terça-feira, 15 de julho de 2008

Prós e Contras: A Sociedade da Nação

«Nunca escreverei uma frase convencido de que ela terá qualquer ressonância cá dentro ou no estrangeiro. Escrever em Portugal não é compartilhar dum pensamento universal, ser membro dum exército de trabalhadores de espírito. É, antes, fazer uma íntima e tragicamente inútil renda de bilros, nem sequer apreciada pelo vizinho do lado. Ser escritor em Portugal é como estar dentro dum túmulo a garatujar na tampa». (Miguel Torga, Diários, volume V)
O programa "Prós e Contras" (14 de Julho de 2008), subordinado ao tema genérico "A Sociedade da Nação", tratou da crise, das reformas, da governação e da sociedade, tendo como questão orientadora: O que somos e quem somos como nação? A vida do país foi debatida por um largo conjunto de "personalidades da sociedade portuguesa", que, com excepção dos "pensadores" da plateia, eram bastonários, com excepção do presidente da Ordem dos Arquitectos, de determinadas Ordens profissionais, em especial da Ordem dos Advogados, da Ordem dos Engenheiros, da Ordem dos Médicos, da Ordem dos Arquitectos e da Ordem dos Enfermeiros.
Antes de tudo gostaria de propor um título alternativo para este último "Prós e Contras" da temporada: "A Filosofia de Portugal" seria talvez um título mais indicado para este debate, uma vez que quase todos os participantes reconheceram a necessidade de valorizar a actividade do pensamento e, portanto, da filosofia, a única matriz teórica capaz de ajudar a desenvolver a qualidade cognitiva e crítica das pessoas, levando-as a pensar, a formular problemas e a tentar encontrar novas soluções e alternativas históricas, anulando alguns dos maiores defeitos dos portugueses: a emotividade histérica, a maldade perversa, a recusa de cooperação em projectos comuns, a inveja visceral e doentia, a rejeição da liderança e da obediência, a improvisação, o voluntarismo excessivo, a ausência de empenhamento em causas comuns, o abuso de uma crítica não-fundamentada e subjectiva, a ausência de conhecimentos bem assimilados, a falta de educação, a alienação do bem comum, a incapacidade nuclear de concentração, a atracção irracional pela vida fácil e tropicalizada, a baixa auto-estima merecida, a irresponsabilidade, a escassez de racionalidade, a superficialidade, o alheamento do mundo, enfim, tudo aquilo que permite ser criativo e procurar cooperativamente novas alternativas de mudança qualitativa.
Os bastonários da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, e da Ordem dos Engenheiros, foram peremptórios a este respeito e foram quase os únicos capazes de formular um diagnóstico plausível da actual situação de Portugal. Com excepção de um governo de Mário Soares e do seu Ministro das Finanças, Hernâni Lopes, que avançaram com políticas corajosas para tirar Portugal de uma grave crise, os outros governos, sobretudos os governos do PSD liderados por Cavaco Silva, Durão Barroso e Santana Lopes, são os verdadeiros responsáveis pela actual crise, agravada por acontecimentos externos que não podemos controlar. Como Primeiro-Ministro, Cavaco Silva fez, como mostrou Marinho Pinho, as apostas erradas: uma política altamente centralizada e centralista, levando em conta apenas o desenvolvimento de Lisboa e abandonando o resto do país ao empobrecimento acelerado, o reforço do sector bancário, como se este fosse suficiente para promover o desenvolvimento económico, a criação dos canais privados de TV que ajudaram a destruir a qualidade do jornalismo e das "notícias", a criação de um excesso de universidades regionais públicas e privadas dotadas de cursos desnecessários, o reforço da "iniciativa privada" dependente do Estado e dos fundos da UE, a degradação da educação e do ensino, o desprezo irracional pela cultura ou mesmo a criação desse "monstro", o défice orçamental, como tem dito Cadilhe.
Em suma, abusaram dos dinheiros comunitários e da política do betão, ignorando que a educação e a justiça são factores fundamentais de desenvolvimento económico e de bem-estar social. A implementação destas políticas economicistas ajudaram a consolidar tudo o que há de mau e perverso na natureza dos portugueses, tornando a autonomia uma ilusão cada vez mais distante do horizonte da portugalidade reduzida ao consumismo irracional, saloio e metabolicamente reduzido. Como diz frequentemente Ângelo Correia, Cavaco Silva secou tudo: a política, a cultura, a educação, a democracia autêntica, a verdadeira iniciativa privada, a comunicação social rigorosa, o pensamento criativo, a educação, a justiça e até mesmo a economia viva, ao mesmo tempo que «fomentou» inadvertidamente a degradação moral de Portugal.
O 25 de Abril foi traído no seu espírito democrático. A gestão meramente economicista do país revelou, com o decorrer do tempo, o seu verdadeiro rosto: uma "metodologia" usada por meia dúzia de homens destituídos de cultura para o enriquecimento privado. O bem comum foi suplantado pela perseguição de objectivos privados, isto é, a corrupção instalou-se em Portugal e nos seus poderes de Estado, assaltando as universidades, os meios de comunicação social, a justiça, as escolas, os tribunais, as ordens, as empresas, os hospitais, as autarquias, os clubes, enfim, os partidos políticos. A pobreza de espírito tomou conta de Portugal e é esta a verdadeira pobreza de Portugal: as suas pseudo-elites constituem um bando de gente destituída de cultura e de inteligência que usa e abusa do poder para alcançar privilégios pessoais. Em Portugal, todo o poder é um abuso. Os mutilados mentais e cognitivos submetem os portugueses à prática da mutilação mental: ninguém pode assombrar e ofuscar as ilusões mutiladoras de pseudograndeza das personalidades bombásticas nacionais, isto é, dos "mamões" exclusivos das lusotetas. Com esta pobreza de espírito, reduzida à oralidade, a pobreza real agrava-se e, como mostrou o bastonário da Ordem dos Engenheiros, a democracia não reduziu a pobreza e a miséria.
Falou-se muito das desigualdades sociais e das percentagens de pobres em Portugal, mas não foi dito que a verdadeira pobreza, a pobreza cognitiva e mental, está instalada nos centros de decisão nacional. Por isso, tenho dito que a sociedade pós-25 de Abril regrediu. Com isto não pretendo negar as melhorias substanciais que ocorreram graças à "revolução dos cravos". O bastonário da Ordem dos Engenheiros apontou muitas dessas melhorias, mas coube a Marinho Pinto acentuar o seu aspecto negativo: a corrupção das instituições públicas. Isto significa que estas instituições são usadas, não para promover o bem público, mas para conquistar e garantir privilégios pessoais. A democracia foi transfigurada e, em seu lugar, instalou-se uma cleptocracia simulada que os portugueses identificam com Lisboa.
A linguagem da economia pessoal silencia as vozes da mudança e manipula a opinião pública de modo a apresentar todos os pesadelos nacionais como fatalidades: as instituições públicas são antros de mediocridade e de assassinato do mérito. Falar de mérito nesta atmosfera de oportunismo soa a hipocrisia. Afinal, os que monopolizam a palavra pública são privilegiados e, portanto, são responsáveis pela regressão cultural e pelo obscurantismo nacional. Portugal assassina os seus cidadãos inteligentes e dotados de mérito. Portugal é como o Império Asteca e Lisboa, como Tenochtitlán: uma capital que submete o país ao roubo e que sacrifica nos seus altares os cidadãos competentes. Numa terra perversa e maldita como a terra lusa, a filosofia não pode germinar: os chamados filósofos portugueses são tão medíocres quanto os restantes profissionais corporativistas.
J Francisco Saraiva de Sousa

15 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Acabei de cumprir o meu compromisso: comentar o "prós e contras". Contudo, procurei não me repetir, porque este programa está a ficar monótono. E já que se apontou para a necessidade da filosofia usei conceitos abstractos cuja explicitação do sentido exige leitura profunda e imaginação capaz de os preencher de conteúdo empírico. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Claro, o meu diagnóstico da miséria portuguesa é outro: os portugueses são maus, homicidas, ladrões, e muito pouco acolhedores. Regressão total: os bem formados pré-25 de Abril produziram corrupção, pública e genética; as novas geração aprofundam a regressão. :(

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Portanto, um país de mutilados mentais e cognitivos, para retomar a terminologia do post anterior.

Manuel Rocha disse...

Bom Dia, Francisco !

Como habitualmente não vi o programa, mas fico com uma excelente ideia pelo seu resumo.

Embora subscreva a sua linha de raciocinio e até partilhe a identificação das causas que assinala, não consigo evitar a memória de uma deixa a que o meu avô recorria com frequência quando ouvia discursos que procuravam no passado justificações para o presente, do tipo "se....nada disto teria acontecido". Dizia o meu avô:
- Pois...se o meu pai não tivesse morrido, ainda era vivo !

Os homens da história económica chama a este exercicio de tentar perceber como seria hoje a realidade se ontem se tivessem tomado opções diferentes, "análise contrafactual". Parece que está na moda, mas confesso que o único mérito que reconheço ao exercicio será o de nos ajudar a compreender como são variados os factores que interferem na feitura da história.

Voltando ao ponto: embora nunca tenha sido partidário do cavaquismo nem me identifique minimamente com as suas opções de pragmatismo pseudo-ideológicas, honestamente não consigo afirmar que se não tivesse sido o cavaquismo.... não sei quê!

A água que tem alimentado o rio da nossa história, tem muitas fontes, não lhe parece ??

;)

Abraço.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bom dia Manuel

O passado está feito e nada podemos fazer para o mudar, excepto falsificá-lo.

O cavaquismo teve o seu lado bom, mas aquele que ainda parece predominar é o seu lado mau, que devemos transcender. Mas não é com esta "gente" instalada que o podemos transcender: a competência que dizem defender é precisamente aquilo que, para emergir, necessita de uma purificação antropológica: os que monopolizam a palavra pública são pessoas instaladas e incapazes de mudar; são conservadores hipócritas do status quo. Precisamos de livrar-nos deles: as mesmas moscas não mudam a "merda" que produziram.

As reformas, ou melhor, as mudanças qualitativas do sistema de educação e da justiça, bem como da comunicação social e da triagem partidária, são fundamentais. Até aceito os novos investimentos públicos, desde que se combata a corrupção. Marinho Pinto tem razão na crítica que faz de alguns magistrados e ontem disse que esta geração deixou de sonhar: estão mutilados e são profundamente ignorantes.

Ir até ao fundo do poço de esterco pode ajudar a iluminar Portugal...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Hoje é mais um dia excelente: O Tribunal Arbitral (TAS) já desmistificou a gula e a inveja do Benfica e V. Guimarães, os dois clubes "portugueses" que tudo fazem para "vencer" na secretaria aquilo que não vencem no campo a jogar à bola. Dois clubes que nunca trouxeram uma glória ao futebol português e, se jogam na Uefa, ao FCPorto o devem. Viva o mérito desportivo! Abaixo a corrupção conspirada pelos eternos derrubados por falta de mérito desportivo! Clubes da vergonha nacional e internacional...

Guimarães vai sofrer as consequências: Que vá pedir jogadores emprestados ao seu amo, o Benfica!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Contudo, a gula sem inteligência do V. de Guimarães fez-nos um favor: os panteras negras (Boavista) estão do lado do Porto e, se eram cúmplices do Benfica, agora odeiam-no e mais intensamente o VG. :)

E. A. disse...

Boa tarde!

Ontem só assisti a uma parte e gostei, sobretudo, das intervenções do Marinho Pinto e do Prof. Anselmo, que desconhecia.
Sublinho a denúncia que o bastonário da Ordem dos Advogados faz do desfalecimento da Filosofia nos currículos escolares, antevendo a sua remoção. E estabeleço uma relação com o que disse o Prof. Michel Renaud sobre o desinteresse, "luso" e "latino em geral", pelo bem comum.
Ora, a Filosofia como busca cooperativa pela verdade, não é ensinada nas escolas. A sua iniciação é oca, porque é constituída por conteúdos esparsos, múltiplos e superficiais, em que os grandes filósofos aparecem como seres excêntricos, possuídos de ideias estranhas e confusas. Não se educa a pensar, não se educa a formular questões ou problemas e a partir daí a estabelecerem-se diálogos com sentido. (A Filosofia existe pela e na comunicação e não nos gabinetes bafientos dos professores universitários). Não se introduz as preocupações de hoje e o trilho a ser percorrido. Não se introduz a noção de comunidade face ao de indivíduo e, logo, não se percebe racionalmente o que é o bem comum. Enfim: a responsabilidade do ensino da Filosofia é inconsequente e mais vale mesmo deixar de existir.
Com esta incursão quero chegar ao ponto que, para mim, é capital: ou os portugueses são, irremediavelmente, uma cambada de patetas, de futuro tolhido, ou se querem edificar uma nação digna e uma "sociedade de conhecimento" como se falou ontem, têm de repensar estruturalmente as suas instituições e os valores que as sustentam.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

É uma vergonha haver gente deste tipo no Norte: deviam ter vergonha... Tornaram-se a vergonha do Norte. Depois dizem querer o desenvolvimento! Mas no fundo são vassalos traidores e sem mérito do Benfica... O Norte não se constrói com escravos e gente medíocre. :(

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Papillon

Concordo: o nosso ensino da Filosofia está corrompido e o bastonário quando falou da Filosofia referia-se à Filosofia mesmo e não a essa coisa dos "gabinetes universitários" onde se toma chá e se diz mal do próximo.

Portugal precisa ter coragem e sanear os corruptos: dar uma oportunidade àqueles que estão preparados para construir o futuro de Portugal. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Papillon

Mas nem todos os magistrados são corruptos ou clubistas cegos: há boa gente em Portugal e ainda bem. :) O que se passa no futebol nacional é uma vergonha e foi levada para o exterior. A imagem exterior da nossa justiça é péssima: Maddie e agora o futebol. Mas vamos conseguir limpar a imagem... e estes clubes corruptos que querem vencer na secretaria vão ser desmistificados: estes apitos foram uma campanha de inveja, porque o FCPorto é composto por gente lutadora que vence no campo e que tem mérito internacional: somos o clube com mais participações na Uefa... :)

E. A. disse...

Eu, sinceramente, acho isso um problema menor. Quero dizer (para que fique claro e não se inflame em vão): pactuo com o seu interesse pela justiça desportiva, mas acho que se investe demasiado (dinheiro e vontade) no futebol. Lamento, mas é o que eu acho. :(

Sobre o caso Maddie, mais uma vez fomos sodomizados pelos grandes...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O futebol, se ninguém o procurar manipular, segue o seu rumo: precisávamos mais de Pintos da Costa para trazer boa gestão desportiva. (Eu também não vivo do futebol!)

Se Marinho Pinto se canditar às próximas presidênciais, alinho na sua campanha, mesmo que o PS proponha outro candidato. Parece-me um homem lutador e justo, com causas nobres. :)

Ah, vamos ter um Oceanário aqui no Porto, com um animal que não aprecio: tubarões. Claro, alguns minhotos já estão com inveja! Ainda não perceberam que as cidades portuguesas devem procurar outros caminhos sem ser os das metrópoles. Bastam duas para um país da nossa dimensão! Devem apostar na qualidade do ambiente! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ah, não creio que a Filosofia vá ser eliminada. Com sorte vai ser Filosofia! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Não sei se já lhe contei, mas fui convidado por duas editoras para fazer manuais, um dos quais de Filosofia.

Uma delas disse-me: "Como sabe os professores são medíocres. Escreva um manual para medíocres." (etc.)

Há muito tempo que se sabe que os professores que temos são incompetentes e basta ler os manuais para detectar as suas deficiências mentais e cognitivas. Além disso, não concordo com os programas e o de Filosofia é péssimo: aliás, aquilo não é filosofia mas conversinhas de la merde. :(