia linguística, isto é, o esforço rumo a palavras (e assim conceitos) livres de tudo, sem distorção do seu significado pelo establishment, postula a transferência de standards morais (e da sua validade) do establishment para a revolta contra ele». O vocabulário político deve ser remodelado de modo a extirpar a sua falsa neutralidade sociológica e a moralizá-lo em termos de Grande Recusa.
É certo que tanto Marcuse como Lasswell reconhecem o carácter ideológico da linguagem política, mas, ao contrário do segundo, um sociólogo empirista, Marcuse mostra a necessidade de operar uma terapia linguística capaz de substituir a linguagem da afirmação pela linguagem da negação, de modo a levar os indivíduos a tomar consciência do carácter histórico da ordem estabelecida e das suas possibilidades ou potencialidades concretas libertadoras, aquelas que apontam para a realização de uma sociedade mais livre, justa e fraterna.
Este post tem um outro objectivo mais prático: Alertar todos os amigos da Filosofia para a necessidade de fazer a sua defesa numa sociedade unidimensional como a nossa, mesmo que para isso tenham de se revoltar contra as actuais políticas economicistas e pseudo-educativas do Ministério da Educação, cujo sentido aponta para a abolição do pensamento crítico dos currículos do ensino pré-universitário, preferindo promover a falsa formação cultural em detrimento da Filosofia e das ciências fundamentais. Apesar dessa ameaça iminente, penso que este governo socialista não quer figurar na história como aquele governo que assassinou a cultura superior em Portugal.
J Francisco Saraiva de Sousa

10 comentários:

Manuel Rocha disse...

Gostei da reflexão. Durante a leitura não consegui deixar de pensar num fenómeno paralelo que decorre da globalização das linguagens funcionais, que é o da reinterpretação dos sentidos pela via tradução do valor semântico, terreno fértil para o crescimento das inevitáveis sementeiras de diálogos de surdos.

Da conclusão, não gostei. Não porque esteja arvorado em qualquer género de defensor do pensamento cultural ou educativo vigentes. Mas porque tenho sérias razões para crer que o que se passa nas escolas depende muitíssimo mais de quem dentro delas funciona que de qualquer decreto governamental.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Também concordo com a sua conclusão. Não detalhei, porque não conheço por dentro as escolas secundárias. Depende ou deveria depender dos professores, mas estes demitiram-se ou quase... Referia-me à eventual exclusão do ensino da filosofia no secundário; pelo menos, falam disso, os de filosofia.
O problema das linguagens funcionais e sua globalização é interessante e merece estudo.

Manuel Rocha disse...

"demitiram-se ou quase..."

E se em vez disso dissessemos que corporativizaram, parecia-lhe adequado ?

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Também: demitiram-se da qualidade de ensino e corporativaram-se num sentido menos feliz. (Duas faces da mesma moeda?) Eles queixam-se de muita papelada ou, como dizem, de muitas actas inúteis, mas não parecem interessados em aprender e melhorar a qualidade das suas aulas.

Valter Boita disse...

Olá Francisco,
discordando com o Manuel Rocha, apreciei o texto e mais ainda a conclusão.
Pareceu-me que um post que aborda de forma esclarecida a política, só tem de vir de alguém que consegue avaliar a longo prazo as consequências das medidas implementadas por este M.E. na sociedade portuguesa.

Falou-se, aqui na caixa de comentários, em demissionismo dos professores ou de corporativismo. No tocante aos professores de Filosofia, como noutras áreas, nota-se que há algum corporativismo, o que é de lamentar. Eu gostaria de ler mais argumentos dos professores de Filosofia de como esta é essencial para a formação cultural e humana dos indívíduos. Por isso, também noto mais corporativismo e menos reflexão filosófica.
Demissionismo... algum! No entanto, reparem que tem havido boas reacções e fortes estímulos para se poder ensinar filosofia com qualidade. Estamos no bom caminho. Normalmente, os professores universitários é que têm tendência para minorar o trabalho feito nas escolas, sem conhecimento do que por lá se passa, vindo depois impor modelos, tópicos programáticos, pedagogias, sem conhecerem os contextos reais em que se vão aplicar.
Um abraço

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Olá Valter
Fico feliz por as coisas na Filosofia estarem a correr bem, com ensino de melhor qualidade.
Também penso que os professores deviam falar mais na formação cultural e humana dos indivíduos. E os de Filosofia deviam ser mais unidos e talvez esclarecidos.
Tenho confiança no futuro da filosofia.
Quanto ao corporativismo, não sei bem que dizer: acho que temem perder alguma coisa, não sei bem; mas fico contente por ouvir as suas palavras de ânimo.
Abraço

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Caro Valter

Esqueci-me de dizer que essa "conclusão" surgiu quando estava a ler o seu post no "Café Filosófico de Évora" e apareceu um comentário antifilosófico, ao qual respondeu de forma brilhante. Gostei da sua resposta. Fiquei com isso na cabeça e acrescentei essa "conclusão". :)

Manuel Rocha disse...

Depois de ler o cometário do Valter fico sem perceber em que discordamos, uma vez que leio o que escreve como uma outra forma de dizer o que eu tentei!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Penso que a "divergência" é mais de acentuação da formação cultural.

Valter Boita disse...

Caro Manuel,
Discordamos no ponto em que eu subscrevo a conclusao do post e o Manuel não. :)

Um abraço