Tal como «existem diversos tipos de homossexuais e de bissexuais», também existem, como escreve Hoffman (1970), «diversos tipos de heterossexuais» (p.25). Hoffman vai mais longe quando acrescenta:
«Quando indagamos "Por que um homem é homossexual?" não desejamos que esta [questão] seja considerada de maneira diversa, basicamente, da pergunta "Por que um homem é heterossexual?". Virtualmente, toda a literatura sobre homossexualidade é insuficiente porque os seus autores não consideraram o facto de que a heterossexualidade é uma situação tão problemática para o estudioso do comportamento humano como a homossexualidade. A única razão pela qual não a encaramos como um problema é a aceitação tácita da sua existência. Agora, entretanto, temos suficiente conhecimento científico para compreender que justamente essas questões aceites como axiomas, se adequadamente formuladas, abririam novas perspectivas para a exploração científica. Deveríamos colocar a questão nos seguintes termos: o que leva uma pessoa a excitar-se sexualmente (isto é, no caso do homem, por causa da erecção), ao defrontar-se com um estímulo específico? Desta maneira, vemos que a heterossexualidade constitui um problema idêntico à homossexualidade, no sentido científico e mesmo social» (p.25).
Apesar de reconhecerem que o conhecimento da homossexualidade depende do conhecimento da heterossexualidade (e vice-versa), Hoffman e outros autores nunca propuseram uma classificação das heterossexualidades ou simplesmente dos comportamentos heterossexuais. Esta lacuna deve-se provavelmente ao facto de suporem que «a escolha do objecto sexual é basicamente um fenómeno adquirido» (p.113). E, quando tentam qualquer tipo de diferenciação das masculinidades, fazem-no a partir de factores psicossociais e culturais, numa perspectiva claramente construtivista e social. Ora, qualquer classificação das masculinidades e das sexualidades deste tipo raramente traz um contributo científico positivo. A concepção da identidade sexual como construção social perde-se em detalhes pouco significativos, como demonstram abundantemente recentes estudos de género. É, por causa dessa verborreia ideológica, que tomámos a decisão metodológica de «colocar entre parêntesis» esses factores sociais: aplicamos-lhes uma sócio-redução, de modo a podermos elaborar uma biologia das heterossexualidades masculinas.
Um macho heterossexual reage a estímulos femininos com uma erecção, manifestando o comportamento masculino sexualmente típico de «cobrir» a fêmea. Acabámos de definir a heterossexualidade como orientação sexual — atracção sexual por pessoas do sexo oposto, tal como definimos a homossexualidade como a reacção sexual de um indivíduo a estímulos do mesmo sexo, podendo manifestar o comportamento masculino sexualmente típico de «cobrir» o outro macho e/ou o comportamento sexualmente atípico de ser coberto pelo outro macho: no primeiro caso, com erecção e, no segundo, com ou sem erecção. O conceito de homossexualidade como orientação sexual é, desde logo, mais diferenciado em termos comportamentais, possibilitando à partida uma classificação dicotómica.
Isto não sucede aparentemente com a heterossexualidade masculina. Dado que a sua atracção sexual se dirige aos membros do sexo oposto, seres não dotados de órgão de penetração, o repertório comportamental do macho heterossexual é reduzido apenas ao comportamento masculino sexualmente típico: cobrir a fêmea. A homossexualidade traz uma espécie de mais-valia erótica ao repertório comportamental masculino: o indivíduo que penetra também pode ser penetrado pelo seu parceiro sexual do mesmo sexo.
A erecção, bem como a ejaculação, é um fenómeno medular: ela pode ser desencadeada mecanicamente sem a intervenção do cérebro em indivíduos com lesão medular (Hart, 1978). Este facto é importante, apesar de nenhum homem poder copular sem cérebro e, por conseguinte, sem experimentar o orgasmo. Imaginemos a seguinte experiência de pensamento, mas perfeitamente exequível: convidam-se dois grupos, um de heterossexuais exclusivos e outro de homossexuais exclusivos para participarem numa orgia sexual, ficando cada grupo num quarto escuro onde supostamente só estão presentes indivíduos adequados à direcção da sua orientação sexual. A única actividade sexual permitida seria o sexo oral. Ora, se fosse introduzida uma mulher no quarto homossexual e um homem no quarto heterossexual, seria de esperar que qualquer um deles conseguisse consumar o acto sexual sem ser reconhecido por, pelo menos, um dos indivíduos de cada grupo: um homossexual teria tido uma experiência heterossexual e um heterossexual, uma experiência homossexual, sem disso terem consciência. Ambos teriam sido enganados. No entanto, não foram enganados pela estimulação oral dos seus pénis — a experiência teria sido real — mas nas suas expectativas sexuais. Ou simplesmente o cérebro foi enganado. Aliás, o cérebro pode enganar-se a si mesmo durante muito tempo. A orientação sexual não interfere, em termos normais, com o mecanismo da erecção e da ejaculação e, neste caso, também da experiência do orgasmo (ou mesmo com a fertilidade masculina); ela apenas dirige a reacção sexual para pessoas do mesmo sexo ou do sexo oposto. Os machos heterossexuais e homossexuais partilham, portanto, um programa masculino básico. Diferenciam-se somente na orientação sexual e fenómenos correlacionados.
Falámos de uma mais-valia erótica da homossexualidade. A questão que se coloca agora é a seguinte: O que um casal homossexual masculino pode fazer exactamente na cama? A maioria dos investigadores americanos descobriu que existem quatro «posições básicas», que um indivíduo poderá virtualmente adoptar quando faz sexo com outro homem. Estas podem ser divididas em «oral» e «anal» ou ainda em «introdutoras» e «receptoras», de maneira que um indivíduo pode ser um introdutor anal, um introdutor oral, um receptor anal e um receptor anal. Também pode dedicar-se à felação recíproca e desenvolver diversas alternações dentro desses padrões. (Aqui negligenciámos outros métodos de atingir o orgasmo, tais como a masturbação e a «esfregação».) Supondo a reciprocidade da relação, temos virtualmente seis tipos de actos sexuais: coito anal unilateral, coito oral unilateral, coito anal recíproco, coito oral recíproco.
Dada a diferença entre os sexos, numa relação heterossexual o homem é invariavelmente introdutor vaginal, oral ou anal, e a mulher, receptora vaginal, oral ou anal. Pode ocorrer sexo oral recíproco, mas este não é equivalente ao que ocorre entre dois homens. Com efeito, a mulher nunca pode ser introdutora natural, dado que carece de órgão de penetração. (Não levamos em conta nem os dedos nem objectos artificiais.)
Do ponto de vista masculino, a mais-valia erótica da homossexualidade consiste em possibilitar virtualmente o desempenho de outros papéis além do de introdutor. A ausência de órgão de penetração nas mulheres priva-as da possibilidade de novos desempenhos sexuais: isso reflecte-se nas relações entre lésbicas. De certo modo, a pobreza da sexualidade feminina é percepcionada como tal pelos homens. Não é por mero acaso que os filmes pornográficos do erotismo oficial fazem uso frequente de cenas lésbicas como meio de destacar a supremacia sexual do macho: em vez de uma parceira, terá duas ou mais. O macho consuma o acto sexual, como se sem ele não pudesse haver relação sexual propriamente dita. Neste imaginário pornográfico, os machos ou são «rivais» ou «cooperam» entre si. Neste sentido, começamos a vislumbrar traços comportamentais que podem ajudar a clarificar uma possível tipologia dos machos heterossexuais. Que tipos de relações os machos heterossexuais estabelecem com os outros homens (homosociabilidade) e com as mulheres, o objecto da sua atracção sexual?
Há um aspecto que deve ser, desde já, referido: o facto de ser macho, isto é, de ser portador de órgãos sexuais masculinos marca a diferença fundamental. Com efeito, o órgãos genitais masculinos, em particular o pénis, é proeminente e visível, enquanto os femininos não têm visibilidade. A imagem que cada um tem da sua masculinidade depende do tamanho e/ou da funcionalidade desse órgão. Mas mais importante que a opinião das parceiras sexuais — as mulheres — é a dos outros homens. O macho é, por natureza, um exibicionista: a visibilidade natural do seu pénis não deve ser ocultada sob risco de perder a sua «masculinidade». Esconder o pénis, tal como o fazem os homossexuais hiperefeminados ou os travestis, é sinal de disforia de género: deficiência de masculinidade. O pénis é visível tanto para as mulheres como para os outros homens. Para afirmar a sua masculinidade, o macho precisa de um público, cuja composição sexual é mista. Mas, dada a rivalidade intrínseca entre homens, a afirmação da masculinidade tende a ser feita entre homens, quer em conversas, quer de outros modos. Tal como os machos homossexuais hipermasculinos, os machos heterossexuais tendem a identificar a sua masculinidade com o tamanho e a potência sexual do seu pénis e, real ou virtualmente, pelo número de parceiras sexuais.
Existe, pois, um tipo de machos heterossexuais hipermasculinos, no sentido de exibirem atributos masculinos hiperandrogenizados. Pénis de grandes dimensões e elevado impulso sexualmente promíscuo são alguns desses atributos. Estes hiper-machos não são uma construção social: constructos sociais são aqueles que simulam esses atributos através de artifícios de todos os géneros. Embora possam ter inúmeras aventuras sexuais, estes hiper-machos preferem, em termos de amizade, indivíduos ou grupos masculinos. Aliás, grande parte da sua vida ocorre entre homens. Este é um comportamento claramente homosocial. É neste confronto/diálogo constante com outros homens que eles reafirmam e reforçam a sua masculinidade.
Seguindo esta via de raciocínio, podemos numerar os restantes tipos de machos heterossexuais: os machos heterossexuais simplesmente masculinos ou convencionais, os machos heterossexuais seguros ou emergentes e os machos heterossexuais inseguros ou problemáticos. Cada um destes quatro tipos de machos heterossexuais podem compreender subtipos. Pensamos que os machos heterossexuais hipermasculinos, dados os seus atributos hipermasculinos e o seu elevado grau de homosociabilidade, são mais propensos a ter aventuras homossexuais do que os restantes tipos de machos heterossexuais.
Os homossexuais e os heterossexuais masculinos «orgulhosos da sua masculinidade», preferem o convívio e a amizade com outros homens: a homosociabilidade é uma característica que partilham em comum. A diferença é ditada pela orientação sexual: os amigos dos homossexuais são potenciais parceiros sexuais, enquanto os amigos dos heterossexuais não o são, pelo menos à partida. Ambos os grupos têm relutância em conviver com homens efeminados e pensam que os homens que andam sempre com mulheres são, no mínimo, «estranhos» ou «esquisitos». (O mesmo sucede com as mulheres: estamos diante de comportamentos e de temperamentos de género.) Contudo, entre homossexuais a indefinição da fronteira entre amizade e sexo constitui um problema, cuja indefinição contribui para um estilo de vida sexualmente promíscuo.
D.S. Danoff (1993, 1998) classifica a personalidade do pénis em negativas e positivas e, embora diga que o homem deve cuidar do seu pénis, escamoteia o seu tamanho flácido e erecto na sua classificação. A sua equação «personalidade + pénis = personalidade do pénis» é, no fundo, uma espécie de tipologia das masculinidades, vistas a partir dos desempenhos sexuais e psicológicos dos pénis, de resto exclusivamente heterossexuais. Porém, se o tamanho do pénis — flácido e sobretudo erecto — fosse irrelevante no sentimento de ser homem, todos os homens seriam virtualmente «iguais». Mesmo que as mulheres não dêem grande atenção ou importância a esse traço, o certo é que os homens se preocupam com ele. Actualmente, devido ao acesso fácil à informação e à Internet, todos «sonham» com um pénis de grandes dimensões. E as mulheres, a julgar pelas revistas femininas, começam a interessar-se pelo assunto.
Os actores da indústria pornográfica, tanto heterossexual como homossexual, são geralmente bem dotados e é provavelmente por isso que são seleccionados. E, ao mesmo tempo, são extremamente, exibicionistas. Por bem dotados, podemos referir os pénis erectos com valores iguais ou acima dos 15-16 cm: o ideal gay são 20 cm. Estes actores constituem uma amostra que deveria ser alvo de estudos mais detalhados. Quanto maiores são as dimensões dos seus pénis, maior é a confiança que eles parecem ter em si mesmos e na sua virilidade. Manifestam auto-estima elevada, por vezes associada a narcisismo. Talvez a maior parte deles se inclua na categoria dos machos heterossexuais hipermasculinos.
Nos sanitários públicos, estações de serviço, praias, matas, balneários e saunas, os homens exibem os seus pénis. Não é por mero acaso que esses são os lugares públicos preferidos e mais frequentados por homossexuais sexualmente promíscuos. Mas existem machos que evitam, por diversas razões, esses lugares e, quando os usam, ou são muito cuidadosos e reservados ou recorrem à privacidade das retretes. Um desses grupos é o dos homossexuais hiperefeminados: eles gostam de observar e, se possível, sugar os pénis exibidos, mas evitam mostrar o seu próprio pénis, mesmo que este seja virtualmente de tamanho normal. A identidade de género revela aqui fragilidades graves. Contudo, deve-se dizer que o tamanho do pénis não determina, por si mesmo, a preferências pelos papéis sexuais, com excepção desses casos extremos. Com efeito, existem homossexuais exclusivamennte ou preferencialmente passivos dotados de pénis normais (médios) ou mesmo de grandes dimensões. Isso ajuda, nestes casos, a reforçar a identidade de género. Pela própria natureza da relação sexual, os homossexuais masculinos são forçados a comparar e a avaliar os seus pénis. E, numa relação ocasional ou não, a diferença de tamanho pode ditar «quem faz o quê a quem».
Precisamos conhecer melhor a mecânica do desenvolvimento do pénis e seus componentes, para apurar qual a sua relação com outras variáveis. Já sabemos que o sistema FGF (fibroblast growth factor genes) é um elemento chave da orquestração do desenvolvimento do tubérculo genital: Fgf8, juntamente com outros marcadores, tais como Msx1, Fgf10, Hoxd13 e Bmp4, desempenham um papel fundamental no desenvolvimento da glande masculina e feminina nos ratos (R. Haraguchi et al., 2000). Outro gene envolvido na função eréctil é o VEGF (vascular endothelial growth factor) (Burchardt, Martin et al., 1998). A sua relação com o sistema androgénico ainda não foi esclarecida, embora o papel da testosterona pré-natal esteja bem confirmado, bem como o dos HOX genes.
Os estudos de género nem sempre nos ajudam a clarificar a questão das masculinidades. Assim, por exemplo, Michael Hardin (2000) considera o machismo latino-americano como uma construção herdada da Conquista espanhola que visa tornar a masculinidade mais visível. O oposto do machismo seria a figura do gentlement, de resto mais romântico. Existe ainda o caso dos «berdaches» ou «two-spirits», uma manifestação de homossexualidade. A misogenia está associada ao machismo. Hardin (2002) constata uma alteração das masculinidades, a partir daquilo a que chama «the ritualistic "fucking" of the two-spirit» — uma manifestação da homo-masculinidade. O retorno do sistema binário activo-passivo rejeita, segundo este autor, a noção de hetero-masculinidade.
Debbie Epstein et al. (2001) analisaram o modo como as escolas disponibilizam espaços e jogos de modo a contribuir para a construção das masculinidades e das feminilidades. Os rapazes precisam e têm efectivamente mais espaços para se entregarem às suas brincadeiras, o que é interpretado como uma manifestação de poder, que garante a reprodução das identidades culturais hegemónicas e das relações assimétricas de poder.
De facto, a recuperação do sistema binário activo/passivo no seio da masculinidade é uma forma de rejeitar o «machismo» enquanto ideologia que exclui a homo-masculinidade.
Regressemos à nossa tipologia das masculinidades heterossexuais. Temos quatro tipos de machos heterossexuais.
1. Machos Heterossexuais Hiper-masculinos: São os machos que exibem alguns atributos masculinos. Dentro deste grupo convém distinguir entre os MHHM reais e os MHHM simulados, dado que os últimos recorrem a expedientes artificiais para acentuar a sua masculinidade aparente.
2. Machos Heterossexuais Simplesmente Masculinos ou Convencionais: Este é um grupo médio, susceptível a diversas alterações do comportamento. Este é um dos grupos mais homofóbico: a presença de homens homossexuais incomoda-os. Contudo, a homofobia está associada a resposta sexual genital aquando da passagem de estímulos sexuais masculinos.
3. Machos Heterossexuais Seguros ou Emergentes: São os machos seguros da sua masculinidade, bem como da sua identidade heterossexual: esta segurança revela-se sobretudo na sua capacidade de resistir à homofobia.
4. Machos Heterossexuais Inseguros ou Problemáticos: Estes machos manifestam algumas falhas na sua masculinidade que podem ser justificadas de diversas maneiras: ou são extremamente homofóbicos ou manifestam algum grau de misogenia. Muitos são durante muito tempo «assexuais», no sentido de não terem relações sexuais. São propensos a diversas dependências, tais como netadição ou filmes pornográficos, recorrendo regular ou compulsivamente à masturbação, para descarregarem os seus impulsos sexuais.
Há uma diferença significativa entre o desenvolvimento heterossexual e o desenvolvimento homossexual, de resto referida por Hoffman (1970): «A heterossexualidade é estimulada e o comportamento homossexual é desaprovado [pela sociedade heterosexista]» (p.115). Isto quer dizer que existem padrões sociais e culturais de comportamento masculino (heterossexual) que um indivíduo deve interiorizar para pensar, agir e sentir em conformidade com as convenções sociais. Daqui decorre que a heterossexualidade está mais sujeita às construções sociais do que a homossexualidade, definida desde logo em termos negativos. O indivíduo heterossexual limita-se a agir em conformidade com o que se espera socialmente dele, enquanto o indivíduo homossexual, se não se identificar com a definição oficial, deve recriar-se completamente, começando por se libertar da homofobia interiorizada.
De certo modo, os machos heterossexuais convencionais ingressam virtualmente no maior grupo de machos heterossexuais: agem em conformidade com os padrões hegemónicos da hetero-masculinidade impostos pela sociedade heterosexista. Os outros grupos desviam-se num sentido ou noutro desse padrão convencional hegemónico: uns por serem naturalmente ou por «vontade» hiper-masculinos; outros por não se sentirem subjectivamente e/ou realmente em conformidade com o padrão hegemónico. Os heterossexuais seguros por acharem que a sua masculinidade não beneficia nada com a incorporação de adornos sociais; os heterossexuais problemáticos por temerem que algum traço da sua masculinidade não se encaixe no padrão hegemónico.
Em suma: se os machos heterossexuais, dada a sua orientação sexual, só podem ser activos/introdutores (comportamento masculino sexualmente típico), os machos homossexuais podem ser ou exclusivamente activos/introdutores (comportamento masculino sexualmente típico) ou exclusivamente passivos/receptores (comportamento masculino sexualmente atípico) ou ainda simultaneamente activos/passivos (introdutores/receptores), aquilo a que chamam «versáteis». Daqui resulta claramente que o gene responsável pela orientação sexual não abole o comportamento masculino sexualmente típico, pelo menos na esmagadora maioria dos homens gays: sem o abolir, ele abre novas possibilidades de desempenho sexual, reintroduzindo no programa masculino uma «feminilidade secreta» que pode ser conjugada com compensação de dose. É aquilo a que temos chamado mais-valia homoerótica. Este gene orienta a atracção sexual do macho para estímulos do mesmo sexo. Contudo, pensamos que os homens homossexuais hiperefeminados, não orgulhosos do seu pénis, são também o resultado da interferência de outros factores biológicos ou biologicamente activos em associação com factores psicossociais e culturais.
A bissexualidade masculina é sempre problemática em termos biológicos, sobretudo quando sabemos que muitíssimos machos bissexuais, além de responderem sexualmente a estímulos do mesmo sexo, manifestam o desejo de serem penetrados analmente pelos seus parceiros sexuais ou outras preferências receptoras, como sugar o pénis dos parceiros. Estes indicadores comportamentais dizem precisamente que eles partilham com os machos homossexuais assumidos ou exclusivos a tal «feminilidade secreta». O seu comportamento heterossexual é o resultado de uma tentativa desesperada de simularem socialmente um status heterossexual, sem no entanto escaparem ao poder dos genes. Tal comportamento é, como já vimos, pseudo-heterossexual. O comportamento masculino sexualmente típico não foi, até mesmo nestes casos de bissexuais casados heterossexualmente, abolido, como sucede nos animais de laboratório: ele pode funcionar sob pressão social contra a própria orientação sexual (homossexual), como sinal de uma auto-ilusão cortico-mental. Nalguns casos, numa relação homossexual, esses bissexuais não conseguem manifestar o comportamento masculino sexualmente típico, tal é a força da sua «feminilidade secreta».
Como é evidente, a hipótese da aprendizagem social é excluída. Com efeito, numa sociedade heterosexista quem, na plena posse das suas capacidades de decisão, quer ser homossexual? Se o que se aprende também se desaprende, verifica-se, pelo fracasso das terapias de mudança de orientação sexual, que esta última não é de todo adquirida. Opção? Isso é a ilusão mais tola que se possa imaginar. Sem substratos biológicos, as teorias psicossociais não podem explicar realmente o que descrevem.
HETEROSEXISMO. A ideologia heterosexista hegemónica assenta em dois pressupostos fundamentais: a) o predomínio dos homens sobre as mulheres, e b) o predomínio dos homens heterossexuais sobre os homens homossexuais, de resto considerados como «equivalentes femininos». Este duplo-predomínio é considerado «natural»: ele é visto como a superioridade ou a supremacia dos machos sobre as fêmeas e mesmo sobre os machos homossexuais. Heterosexismo puro!
O primeiro predomínio é sexual: predomínio dos homens sobre as mulheres. Este predomínio masculino foi alvo das críticas das feministas — dos discursos feministas. O segundo predomínio diz respeito à orientação sexual: a heterossexualidade é «normal», enquanto a homossexualidade é «anormal» Este discurso heterosexista é alvo dos ataques dos discursos homossexuais, bem como dos discursos feministas da segunda fase. Uma tentativa de aglutinar os descontentes e excluídos da ideologia heterossexual dominante é, no campo teórico e político, a Queer Theory. Contudo, esta teoria cai no erro de absorver o sexo no género, dado ser uma teoria claramente anti-biológica. A sua guerra contra o «natural» e o «sólido» termina num delírio social construtivista radical, onde tudo é fluído.
A naturalidade da reprodução sexual e dos fenómenos associados não pode ser problematizada, de modo a ser negada: a ideologia heterosexista peca não por recorrer a esse facto biológico mas por apresentar conceitos hegemónicos que violam os próprios dados biológicos. É uma ideologia identitária e hegemónica, de cariz marcadamente totalitário. Exclui tudo aquilo que não se conforma consigo mesma ou com as suas categorias hegemónicas, teimando em interpelar todos os sujeitos como heterossexuais. A homofobia inerente é claramente terrorismo psicológico e social. A naturalidade da heterossexualidade não pode ser questionada como fenómeno biológico: questionável é o seu conceito hegemónico que exclui a homossexualidade, destituindo-a da sua base biológica.
Com efeito, os homens gays não são «mulheres» e muito menos «fêmeas»: tal como os heterossexuais masculinos, são machos virtualmente funcionais. Este é um dado científico que não pode ser negado ou iludido. À partida, temos imediatamente uma clivagem intrasexual: uma hetero-masculinidade e uma homo-masculinidade, rejeitada pela noção hegemónica de masculinidade que prefere associar a homossexualidade masculina a uma «perturbação de género». Contudo, este conceito hegemónico de masculinidade não resistiu aos ataques da moderna ideologia gay. Aliás, a existência de machos homossexuais, orgulhosos da sua masculinidade, desmente a masculinidade hegemónica. Já não é possível falar de masculinidade no singular: existem diversas masculinidades no seio de cada uma das orientações sexuais. Até aqui o conceito de masculinidade é essencialmente biológico: a biologia fornece as estruturas que podem ser moldadas pela sociedade e pela cultura, no espaço e no tempo. Ao contrário do que se afirma habitualmente, a masculinidade moldada pela cultura não é o género ou a identidade de género mas sim a caricatura do genéro. E, quando se fala de disforia de género, supõe-se naturalmente a existência de dois géneros — o masculino e o feminino —, e de uma perturbação de género: um indivíduo de um género sente ser do outro género. Ambas as suposições são factos biológicos inequívocos.
Senão vejamos: Nas experiências de laboratório, com ratos, o comportamento masculino sexualmente típico é cobrir a fêmea e o feminino, é ser coberta pelo macho. Quando um dos animais manifesta o comportamento sexual do outro sexo fala-se de comportamento sexualmente atípico. E estes animais são rotulados homossexuais. Ora, no universo humano, existem machos homossexuais que são ou sexualmente típicos ou sexualmente atípicos ou ainda simultaneamente sexualmente típicos e atípicos (versáteis). Os segundos machos apresentam sistematicamente comportamentos sexuais atípicos e, muitos deles, não estão satisfeitos com a sua identidade de género. Além de apresentarem um déficit de masculinidade neste marcador, podem também exibir muitos outros atributos associados à feminilidade. São claramente homossexuais hiperefeminados.
A questão reside em saber qual a relação existente entre o centro cerebral responsável pelo comportamento sexual, situado no hipotálamo, e a identidade de género. Ora, sabemos que o núcleo do leito da stria terminalis (BTSc), porção central, é maior nos homens do que nas mulheres, não havendo diferenças entre homens heterossexuais, bissexuais e homossexuais. No entanto, os travestis e os transexuais masculinos obedecem ao padrão feminino. Trata-se, pois, de um núcleo sexualmente dimórfico, relacionado com a identidade de género. Será que os homossexuais hiperefeminados, mesmo que digam não querer mudar de sexo, são potencialmente transexuais? Uma questão meramente retórica, segundo pensamos.
Por outro lado, se a área preóptica medial do hipotálamo, nomeadamente um dos seus núcleos, é sexualmente dimórfica, sendo maior nos homens do que nas mulheres e menos nos machos homossexuais do que nos machos heterossexuais, estamos diante de um núcleo associado à orientação sexual. Neste aspecto, os homens homossexuais obedecem a um padrão feminino, sem no entanto mostrarem problemas relativos à identidade de género. Estes machos homossexuais são verdadeiramente os únicos que se encaixam no conceito de orientação homossexual: machos funcionais e do género masculino que sentem atracção sexual por indivíduos do mesmo sexo. Assim, qualquer indivíduo supostamente homossexual que apresente disforia de género situa-se no limite inferior da escala homossexual: a sua condição exige tratamento médico e acompanhamento psiquiátrico.
Para todos os efeitos, há uma identidade nuclear de género biologicamente determinada que se mostra refractária às moldagens socioculturais e às terapias de conversão sexual.
Perante esta evidência empírica, podemos especular sobre a acção do gene candidato responsável pela orientação sexual. Virtualmente ele pode agir de três modos:
1. Poderá agir sobre o comportamento sexual tipicamente masculino: nesse caso, todos os indivíduos homossexuais seriam passivos/receptores, sexualmente atípicos, o que não é confirmado pelos dados disponíveis;
3. Poderá agir sobre algum mecanismo desencadeador de respostas sexuais: sabemos que os machos homossexuais excitam-se sexualmente com outros homens e não com mulheres. Se tal mecanismo existe, onde se localiza no cérebro?
Este mecanismo configurador de estímulos sexualmente excitantes e atractivos pode estar localizado na área preóptica medial do hipotálamo, que, como se sabe, desempenha um papel fundamental no comportamento masculino sexualmente típico: incita ao acto de cobrir e ao impulso pélvico (padrão de comportamento motor). A sua destruição não provoca a perda absoluta do impulso sexual. Além disso, esta área parece gerar um estado interior durante o qual os sinais apropriados emitidos por parte do potencial parceiro sexual podem prontamente incitar o macho a cobri-lo(a). Contudo, este comportamento não leva à ejaculação, a qual depende do núcleo dorsomedial.
Oomura et al. (1988) descobriram que, no macaco, a actividade de muitos neurónios situados na área preóptica medial está intimamente ligada ao estado de estimulação sexual do animal. Esta actividade é especificamente sexual. A associação destes neurónios individuais pode constituir o substracto biológico daquilo a que chamámos o mecanismo configurador dos estímulos sexualmente excitantes.
Esta região está ligada a várias regiões: A informação é enviada para
1. O núcleo dorsomedial (hipotálamo), responsável pela ejaculação;
2. Os centros inferiores no tronco cerebral, onde são mediados os reflexos sexuais como a erecção peniana;
3. E, directa ou indirectamente, através da amígdala, para o córtex cerebral, especialmente para as regiões motoras que controlam os músculos voluntários implicados no acto de cobrir e na produção de impulsos pélvicos.
Estes neurónios preópticos recebem inputs de diversas outras regiões, em particular:
1. Do sistema olfactivo, cujos inputs podem elevar ou diminuir os níveis de actividade dos neurónios hipotalâmicos;
2. E do córtex cerebral, cujos inputs funcionam como mediadores entre outras influências sensoriais e a excitação sexual.
Um aspecto deveras interessante reside no facto de alguns neurónios situados no córtex visual e na amígdala do macaco emitem descargas quando o macaco está a observar a fisionomia de outros macacos e alguns deles só respondem perante a fisionomia de um macaco em particular.
A partir destes dados, podemos conjecturar que a actividade destes neurónios, transmitida à área preóptica, pode mediar a excitação sexual que determinadas fisionomias induzem em qualquer indivíduo específico, e que apenas o neurónios que processam as fisionomias de indivíduos atraentes para o animal (preferências pessoas: louros ou morenos) ou que processam as fisionomias de uma classe de indivíduos atraentes (homens ou mulheres), possuem conexões excitatórias que se estendem até à área preóptica medial. Nos humanos, o INAH3 corresponde notavelmente ao SDN da ratazana. Aliás, enquanto nos ratos predomina o sistema olfactivo, nos primatas, incluindo o homem, predomina o sistema visual. Tamas L. Horvath (1998) demonstrou que a integração de determinados sinais visuais ocorre no eixo hipotálamo-pituitária.
Se a natureza programou os seres sexuais a reagir a estímulos do sexo oposto, então cada um dos sexos é dotado de um programa configurador de estímulos sexuais. Sendo assim, a compreensão da homossexualidade não pode ser atingida sem a compreensão da heterossexualidade: a orientação sexual não foi entregue ao acaso. Devemos assim supor a existência de um gene responsável pela orientação sexual, que, no caso dos indivíduos do sexo masculino, age sem bloquear a via de desenvolvimento masculino: ele pode produzir machos heterossexuais ou homossexuais, activando uma orientação em detrimento da outra. Supondo que o indivíduo possa ser dotado de dois mecanismos configuradores, o gene poderia agir de modo a activar um em detrimento do outro. Contudo, esta hipótese parte de um pressuposto falso: a potencial bissexualidade primordial. Por causa disso, é mais plausível supor que ele age de modo a feminilizar o mecanismo configurador, possibilitando a sua diferenciação, sem no entanto bloquear o desenvolvimento masculino.
Esta hipótese, apesar de reconhecer o papel primordial da orientação sexual na perpetuação da espécie, coloca a própria heterossexualidade em questão: a sua «naturalidade» não significa que ela possa escapar à investigação. A naturalidade inquestionável é uma noção estranha à ciência: o natural deve ser explicado; caso contrário, não é reconhecido como facto científico.
1 comentário:
Esta tipologia dos homens heterossexuais não foi publicada em texto completo. A argumentação mais dura em termos biológicos e médicos foi omitida. Contudo, quero deixar aqui um esclarecimento: existem homens heterossexuais que fazem sexo com outros homens. Este comportamento pode ser facilmente controlado online e carece ainda de explicação. Logo que tenha dados seguros, edito novo texto. O meio virtual possibilita a abertura do self e a realização das suas fantasias mais secretas. Exploro esta noção no meu blogue CyberPhilosophy.
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