«O indivíduo é, pois, no fim de contas, obrigado a fazer a seguinte pergunta: como dar um sentido à minha existência? O homem, vivendo num mundo fetichizado, ignora que a riqueza, o valor e o verdadeiro conteúdo da sua existência se encontram em inumeráveis ramificações profundas e conscientes que o ligam à existência dos seus semelhantes e à da sociedade. O indivíduo isolado e egocêntrico que não vive senão para si próprio vive num mundo empobrecido. Quanto mais as experiências lhe pertencem exclusivamente tanto mais elas são exclusivamente interiores e mais se arriscam a perder todo o conteúdo e terminar no nada. /O homem vivendo num mundo fetichizado só pode vencer o vazio interior por uma espécie de embriaguez contínua, tal como o morfinómano que não vê saída senão no aumento da dose, enquanto a solução seria reorganizar a sua vida de tal modo que tornasse desnecessário o veneno. Eis porque o homem vivendo num mundo fetichizado não seria capaz de reconhecer que foi a perda de todo o contacto com a vida pública, a reificação do processo de trabalho, o desligamento do indivíduo da vida social - consequências da divisão capitalista do trabalho -, que lhe inspiraram a necessidade dessa embriaguez permanente, incapaz de reconhecer a realidade, persiste na sua evolução fatal e a sua atitude corresponde a uma realidade subjectiva, visto a sociedade capitalista ser necessariamente fetichizada, alienada e inumana. É, pois, apenas a atitude revolucionária perante os próprios fundamentos desta sociedade que pode fornecer uma vista clara de conjunto da realidade. A fuga para a interioridade termina num beco sem saída tragicómico». (Georg Lukács)
Georg Lukács (1885-1971) foi inegavelmente um dos maiores filósofos do século XX, não só por ter sido o pai do marxismo ocidental que nos ensinou os princípios da crítica dialéctica, mas sobretudo por ter lutado contra o obscurantismo que se instalou na Filosofia contemporânea e que conduziu já no nosso tempo indigente à liquidação da realidade e dos sonhos diurnos de emancipação da humanidade. O realismo crítico que defendeu contra a sua dissolução modernista procurou manter viva a integridade do passado, de modo a garantir uma continuidade dialéctica com a melhor tradição do pensamento ocidental. Lukács não rompe com a herança da humanidade, visto que acredita na evolução da humanidade orientada para a humanização do homem, não de um modo puramente mecanicista e economicista que dispensa a acção consciente e livre do homem, mas sim de um modo voluntário que resulta da acção livre do homem dentro do quadro das condições objectivas geradas pela evolução social. Para Lukács, o processo histórico é influenciado não só pelo desenvolvimento objectivo da totalidade social, mas também pela acção livre do homem individual. E foi esta confiança no homem e na sua capacidade de superar a alienação que o levou a aderir ao socialismo democrático ou social-democracia.
Uma editora de Barcelona - Ediciones Grijalbo - publicou em espanhol as Obras Completas de Georg Lukács (26 vols.), que merecem ser lidas na íntegra e estudadas com profundidade. Aqui vou destacar algumas das obras de Lukács:
1911: Die Seele und die Formen (A Alma e as Formas). A estética do jovem Lukács inscreve-se na estética clássica: as formas literárias são a expressão de determinados conteúdos psíquicos. A tarefa do ensaísta e do crítico é ligar cada forma ao conteúdo psíquico que lhe corresponde e, inversamente, todo o conteúdo psíquico à forma que o exprime de uma maneira exaustiva. Dominado pelo problema da vida autêntica oposta à vida concreta e quotidiana e pelo problema do limite, da morte e da sua significação para a vida do homem, Lukács elabora a sua teoria da tragédia: a vida humana é necessariamente trágica, porque o homem não pode realizar o absoluto. A única grandeza que lhe é acessível reside na consciência desse limite e na solicitude radical que ela implica. Apesar de ser neokantiano, o jovem Lukács aproxima-se muito das temáticas existenciais, mais tarde explicitadas por Heidegger, Jaspers e Sartre, como o demonstra o ensaio dedicado a Kierkegaard e a paixão que nutre, neste período, por Fiódor Dostoiévski. No Prefácio de 1962 da Teoria do Romance, onde renega as suas obras de juventude, Lukács escreve estas palavras muito esclarecedoras: «Para o autor da Teoria do Romance, Kierkegaard desempenhou sempre um papel importante. Muito antes deste estar em moda, tinha ele consagrado um ensaio às relações entre a vida e o pensamento em Kierkegaard ("A Quebra da Forma em Contacto com a Vida: Sören Kierkegaard e Regine Olsen", 1909, incluído nesta obra.). E, nos anos que precederam imediatamente a guerra, iniciara em Heidelberg um trabalho - que ficou inacabado - sobre a crítica de Hegel por Kierkegaard. Se lembramos aqui estes factos, não é de modo algum preocupados com a simples precisão biográfica, mas para referir uma tendência que viria a tomar posteriormente uma grande importância na evolução do pensamento alemão. A influência directa de Kierkegaard conduziu sem dúvida ao existencialismo de Heidegger e de Jaspers, por consequência a uma posição de hostilidade mais ou menos aberta em relação a Hegel». 1912-1916: Heidelberger Ästhetik (Estética de Heidelberg). Lukács procura assegurar a autonomia radical do estético e a sua forma de validade, delimitando-a - a esfera estética - da esfera teórica e da esfera da prática e da realidade diária. No objecto estético, a coincidência da forma vivencial do sujeito e da forma da obra de arte é de tal modo adequada que o conteúdo das obras acaba por ser extinto. Lukács preconiza assim um esteticismo absoluto, que revela na obra de génio uma harmonia pré-estabelecida da forma vivencial e da forma estética, e na diferenciação entre o sujeito da experiência estética e o sujeito da experiência da realidade diária, a transformação do homem da realidade vivencial em homem total, o sujeito normativo da estética concebido como uma espécie de processo de estilização. 1916: Die Theorie des Romans (Há tradução portuguesa com o título Teoria do Romance). Max Weber saudou a publicação desta bela obra como o início da sociologia das formas literárias, onde Lukács analisa os diversos géneros literários - o épico, a lírico e o romanesco, interpretando-os do ponto de vista mais elevado da filosofia da história (Karl Mannheim). Lukács estuda basicamente duas formas épicas - a epopeia e o romance, e como forma de transição entre elas A Divina Comédia de Dante Alighieri. A epopeia é a forma literária que exprime a adequação absoluta e perfeita entre o homem e o universo, enquanto o romance reflecte a ruptura entre o homem e o universo social: «O romance é a forma da virilidade amadurecida, por oposição à infantilidade normativa da epopeia. /O romance é a epopeia de um mundo sem deuses: a psicologia do herói romanesco é demoníaca, a objectivação do romance, a viril e a madura constatação de que nunca o sentido poderia penetrar de lado a lado a realidade e que, portanto, sem ele, esta sucumbiria ao nada e à inessencialidade. Todas estas formas vêm a dar no mesmo: Caracterizam os limites produtivos impostos de dentro às virtualidades estruturantes do romance, ao mesmo tempo que remetem sem equívocos para o instante histórico-filosófico em que são possíveis os grandes romances, em que eles se tornam aptos a simbolizar o essencial do que há para dizer. O espírito do romance é a virilidade amadurecida, e a sua estrutura característica, o seu modo descontínuo, o corte que implica entre a interioridade e a aventura. /O carácter estranho desta natureza - o universo social - relativamente à primeira, (mais não é do que) a projecção da experiência que ensina ao homem que o mundo ambiente que ele mesmo criou não é para ele um lar, mas uma prisão. /Mundo contingente e indivíduo problemático são realidades que se condicionam uma à outra» (Lukács). Para o jovem Lukács, a quintessência do humano reside no carácter trágico da vida: a experiência trágica é a única experiência possível que permite ao homem colocar-se como totalidade não extensiva mas intensiva, não empírica mas simbólica, não material mas formal. Por causa da inadequação entre a vida e a obra, o homem precisa abandonar a vida numa espécie de suicídio espiritual, para que nasça a obra, porque é somente na esfera do estético que se encontra o salvamento do naufrágio na mutiplicidade caótica da vida diária, como manifestação do desejo de converter o memento mori goetheano em memento vivere. A salvação pelo estético passa pelo apego à forma num mundo abandonado por Deus e carente da manifestação espontânea do ser: o apego à forma permite ao homem trágico enganar a vida e, num só e mesmo movimento, renunciar à totalidade extensiva num gesto de desprendimento quase místico - a mais sublime forma de vida -, pelo qual se reencontra a vida autêntica e se logra a instalação definitiva na totalidade intensiva. O estético enquanto escudo protector da multiplicidade caótica da vida permite ao homem transcender o círculo do trágico e procurar no utópico a essência do humano. O anticapitalismo romântico que move o jovem Lukács leva-o à ideia da necessidade de superar o sistema capitalista através de uma ética de Esquerda, que se abriga e se refugia nas proximidades do revolucionarismo interior de Dostoiévski. Dada a inadequação entre a alma e as formas, o homem é um ser essencialmente problemático, que procura desesperadamente a unidade. No mundo empírico, entregue à mudança permanente, à multiplicidade e às mil e uma aparências, a arte enquanto permanência, unidade e manifestação da essência é a antecipação utópica da conciliação entre a forma e a vida, que permite ao homem problemático cosmizar o caos e restaurar a ordem perdida. Deste modo, graças à unidade sincrónica e diacrónica que descobre na arte, o homem pode orientar-se no caos da multiplicidade empírica, sem ser contaminado pela época da pecaminosidade consumada. Expulso da totalidade fechada do mundo antigo, o homem moderno é forçado a dar forma à totalidade oculta a partir da sua própria subjectividade: o romance é a forma adequada a que recorre para expressar a sua problematicidade e a necessidade de dar sentido ao mundo exterior a partir do seu próprio mundo interior. O romance é precisamente a expressão da busca da totalidade aberta e latente num mundo abandonado por Deus, isto é, num mundo em que o sentido da vida se tornou problemático. Assim, ao contrário do herói da epopeia que se inseria na totalidade fechada e patente sem fricções e atritos, o homem problemático é obrigado a construir a totalidade e a dar-lhe um sentido. Porém, a descoberta do sentido do mundo caótico na arte não é suficiente para satisfazer o homem problemático: ele precisa construir o seu próprio cosmos, retirando-se do mundo externo para formar uma comunidade sem janelas para o exterior. O retiro - tentado por Lukács e por alguns amigos numa comunidade mista de vida, localizada nas proximidades de Heidelberg - revela desde logo a impossibilidade de encontrar uma solução para a possibilidade humana dentro das formas burguesas de vida: o retiro enquanto solução utópica das contradições da sociedade burguesa implica uma renúncia a intervir activamente na mudança da ordem social estabelecida, e, neste sentido, constitui o último refúgio do individualismo burguês perante a agudização das contradições antagónicas da sociedade de classes. A vida em reclusão pode ajudar o indivíduo a realizar-se nos momentos em que o caos exterior ameaça mergulhá-lo nas suas águas turbulentas, mas deixa o mundo exterior entregue aos seus caprichos e às suas contradições sociais. O eticismo de Dostoiévski está por detrás desta solução utópica de Lukács: a concepção de Dostoiévski do alargamento da alma até à amplitude cósmica - como ordem profunda que rejeita o casual - é uma resposta ao rompimento moderno da dualidade eu-mundo, que exige a ajuda recíproca e a cooperação entre os homens. Os homens devem ajudar-se uns aos outros na tarefa da realização da sua humanidade. Porém, como observa Lukács, a relação entre os homens não é um mero estar-com-os-outros, mas sim ser-com-os-outros, porque somente o ser-em-relação permite a manifestação da essência atemporal da alma como ligação supratemporal de duas almas. Situar-se na realidade alma - nas relações que unem as almas umas com as outras - implica o desprendimento de todas as conexões sociais e de todos os laços que ligam o homem à sua situação social. O homem capaz de operar este desprendimento de tudo aquilo que não é essencial à vida autêntica conquista a sua verdadeira pátria: a revolução interior era, para Dostoiévski e o jovem Lukács, o único caminho que permitia ao homem salvar-se enquanto homem humano num mundo que dificulta a revolução das estruturas sociais. Anticapitalismo romântico e utopismo salvífico implicam-se reciprocamente. 1923: Geschichte und Klassenbewusstein (Há tradução portuguesa com o título História e Consciência de Classe). Com esta obra, Lukács abandona definitivamente o neokantismo e o vitalismo e volta-se para Hegel e Marx: o marxismo hegelianizado de Lukács e de Karl Korsch está na origem do marxismo ocidental. Nesta obra que encantou Horkheimer, Adorno, Benjamin, Sartre e Merleau-Ponty, Lukács restabelece a dimensão hegeliana do pensamento de Marx, insurgindo-se contra o marxismo soviético fundado por Plekhanov. Embora ainda não conhecesse os Manuscritos de 1884 de Marx, Lukács encara o marxismo como herdeiro da filosofia clássica alemã (Engels), elaborando uma teoria dialéctica que minava a velha controvérsia entre materialismo e idealismo: estas duas tendências filosóficas mais não são do que a tese e a antítese de um debate resultante da incapacidade de superar a cisão entre sujeito e objecto. Para Lukács, a solução não consiste em optar pelo idealismo ou pelo materialismo, mas sim em transcender a área da disputa, considerando a praxis como a unidade concreta do pensamento e da realidade (Marx). A dialéctica histórica não existe sem a subjectividade humana e a sua correspondente possibilidade de auto-alienação e reificação. O proletariado enquanto sujeito e objecto do conhecimento - sendo a classe revolucionária por excelência - está destinado a emancipar a humanidade ao libertar-se a si próprio da sua existência alienada e reificada na sociedade capitalista. A tarefa da dialéctica marxista é ajudar os oprimidos a alcançar uma consciência adequada do seu verdadeiro papel histórico, de modo a traduzi-la em praxis revolucionária: «Pode definir-se a essência da luta de classe proletária pela coincidência entre a teoria e a praxis, pela passagem sem transição do conhecimento à acção» (Lukács). 1947: Goethe und seine Zeit (Goethe e a sua Época). Lukács expõe detalhadamente a relação íntima entre o Fausto de Goethe e a Fenomenologia do Espírito de Hegel. A atracção por Goethe herdou-a Lukács de Marx e de Engels: os fundadores da teoria marxista exibiram uma grande antipatia por Kant e Schiller, ao mesmo tempo que aplaudiam a poesia de Goethe e a filosofia de Hegel, justificando esta preferência enfática pelo facto de ambos terem assimilado em segredo a filosofia de Espinosa: a «razão de ser de toda a sua existência» foi descrita por Goethe como ver Deus na natureza e a natureza em Deus. O panteísmo espinosiano transportava no seu cerne um elemento materialista que seduzia Goethe. Lukács estava ciente disso, mas preferiu seguir outro caminho, para acentuar esse elemento materialista. Goethe e Hegel foram contemporâneos que viveram no começo do último grande período trágico do desenvolvimento burguês, e as suas obras expressam uma mesma tendência e um mesmo esforço: a tentativa de expor os momentos do desenvolvimento da espécie humana até ao nível então alcançado, de um modo sistemático e no seu movimento imanente, na sua legalidade autónoma. Pushkin chamou ao Fausto de Goethe a «Ilíada da vida moderna», e Lukács usa a expressão «Odisseia do Espírito» - o regresso do espírito - de Schelling para nomear a Fenomenologia do Espírito de Hegel. A grandeza de Goethe e de Hegel reside no facto de terem olhado de frente e sem temor para as contradições da sociedade capitalista e de terem procurado dar a essas contradições uma expressão poética e filosófica, respectivamente, elaborando quadros sintéticos sobre a experiência específica da humanidade e o desenvolvimento da consciência específica humana. Porém, estas afinidades não devem encobrir as diferenças entre as duas personalidades: Goethe orienta-se mais para a natureza do que Hegel, tendo permanecido muito próximo do materialismo, sem no entanto compreender os desenvolvimentos dialécticos de Hegel. O confronto de Goethe com a sociedade capitalista e a sua visão do futuro são muito realistas, mas não alcançam a riqueza da dialéctica de Hegel, com a qual partilha a ideia fundamental do trabalho humano como processo de autoprodução do homem. Ora, esta ideia tem um sentido ou um acento marcadamente antireligioso: a autoprodução do homem pelo trabalho conduz a uma crítica humanista da sociedade capitalista que, sem perder de vista a ideia de progresso humano, prefere mover-se no elemento fertilizante das contradições, de modo a desbravar entre elas um novo caminho sem fazer concessões romântico-reaccionárias. 1947: Existencialismo ou Marxismo? (Há tradução portuguesa com o título Realismo e Existencialismo.) A polémica de Lukács em torno do existencialismo deve ser lida à luz da Destruição da Razão. A fenomenologia de Husserl e de Max Scheler e sobretudo os existencialismos de Heidegger, Jaspers, Sartre, Simone de Beauvoir e Merleau-Ponty são severamente críticados e acusados justamente de transformar, mistificando-a, «a condição do homem do capitalismo imperialista numa condição humana geral e universal». O texto que aparece em epígrafe revela o tom demolidor da crítica lukácsiana da filosofia existencial que universaliza, na sua ontologia fundamental, o eu fetichizado: Lukács reconduz cada uma das categorias existenciais, tais como a do nada e da liberdade, bem como a moral existencialista, ao fetichismo do mundo capitalista na sua fase imperialista que é aceite como realidade fundamental óbvia. A experiência vivida que serve de base à filosofia existencial revela-se na relação entre o homem e o mundo como uma situação vis-à-vis de rien: com a noção do homem face ao nada, a fenomenologia existencial julga apreender a essência da realidade humana quando, na verdade, capta apenas um estado de consciência individual fetichizada que reflecte a crise do imperialismo e da filosofia burguesa. A condição do homem universalizada pelo existencialismo é a do homem empurrado para a beira do abismo e privado de toda a saída de realização, excepto a morte própria, no caso da ontologia fundamental de Heidegger. O livro de Victor Farías sobre «Heidegger e o Nazismo» peca por ser tardio, na medida em que Lukács já tinha mostrado que o existencialismo alemão se transformou numa filosofia activista sob o regime hitleriano: «Que se lembre Heidegger, reitor da Universidade de Friburgo, conduzindo os seus estudantes às urnas em filas cerradas, onde deviam sancionar com o seu voto o abandono da S.D.N. pela Alemanha». Embora não refira as obras seminais de Lukács, o estudo de Farías foi recebido com o mesmo desprezo que «mereceu», no seu tempo, A Destruição da Razão de Lukács: o primeiro por ter associado mais uma vez a filosofia de Heidegger ao nazismo, o que escandalizou Umberto Eco, Gianni Vattimo, Pierre Aubenque, Richard Rorty, Jacques Derrida, Jean Beaufret, Hans-Georg Gadamer, Ernst Nolte e O. Pöggeler, entre outros reaccionários; e a segundo por denunciar o irracionalismo de Nietzsche e de Heidegger como precursor ideológico do fascismo nazi. Victor Farías lembra justamente uma afirmação que testemunha a influência nefasta de Nietzsche como figura-chave do regime nazi: «A afirmação de Alfred Bäumler, porta-voz de Rosenberg e encarregado da Amt Wissenchaft, que dizia que "quando se exclama Heil Hitler! se está saudando também a filosofia de Nietzsche", era conhecida». Ao contrário de Franz Mehring que sugeriu que, pelo menos para alguns intelectuais da classe média, Nietzsche poderia representar uma fase de transição para o socialismo, Lukács viu nele - e com razão, como o demonstra a actual decadência ideológica da Esquerda europeia - um adversário do marxismo e do socialismo, sem levar em conta o seu impacto sobre a dissolução da fé protestante e católica, de resto muito «estranho» se prestarmos atenção à regressão reaccionária do pensamento débil de Vattimo, o filósofo que vai à missa. 1948: Der Junge Hegel und die Probleme der Kapitalistischen Gesellschaft (O Jovem Hegel). George Steiner e Susan Sontag viram neste estudo sobre Hegel a magnum opus de Lukács, sem compreender - sobretudo Sontag - a coerência interna de toda a filosofia marxista de Lukács: os conceitos explicitados nesta obra presidem à crítica da literatura de vanguarda que os críticos literários anglófonos desprezam. Lukács é um pensador muito profundo e sério que viveu em tempos obscuros: a sua visão da modernidade e a sua teoria da reificação expostas em História e Consciência de Classe nunca foram abandonadas, apesar da obra ter sido renegada pelo seu «autor». Ao estudar as conexões entre a economia e a dialéctica hegeliana, Lukács procura elucidar correctamente a relação entre Marx e Hegel, tanto naquilo que os une como naquilo que os afasta, ao mesmo tempo que restabelece a ligação orgânica entre Hegel e o Iluminismo, rejeitada pela leitura de Dilthey. (Continua com o título - A Redescoberta de Georg Lukács (2).) J Francisco Saraiva de Sousa
9 comentários:
Isto anda divertido: o FCPorto tem adeptos da Galiza. :)
Estou a pensar nos amigos espanhóis e a sua ligação ao Porto e ao FCPorto - tão estreita que se vestem à Dragão Azul. E, o mais curioso, é conhecerem bem a cidade e frequentarem as zonas habitacionais, reunindo-se com os seus habitantes nos cafés mais familiares dessas zonas. Adoram o Porto e muitos já cá vivem ou têm casa, e os portuenses tb os visitam.
Acho que está a surgir uma forte ligação entre o Porto, Galiza e Castela e Leão: os portuenses olham para Lisboa como se fosse uma zona estranha. Hummmm... está tudo a mudar, incluíndo as pessoas. Isto fá-las sentir-se numa nova centralidade urbana: andam felizes por desejarem a autonomia.
Boa Páscoa para os leitores deste blogue! :)
A ligação entre o Norte e a Galiza é histórica e eles referem a língua, forçando-me a ler galego, o que no início me foi difícil devido aos famosos "X". Agora já leio bem...
Outra cidade que ama o Porto é Léon: adoro esta cidade de Léon. É toda autonomista. :)
Esta viagem pelo universo de Lukács também é uma viagem até ao meu passado: recupero-o, ao mesmo tempo que começo a ver Lukács a outra luz. Porquê? Porque comecei a ler Lukács muito cedo na vida, quando ainda não tinha estofo intelectual para lhe fazer frente: quase toda a literatura que li sofreu a sua mediação. Porém, tive outros mestres - Adorno, Bloch e Marcuse. Enfim, acabei por aprender a navegar entre os mestres, procurando mais as afinidades do que as diferenças, para além das rivalidades pessoais que os dividiam. Ora, este pensamento juvenil emerge novamente e eu continuo a ser o adolescente que fui. Há um texto de Marx sobre os gregos que, como marxista, sou obrigado a escutar, justificando muitas das posições de Lukács.
O universo de Lukács é um cosmos inteiro. Daí que seja forçado a ir devagar, até porque ele ainda não foi seriamente estudado: aquilo que me afastava de Lukács - o reflexo - começa a surgir como uma noção dialéctica que nos liga dialecticamente ao mundo. Ora, Lukács problematiza o mundo, usando um conjunto de novos conceitos. Não desejo testá-lo mas começo a ficar convencido que ele levou a sério a tese hegeliana do fim da arte orgânica. Porém, ele tem razão quando denuncia o irracionalismo moderno: perdeu-se o mundo, empobreceu-se a subjectividade, eliminou-se a consciência histórica e entrou-se no discurso da catástrofe.
Ah, a noção de desantropomorfização usada para designar a racionalização - na sua obra tardia - é deveras interessante, porque abre novas vias para pensar a modernidade: alienação, reificação, fetichismo e racionalização.
Bem, com o post já está demasiado longo, sou forçado a simplificar alguns tópicos.
Este primeiro post da série dedicada a Lukács está finalmente concluído, embora pretenda acrescentar mais alguma informação no último parágrafo. :)
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