sábado, 23 de fevereiro de 2008

Monogamia, Vasopressina e Oxitocina

Apenas 3% dos mamíferos são monogâmicos, formando casais heterossexuais estáveis e selectivos que cooperam na criação dos filhos, e, apesar da diversidade de sistemas de acasalamento humano, o homem é predominantemente monogâmico. O rato selvagem do género Microtus tem sido utilizado para estudar o modo como a constituição genética e a química cerebral podem controlar os comportamentos sociais complexos, em particular a formação de casais (pair-bonding), cuidados parentais e protecção da fêmea (mate guarding) (Carter et al., 1995; Young, Wang & Insel, 1998).
Estes ratos são pequenos roedores semelhantes aos ratos do campo e, nos USA, existem pelo menos duas espécies estreitamente relacionadas – os ratos da pradaria (Microtus ochrogaster) e os ratos da montanha (Microtus montanus), que são muito utilizadas por serem muito diferentes no que respeita ao tipo de acasalamento. Os ratos da pradaria machos acasalam para toda a vida e lutam ferozmente contra os machos intrusos, enquanto os ratos da montanha são sexualmente promíscuos.
Insel et al. (1995) estudaram estes ratos e descobriram que as duas espécies apresentam diferenças no padrão de receptores de uma hormona péptidea, a vasopressina. Quando a vasopressina era bloqueada nos cérebros dos ratos da pradaria normalmente monogâmicos, eles acasalavam promiscuamente por toda a colónia e não defendiam as suas fêmeas dos outros machos. Além disso, quando um rato da pradaria macho vivia com uma fêmea, o seu cérebro produzia mais vasopressina que quando estava só. Estas mudanças não foram detectadas nos ratos da montanha, nem nas fêmeas de ambas as espécies. Estes resultados mostram que uma diferença genética entre as duas espécies produz uma diferença importante no comportamento de acasalamento, através da simples mudança da quantidade e distribuição da vasopressina.
Os ratos da pradaria formam casais após 24 h do acasalamento (Williams et al., 1992; Winslow et al., 1993a/b; Insel et al., 1995a/b). Os membros dos casais permanecem juntos e em contacto físico um com o outro e os machos exibem agressão contra intrusos de ambos os sexos. O acasalamento facilita a formação de preferência pelo parceiro em ambos os sexos, mas nas fêmeas a cohabitação com um macho ao longo de 24 h antes do acasalamento é suficiente para induzir a preferência pelo parceiro (Williams et al., 1992). O acasalamento parece ser mais importante para os machos formarem casal e desenvolver agressão contra intrusos (Insel et al., 1995).
Como é que o acasalamento facilita a formação de casais? A estimulação genital provoca libertação intracerebral de oxitocina (OT) nos machos e nas fêmeas de variadas espécies (Witt, 1995). A libertação de OT durante a estimulação vaginocervical induz comportamento maternal nos ratos e nas ovelhas e é importante para a ligação ovelha-carneiro. A libertação central de OT durante o acasalamento também parece facilitar a formação de pares nos ratos da pradaria. A infusão intracerebroventricular (ICV) de oxitocina induz rapidamente a formação de preferência de parceiro nas fêmeas dos ratos da pradaria na ausência de acasalamento (Williams et al., 1994; Insel & Hulihan, 1995; Cho et al., 1999), enquanto a infusão do antagonista da oxitocina (OTA) bloqueia a formação desta preferência mesmo depois de acasalamento prolongado (Insel & Hulihan, 1995). A OT e OTA podem ter efeitos similares sobre a formação de preferência de parceiro nos machos dos ratos da pradaria, mas o efeito nos machos parece depender da dose e do paradigma comportamental (Windlow et al., 1993; Cho et al., 1999).
A arginina vasopressina (AVP), uma molécula similar à oxitocina, também foi implicada na transição do estado de solteiro ao estado de casado, mas enquanto a OT facilita preferencialmente a formação de casais nas fêmeas, a AVP facilita preferencialmente a formação de casais nos machos. A infusão ICV de AVP nos machos dos ratos da pradaria induz a preferência de parceiro e a agressão contra intrusos na ausência de acasalamento (Winslow et al., 1993; Cho et al., 1999). Contrariamente, a infusão ICV de um antagonista da vasopressin-1a (V1a) receptor nos machos dos ratos da pradaria bloqueia o desenvolvimento da preferência de parceiro e da agressão selectiva, mesmo após a experiência de acasalamento prolongado (Winslow et al., 1993). A AVP também pode facilitar a formação de preferência de parceiro nas fêmeas, sob algumas condições experimentais (Cho et al., 1999) mas não noutras (Insel & Hulihan, 1995).
Como é que a OT e a AVP facilitam a formação de casais? Uma abordagem elegante para esclarecer esta questão recorreu à análise de OT knock-out (OTKO) mice (Freguson et al., 2000, 2001). Os ratinhos knock-out parecem ter respostas normais aos estímulos olfactivos não-sociais e exibem habilidades normais de aprendizagem espacial. Contudo, estes animais não conseguem reconhecer um congénere ou co-específico, mesmo depois de ter sido exposto a ele mais de uma vez. Injecções ICV de OT antes, mas não após, da exposição social restauram a recognição social nos ratinhos OTKO. A comparação de c-Fos imunoreactividade como um marcador de activação neuronal entre ratos machos selvagens e OTKO, acompanhada de exposição a estímulos femininos, sugere que o processamento de estímulos é normal nos ratos OTKO até atingir a amígdala medial. Os ratos selvagens, mas não os OTKO, mostram elevada indução de c-Fos na amígdala medial (Ferguson et al., 2001).
A amígdala medial é um importante alvo das projecções provenientes do bulbo olfactivo e é rica em receptores de OT. A injecção de OT especificamente dentro da amígdala medial restaura a recognição social nos ratos OTKO, enquanto a injecção de OTA na mesma área nos ratos selvagens interrompe a recognição social. No entanto, nos ratos, a activaçãp dos receptores de OT na amígdala medial durante o início da exposição social é necessária para a subsequente recognição social (Ferguson et al., 2001). Tal como os ratinhos, os ratos da pradaria dependem fortemente da olfacção para a recognição social (Cárter et al., 1995).
Uma hipótese para explicar os efeitos farmacológicos da OT sobre a preferência de parceiro nos ratos da pradaria é a de que, na amígdala medial, a OT facilita a formação de casais por aperfeiçoamento da recognição social, enquanto o OTA induz amnésia social (Young et al., 2001). Contudo, esta hipótese não explica porque razão os ratos da pradaria estabelecem relações monogâmicas e os ratos da montanha, bem como os ratinhos, não o fazem (Young et al., 2001).
Uma segunda linha de pesquisa deriva de estudos comparativos de espécies de ratos monogâmicos e não-monogâmicos. Embora a administração ICV de OT e AVP facilite a formação de preferência de parceiro nos ratos da pradaria, estes neurotransmissores não afectam o comportamento social dos ratos da montanha que, apesar de estarem relacionados, são não-monogâmicos (Winslow et al., 1993; Young et al., 1997, 1999). A oxitocina e a vasopressina medeiam os seus efeitos sobre o cérebro pela activação de receptores G-protein couple. Os padrões de expressão do receptor da OT e o V1a receptor diferem entre os ratos da pradaria e os ratos da montanha. Nos ratos da pradaria, mas não nos da montanha, o receptor da OT é expresso em níveis elevados no nucleus accumbens e no córtex pré-limbico (Insel & Shapero, 1992). O V1a receptor é expresso em níveis elevados na região do pallium ventral nos ratos da pradaria mas não nos ratos da montanha. O nucleus accumbens, o palladium ventral e o córtex pré-limbico estão associados com a via mesolímbica da dopamina, que é suposta estar envolvida nos efeitos de recompensa ou de reforço dos estímulos naturais ou psicoestimulantes (Pitkow et al., 2001).
Estes dados são congruentes com a hipótese de que a OT e a vasopressina actuam nestas áreas do cérebro dos ratos da pradaria para condicionar uma preferência de parceiro (Insel & Young, 2001; Young et al., 2001). Com efeito, a injecção do OTA especificamente no nucleus accumbens ou córtex pré-límbico inibe a formação de preferência de parceiro nas fêmeas dos ratos da pradaria (Young et al., 2001), ao passo que o aumento da expressão do V1a receptor na região do palladium ventral, usando um vector viral, incrementa a preferência de parceiro e o comportamento afiliativo nos machos dos ratos da pradaria (Pitkow et al., 2001). Além disso, a neurotransmissão de dopamina no nucleus accumbens foi implicada na formação de preferência de parceiro (Wang et al., 1999; Gingrich et al., 2000). O acasalamento aumenta os níveis de dopamina no nucleus accumbens e a injeção de D2 dopamine receptor agonist quinpirole no seio do nucleus accumbens facilita a formação de preferência de parceiro nas fêmeas dos ratos da pradaria na ausência de acasalamento (Gingrich et al., 2000), sem impedir a continuação de um casal já estabelecido (Wang et al., 1999). Estes dados apoiam a hipótese de que a formação de casais envolve uma preferência de parceiro condicionada e mediada, em parte, pela libertação de dopamina, OT e vasopressina durante o acasalamento.
Esta variação natural no padrão de expressão do V1a receptor pode ser importante para a variação do comportamento social em diferentes espécies de ratos. Os ratinhos transgénicos para o V1a receptor dos ratos da pradaria mostram um padrão de expressão do V1a receptor semelhante àquele observado nos ratos da pradaria e diferente do dos ratinhos selvagens, respondendo à injeção ICV de AVP com o aumento de comportamento afiliativo (Young et al., 1999).
Falta saber se estes estudos animais são relevantes para compreender o amor humano. No cérebro humano, os receptores de oxitocina estão concentrados em diversas regiões ricas em dopamina, especialmente a substância negra e o globus pallidus, bem como a área pré-optica (Loup et al., 1991). Embora o padrão seja consistente com o cérebro monogâmico, os receptores não foram encontrados no estriatum ventral ou pallidum ventral, áreas nas quais os receptores V1a da oxitocina e da vasopressina são abundantes nos ratos e macacos monogâmicos (Wang et al., 1997). Ainda não existe evidência de que estas vias estejam envolvidas na vinculação humana (Carter, 1998).
Bartels & Zeki (2000) realizaram um «functional magnetic resonance imaging (fMRI) study of adults looking at pictures of their partners, as opposed to close non-romantic friends» e descobriram activação bilateral no cingulate anterior (Brodmann’s area 24), insula medial (Brodmann’s area 14), bem como no caudate e putamen. Este padrão de activação cortical era distinto daquele obtido por estudos anteriores de recognição facial, atenção visual, excitação sexual ou outros estados emocionais, mas assemelha-se aos resultados prévios de um «fMRI study of new mothers listening to infant cries» (Lorberbaum et al., 1999).
Ambos os estudos da vinculação humana revelam marcada sobreposição entre o padrão de activação «when looking or hearing a loved one» e um relato anterior de activação durante a euforia induzida por cocaína (Breiter et al., 1997). Esta sobreposição sugere que as vias que medeiam as propriedades hedonistas dos psico-estimulantes estão também envolvidas, como sistema neural, na vinculação social. Estes resultados apontam no sentido do amor ser uma adição. (Estudos recentes fornecem evidência neste sentido, possibilitando criar uma neurociência social assente na hipótese do cérebro social.)
J Francisco Saraiva de Sousa

14 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Com este post despeço-me dos meus amigos online. Até breve! :)))

Manuel Rocha disse...

Boas férias ( se é o caso ...)!

:))

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Vou dedicar-me mais ao trabalho do que aos blogues, embora possa espreitar ou editar novos posts. Tenho feito muitas férias... Andava preguiçoso! Agora volto ao trabalho a sério, sem fingir que trabalho! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Manuel

Já viu o relatório da SEDES? A corrupção afasta os "melhores" e é bem verdade! Como posso ter vontade de trabalhar quando estou rodeado de burrinhos corruptos?
O PS está a ser muito "gordo", tal como o PSD: não avança com uma lei real contra a corrupção. Com os corruptos no poder não há futuro em Portugal. Viver em Portugal exige uma injecção de oxitocina diária, para tolerar a burrice nacional e a inveja.
Abaixo a corrupção! Cavaco diz que não podemos entregar à resignação, mas devia ter outra iniciativa mais radical... Vieira da Silva pensa que tudo é feito contra o governo, mas está enganado! O que queremos a ver o actual governo abrir as portas ao futuro. Mas por este caminho não vai abrir. Fica a fazer reformas com mediocres corruptos! :(((

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Estou a ponderar escrever uma carta aberta ao PM José Sócrates! Afinal, a meritocracia só será uma realidade quando os corruptos forem punidos: ABUSO DE PODER! Eles são BURROS e INVEJOSOS!

Manuel Rocha disse...

Pois é Francisco,

Este seu compagnom de route tb não se encanta com a governação, como sabe. No entanto tenta que isso não o ofusque perante uma realidade de mediocridades burguesinhas de onde são paridos todos os governos. São elas e não a corrupção quem explica todos os desgovernos.

Quanto ao "trabalho e à perguiça", não serei dos que se irão lamentar se reduzir para 50% a sua actividade de blogger. É que de outro modo acompanhá-lo é quase actividade a tempo inteiro...:))

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Acho que é agressividade redirigida em termos positivos. Começo a ficar irritado com o autismo vigente no PS! :)

Manuel Rocha disse...

O PS, como qq P, é apenas uma amostra significativa do PORTUGAL que somos, meu caro. Compare com outras o intervalo de confiança e verá que as anomalias não saiem das medidas de tendência central.

Tb não sei como se muda isso, como já conversamos, mas continuo convicto de que não será com as fórmulas clássicas....:)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Manuel

Acabei de ver a entrevista de Pinto da Costa na Sic: um espectáculo! Referiu dois casos que envolvem o marido da magistrada que eu já tinha ouvido e pensado como o homem passa impunemente informação secreta! O PS está a desiludir, mas as alternativas são o horror! :(

Sr. Justino disse...

J. Francisco.
Bom dia.
Gostaria de saber se vc tem estudos mais aprofundados sobre a influência de vasopressina no comportamento sexual?
Quero saber também se já existe estudos em seres humanos ou somente em ratos?
Pois estou pesquisando o assunto a um mês e até agora só encontrei artigos que seguem a mesma linha de pensamento que o seu, porém o seu está exposto de forma mais clara....Parabens.

Um abraço.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Olá Justino

Sim, já existem estudos com seres humanos e, na área da neuro-economia, os efeitos da oxitocina na confiança estão a ser estudados. Nos homens, esses efeitos sobre o comportamento sexual são mediados pela testosterona. Eu tenho mais posts sobre estes assuntos: talvez uma pesquisa no blog possa ajudar.
(Tenho andado muito no facebook)

Abraço e é sempre bem-vindo.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Justino

Adicionei o teu blog nas minhas actualizações. Estou a escrever a partir do facebook. Abraço

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Justino

Há este post:

http://cyberdemocracia.blogspot.com/2008/02/d4dr-e-promiscuidade-sexual.html

As coisas com os humanos são mais complexas, mas começam a surgir resultados. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Justino veja aqui:

http://www.jneurosci.org/cgi/content/abstract/30/14/4999

um link enviado de uma amiga do fb.