terça-feira, 26 de abril de 2011

Cultura e Literatura Portuguesas

«Durante 200 anos de fecunda elaboração reforma a Europa culta as ciências antigas; cria seis ou sete ciências novas - a anatomia, a filosofia, a química, a mecânica celeste, o cálculo diferencial, a crítica histórica, a geografia; aparecem os Newton, os Descartes, os Bacon, os Leibniz, os Harvey, os Buffon, os Ducange, os Lavoisier, os Vico. Onde está, entre os nomes destes e de outros verdadeiros heróis da epopeia do pensamento, um nome espanhol ou português? Que nome espanhol ou português se liga à descoberta de uma grande lei científica, de um sistema, de um facto capital? A Europa culta engrandeceu-se, subiu sobretudo pela ciência: foi sobretudo pela falta de ciência que nós descemos, que nos degradámos, que nos anulámos. A alma moderna morreu dentro de nós completamente». (Antero de Quental)

«Infelizmente os Portugueses, com notória negligência, deram no passado o exemplo de desleixar a sua literatura e, ainda hoje, mal compreendem, ao que parece, as suas grandes riquezas e ainda maiores possibilidades no domínio da prosa. O excessivo número de escritores, a excessiva produção de cada um, e o desleixo, que tem feito perder inumeráveis livros e manuscritos de excepcional interesse - tudo isto pode atribuir-se à mesma origem: falta de crítica. Uma nação, como esta, de poetas, essencialmente lírica, sem nenhum génio dramático, mas capaz de escrever encantadora e naturalmente sem esforço visível, precisava e precisa de severa educação clássica e de crítica rigorosa, para lhe lembrar que a epopeia não é história rimada, nem o verso branco prosa às tiras; que na poesia bucólica a extensão prejudica a intensidade; que lhe convém deixar o abstracto pelo particular e concreto; e que deve cristalizar o vago fluxo do seu talento. Mas em Portugal, fora do círculo dos próprios escritores, mal tem existido até hoje um público leitor, e no ambiente fechado que daqui resulta perdeu-se inevitavelmente o senso da proporção, assim mesmo como caem no vácuo com igual velocidade uma pena e uma pedra. A crítica tem sido em regra pessoal, mais pronta para contestar a originalidade ou exactidão de um escritor, do que para considerar os méritos literários da sua obra». (Aubrey F.G. Bell)

«Se se tivesse de escolher entre a perda das obras de Homero, ou Dante, ou Shakespeare, e a de toda a literatura portuguesa, seria preferível passarmos sem esta; mas isto não quer dizer que a perda não fosse muito grave». (Aubrey F.G. Bell)

Antero de Quental constatou que a alma moderna era completamente estranha aos portugueses, e Aubrey Bell sacrifica toda a literatura portuguesa para salvar as obras de Homero, Dante e Shakespeare. A minha visão de Portugal está próxima destas duas perspectivas - uma nacional e outra estrangeira. Porém, é mais radical quando atribui o atraso histórico de Portugal ao arcaísmo mental dos seus habitantes: o primitivismo mental dos portugueses é um facto incontornável que não pode ser negligenciado quando se analisa a cultura portuguesa. O povo português nunca esteve à altura das suas mentes mais brilhantes: os portugueses são em geral idiotas culturais que, em vez de aprender com aquelas mentes brilhantes que pensaram para os libertar do atraso mental e histórico, preferem aniquilá-las. A história do povo português confirma a conexão estreita entre o atraso mental e o homicídio: os idiotas culturais são homicidas culturais. Paradoxalmente, depois do 25 de Abril, os assassinos culturais tomaram de assalto as instituições culturais e implantaram nelas a sua tirania da mediocridade. A história da cultura portuguesa no período que se segue ao 25 de Abril é a história da liquidação da cultura e da perseguição sistemática do mérito: as universidades portuguesas são hoje espaços de pesadelo, onde os medíocres se instalam de modo a assassinar as mentes brilhantes. O povo que nunca lutou pela liberdade e pela democracia usa-as para liquidar o mérito, vedando o acesso à universidade e esquecendo a obra das mentes brilhantes do passado: a mediocridade instalada em todas as esferas do poder social não produziu uma única obra de qualidade depois do 25 de Abril. Portugal regrediu em termos mentais e cognitivos nestes últimos trinta e sete anos. O desleixo dos portugueses mencionado por Aubrey Bell tem outro nome: a inveja patológica dos portugueses que não suportam o mérito. A cultura portuguesa, em especial a literatura portuguesa, foi resgatada por estrangeiros: o resgate estrangeiro salvou a cultura portuguesa do esquecimento e da perda, e o seu resgate nacional é obra de estudiosos que viveram as suas vidas académicas antes do 25 de Abril. A III República é um crime que parodia a I República - cujo desfecho nos mergulhou no fascismo - e a prova disso está na actual crise nacional, com os portugueses a precisarem de ajuda externa - o resgate financeiro. Sempre que precisa de ajuda externa Portugal reconhece o primitivismo mental dos seus habitantes. Entregues a si próprios e vivendo em democracia, os portugueses não conseguem governar-se e gerir o seu próprio património cultural: só o resgate externo os livra do desleixo e os prepara para o resgate interno, pelo menos durante algum período de tempo, após o qual tudo regressa ao mesmo desleixo de sempre. Antes do 25 de Abril, foram editados diversos manuais escolares de literatura portuguesa de elevada qualidade, tendo em conta que se destinavam a alunos dos cursos liceais. Porém, com a irrupção do 25 de Abril, o ensino foi abolindo o rigor dos programas de estudo e os manuais perderam qualidade: a exigência cedeu o seu lugar ao facilitismo e a universidade foi reduzida a uma mera recapitulação ou reforço da mediocridade ensinada no ensino secundário. As universidades começaram a diplomar os «burros» e a reproduzi-los em série: Portugal mergulhou na mentira diplomada. Os burros diplomados que julgam ter nascido já ensinados são geralmente criaturas arrogantes que gostam de ensinar aos outros aquilo que aprenderam com eles, usando as mesmas palavras, e que, quando questionados sobre os romances que aconselham aos outros, respondem de uma forma estereotipada e imbecil: "Não permito que teste os meus conhecimentos e, por isso, não lhe digo do que tratam as obras que lhe recomendei". Mas como é que os burros diplomados poderiam falar daquilo que desconhecem? A resposta imbecil confirma a sua profunda ignorância que escondem e encobrem referindo obras e autores que nunca leram e estudaram. Vou exemplificar esta tese - sobre a necessidade do chicote para governar e educar Portugal - referindo e comentando algumas obras de história da cultura e da literatura portuguesas sem pretender ser exaustivo.

1. Bell, Aubrey F. G. (1931). A Literatura Portuguesa: História e Crítica. Coimbra: Imprensa da Universidade. Aqui está um exemplo interessante do resgate estrangeiro da literatura portuguesa. Aubrey Bell alimentou a ilusão de que o seu estudo da literatura iria ajudar a remediar os defeitos literários nacionais, com o fomento da crítica e o progressivo aumento de leitores. Mas a verdade é que a sua obra foi esquecida. Para os portugueses, a crítica significa eliminar os adversários cheios de mérito, e a leitura é algo que detestam profundamente: a cultura popular portuguesa é uma cultura de rebanho que se exibe na praia e nos grandes centros comerciais. O ensino em Portugal - sobretudo depois do 25 de Abril - é um descalabro total: as estatísticas dos diplomados valem tanto como as contas públicas - não valem nada. A bancarrota de Portugal é total.
2. Michaëlis de Vasconcelos, Carolina (1996). A Saudade Portuguesa. Lisboa: Guimarães Editores. Veio de Berlim para o Porto para resgatar a língua e a literatura portuguesas: a sua História da Literatura Portuguesa é uma obra seminal que foi esquecida neste nosso tempo indigente. A sua escola preparou as mentes nacionais para a tarefa de resgatar a literatura portuguesa. (Infelizmente, a sua casa situada na Rua de Cedofeita encontra-se abandonada.)
3. Cidade, Hernâni (1948-1951). Lições de Cultura e Literatura Portuguesas, 2 volumes. Coimbra: Coimbra Editora. Uma das obras pioneiras do resgate nacional da cultura e da literatura portuguesas que merece ser frequentada. Hernâni Cidade soube captar os grandes momentos criativos da literatura e da cultura portuguesas e, ao contrário de outros críticos literários posteriores (António Sérgio e Jorge de Sena, por exemplo), não nutriu aquela animosidade feroz em relação ao romantismo português que empobreceu a alma lusitana. Fidelino de Figueiredo escreveu duas histórias da literatura interessantes: a História da Literatura Romântica (1913) e a História da Literatura Realista (1913).
4. Cidade, Hernâni (1973). Portugal Histórico-Cultural. Lisboa: Círculo de Leitores. Obra de leitura fascinante que resultou da reformulação de cinco lições sobre Literatura Portuguesa proferidas na Academia de Letras da Baía: a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto não foi esquecida, mas a análise da obra fica aquém das expectativas. Infelizmente, a obra de Mendes Pinto ainda não foi objecto de uma análise estética e filosófica de qualidade. (Jaime Cortesão dedicou-lhe um estudo interessante.) Salvo raras excepções, a anemia da literatura portuguesa deve-se à ausência de pensamento filosófico estruturado. Sem filosofia não há literatura de elevada qualidade.
5. Lapa, M. Rodrigues (1966). Lições de Literatura Portuguesa: Época Medieval. Coimbra: Coimbra Editora. Uma visão fabulosa da cultura trovadoresca e do ciclo arturiano: as suas bibliografias referem os autores estrangeiros - István Frank, Silvio Pellegrini, Bellermann, F. Wolf, López-Aydillo, Friedrich Diez, Adolfo Mussafia, Friedrich Hanssen, O. Nobiling, Henry Thomas, etc. - que resgataram a cultura portuguesa. A distância que afasta a literatura portuguesa da literatura estrangeira é a mesma distância que separa o Fausto de Goethe do Fausto de Fernando Pessoa: uma distância filosófica infinita. No entanto, houve um tempo em que a literatura portuguesa esteve avançada: Rodrigues Lapa analisa esse período de avanço em que a língua portuguesa era utilizada pelos poetas da nossa vizinha Espanha.
6. Pascoaes, Teixeira de (1987). Os Poetas Lusíadas. Lisboa: Assírio & Alvim. Uma das melhores análises estéticas da poesia portuguesa, que, além disso, fornece um programa estético original: o saudosismo. Os historiadores e os críticos literários portugueses desprezam os programas estéticos dos poetas portugueses, privando-se assim de um dos elementos fundamentais para realizar a crítica das obras. Almeida Garrett é outro autor portuense que alinhavou toda uma ideologia estética do romantismo. Atribuo as deficiências da crítica e da recepção das obras à ignorância filosófica dos críticos portugueses: a lacuna filosófica dos críticos nacionais só pode ser colmatada por um resgate estrangeiro. A Conferência do Casino de Eça de Queiroz sobre «A Literatura Nova: o Realismo como Nova Expressão de Arte» apresenta um programa estético realista contra o romantismo, nomeadamente o de Camilo Castelo Branco: à arte da apoteose do sentimento, opõe Eça de Queiroz a arte do realismo que faz a anatomia do carácter, a crítica do homem, que nos habilita a melhor nos conhecermos, para melhor nos corrigirmos. Porém, o ministro do Reino, o Marquês de Ávila e Bolama, preocupado com o facto dos conferencistas - Antero de Quental, Augusto Soromenho, Eça de Queiroz e Adolfo Coelho - não proferirem palavras de conformidade com o património das crenças estabelecidas, proibiu as conferências que deveriam seguir-se à de Adolfo Coelho sobre o ensino - as de Salomão Sáragga (judeu), Oliveira Martins, Augusto Fuschini e Teófilo Braga. O poder português não suporta a «crítica (socialista) e (a) reforma das instituições» (Antero de Quental). Um dos problemas de Portugal reside no facto das suas classes dirigentes pensarem que o exercício do poder lhes garante um status intelectual: os políticos portugueses gostam de simular a detenção de cultura intelectual, quando na verdade nem sequer sabem governar o país.
7. Bruno, Sampaio (1984). A Geração Nova. Porto: Lello & Irmão Editores. Uma obra ousada escrita por aquele que é considerado o pai do pensamento português. Apesar da brutalidade de algumas das suas críticas, Joel Serrão dedicou-lhe uma obra interessante.
8. Saraiva, António José (1991-1994). A Cultura em Portugal, 2 volumes. Lisboa: Gradiva. Esta obra de António José Saraiva revela a fragilidade do seu pensamento crítico: não ter compreendido o marxismo que abraçou durante muito tempo: «Como é possível estabelecer o nexo necessário entre a economia portuguesa do século XVI e, por exemplo, Camões? E que explicação socioeconómica há para o facto de Fernando Pessoa se ter manifestado no primeiro terço do século XX em Portugal?» Ao formular estas duas questões, António José Saraiva mostra que não captou o espírito dialéctico e histórico que move a análise marxista das obras culturais: a estética marxista é-lhe completamente estranha, bem como a crítica da ideologia. António José Saraiva culpabiliza a filosofia de Marx pelas suas próprias deficiências pessoais de compreensão. Além disso, não consegue apresentar uma definição de cultura, nas suas relações dialécticas com as ideologias dominantes - incluindo as ideologias estéticas - em cada período histórico: a sua enorme erudição foi sempre superficial e enganadora, porque, se tivesse compreendido os livros que parece ter lido e as teorias que parece seguir, teria captado todo o processo de formação cultural em evolução. António José Saraiva esboça a história da cultura portuguesa sem ter clarificado o que entende por cultura ou ter alinhavado uma teoria da cultura: o resultado é uma obra aparentemente erudita mas carente de teoria.
9. Saraiva, António José & Lopes, Óscar (1978). História da Literatura Portuguesa. Porto: Porto Editora. Pelas razões aduzidas no parágrafo anterior, não aprecio esta obra. No entanto, deve ser consultada por todos aqueles que se iniciam na literatura portuguesa.
10. Serrão, Joel (1978-1983). Temas da Cultura Portuguesa, 2 volumes. Lisboa: Livros Horizonte. Aprecio muito a obra de Joel Serrão: um grande contributo para a história da cultura portuguesa.

Se compararmos uma destas histórias da literatura portuguesa com uma história da literatura alemã, a de Bösch por exemplo, somos confrontados não só com a pobreza estética e analítica das nossas histórias, mas também com o facto da literatura brasileira não fazer parte da literatura portuguesa: as relações culturais entre Portugal e Brasil não são nada fáceis, até porque o português falado e escrito no Brasil está a degradar a língua portuguesa, roubando-lhe toda a sua riqueza e todas as suas potencialidades de pensamento original. (Já li as obras de Jorge Amado em português do Brasil e em português de Portugal e prefiro lê-lo em português europeu. E não é mais sedutor para o espírito culto ler a poesia de Vinicius de Moraes ou mesmo os contos de Guimarães Rosa em português europeu? E quem é que suporta as traduções brasileiras das obras de Hegel ou de Heidegger?) Uma história da literatura em língua portuguesa deveria ser organizada como reflexo da formação do espírito e da existência humanas, abarcando todas as obras escritas em língua portuguesa e situando-as nas correntes gerais da sua época. A novo acordo ortográfico deve ser queimado: Portugal não pode ser privado do rigor da língua portuguesa e o Brasil já devia ter compreendido que usa um português corrompido que não facilita a sua abertura ao mundo culto e civilizado. Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Goa, Macau e Timor devem denunciar este acordo ortográfico e articular a sua literatura com toda a literatura em língua portuguesa. Fazer uma tal história alargada da literatura portuguesa - sem barreiras nacionalistas e étnicas - é reforçar os laços linguísticos e culturais entre todos os países que falam a língua portuguesa: a literatura nacional de cada um destes países fica mais rica quando integrada numa história mais vasta que incluí a própria génese da língua portuguesa. Ao elaborar a doutrina do humanismo universalista de Portugal, o seu grande contributo para a história da civilização, Jaime Cortesão estabeleceu as pontes para o diálogo produtivo entre os povos que falam a língua portuguesa, com especial destaque do povo brasileiro (Cf. Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro), mas as suas obras foram esquecidas, tanto pelos portugueses como pelos brasileiros: o futuro da comunidade lusófona joga-se na dilatação da língua portuguesa e dos seus tesouros cognitivos. (Os romances de Ferreira de Castro - A Selva, por exemplo - aproximam Portugal do Brasil.) Garantida a unidade da língua portuguesa, podemos resgatar toda a cultura e toda a literatura em língua portuguesa, de modo a projectá-la no mundo. (O ideal seria converter o antigo Império Português numa nova Federação Mundial Portuguesa, capaz de rivalizar com outros potentados económicos que dominam este novo mundo cada vez mais global: o sinal dos tempos é a reunificação daquilo que foi outrora separado. Todos juntos e unidos - a nossa pátria é a língua portuguesa (Fernando Pessoa) - podemos triunfar no mundo global e ter capacidade de decisão sem estarmos dependentes da Europa - a Europa Central e do Norte chefiada pela Alemanha - e dos USA. Podemos ser uma Alternativa Global.)

Anexo: A Imprensa Nacional - Casa da Moeda está a prestar um mau serviço à difusão da cultura portuguesa: além de publicar muitas obras medíocres que não serão lidas por ninguém, publica os grandes clássicos a preços muito elevados que não estão ao alcance da bolsa dos portugueses. Uma boa política da cultura exige uma outra política editorial. É preciso eliminar os incompetentes que dirigem estas instituições públicas em benefício das redes de amigos. Editar teses de doutoramento de péssima qualidade é má política editorial, a menos que esses livros sejam usados como provas públicas da incompetência que reina nas universidades portuguesas.

J Francisco Saraiva de Sousa

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Pascal e a Visão Trágica do Mundo

«Quando medito na pequena duração da minha vida, absorvida na eternidade que precede e na que segue, o pequeno espaço que preencho e mesmo que vejo, abismado na infinita imensidão dos espaços que ignoro e que me ignoram, assusto-me e admiro-me de me ver aqui, e não ali, pois não há razão nenhuma para estar aqui, e não ali. Porquê no presente, e não noutro tempo? Quem me pôs aqui? Por ordem e acção de quem este lugar e este tempo me foram destinados, a mim? Memoria hospitis unius diei praetereuntis. /O silêncio eterno destes espaços infinitos apavora-me». (Blaise Pascal)

«La tragédie est un jeu, un jeu de l'homme et de sa destinée, un jeu dont Dieu est le spectateur. Mais il n'est que spectateur, et jamais ni ses paroles ni ses gestes ne se mêlent aux paroles et aux gestes des acteurs. Seuls ses yeux reposent sur eux. /Peut-il encore vivre, l'homme sur lequel est tombé le regard de Dieu?». (Georg Lukács)

«O homem é visivelmente feito para pensar. É essa toda a sua dignidade e todo o seu mérito. E todo o seu dever é pensar com acerto. Ora a ordem do pensamento é começar por si mesmo, e pelo seu autor e o seu fim. /Ora em que pensa o mundo? Nunca em tais coisas; mas em dançar, em tocar alaúde, em cantar, em fazer versos, em correr à argola, etc.; em bater-se, em fazer-se rei, sem pensar no que é ser rei e ser homem.» (Blaise Pascal)

A tragédia está na ordem do dia, pelo menos para aqueles que se sentem estranhos neste mundo que caminha, a passos acelerados, para a catástrofe e para o ocaso. Jean-Marie Domenach fez do retorno do trágico uma filosofia da história, mas coube a Georg Lukács pensar a metafísica da tragédia a partir da obra de Paul Ernst: a vida trágica opõe-se à vida empírica quotidiana, tal como a vida autêntica se opõe à vida inautêntica na ontologia fundamental de Heidegger. Infelizmente, a evolução do pensamento filosófico de Lukács ainda não foi estudada: a Escola de Budapeste, fundada por Lukács, foi injustamente eclipsada pela Escola de Frankfurt, donde resultou o fatídico esquecimento da obra dos seus continuadores, tais como Agnes Heller, György Márkus, Lucien Goldmann e Joseph Gabel. Em termos de concepção do homem, captamos facilmente a sequência de três visões do homem: a visão do homem trágico, desenvolvida na História da Evolução do Drama Moderno (1911) e no Diário inédito (1910-11), que apresenta o suicídio como forma de solução do conflito trágico; a visão do homem utópico, elaborada em Sobre a Pobreza de Espírito (1911), A Alma e as Formas (1910), Cultura Estética (1913), Estética de Heidelberg (1912-1916) e A Teoria do Romance (1916), que descobre no refúgio estético a possibilidade utópica de transcender o círculo trágico; e a visão do homem socialista, explanada em História e Consciência de Classe (1923), A Destruição da Razão (1954), Estética (1963) e Ontologia do Ser Social (1971). Cada um destes períodos da evolução filosófica de Lukács revela «variações» e tensões internas e, se confrontarmos a última Estética com a Estética de Heidelberg, constatamos que Lukács reteve na maturidade o essencial do seu pensamento de juventude, que esboça de modo superior a primeira versão do existencialismo - o de Heidegger, por exemplo - no quadro da Filosofia do século XX. O refúgio da teoria crítica no estético foi tematizado pela primeira vez pelo jovem Lukács: a teoria estética de Adorno herda-o sem no entanto superar o seu «momento» individualista de retiro, a manifestação da impossibilidade trágica de descobrir uma solução para a possibilidade humana dentro das formas capitalista de vida. A dialéctica está próxima e, ao mesmo tempo, distante do pensamento trágico: a dialéctica transcendental de Kant (Crítica da Razão Pura) ajuda a compreender a relação ambígua entre a dialéctica e a tragédia. O abandono da reconciliação - e da síntese - devolve à dialéctica o seu momento trágico: a dialéctica trágica - a recusa incondicional do mundo capitalista - é a única figura do pensamento adequada ao momento de catástrofe iminente que vivemos. A dialéctica trágica não abdica do projecto de construção de um mundo melhor. Porém, tal como a aposta pascaliana, a perspectiva futura de um mundo melhor não é uma certeza absoluta, até porque o processo histórico entregue à sua própria lógica imanente avança pelo seu «lado mau» (Marx): o futuro novo e melhor deve ser criado continuamente pela acção consciente dos homens que optaram pelo «socialismo» em detrimento da barbárie (Lenine). Os homens devem escolher entre o «socialismo» - a sociedade que luta permanentemente pela liberdade e pela justiça - e a barbárie e, se optarem pela construção de um mundo melhor, devem destruir a barbárie reinante que mata a aventura biológica na terra. Este elemento de destruição criadora faz da dialéctica trágica uma dialéctica sem perdão: os carrascos não podem nem devem ser perdoados, porque perdoar é esquecer o sofrimento passado. O trágico é o próprio homem. (Há aqui uma dialéctica complexa entre o trágico, o utópico e o ridículo, que é necessário recuperar para o marxismo. Enfim, precisamos de uma nova Fenomenologia do Espírito para renovar o marxismo. E, em Portugal, é impossível pensar: a malvadez dos portugueses é inimiga do espírito. Portugal é uma maldição!)

A luta permanente pela construção de um mundo melhor tem dois adversários de peso que ajudam a reproduzir as condições subjectivas e objectivas que garantem a perpetuação da injustiça e da escravidão: o fluxo do tempo e o homem velho e resignado. (:::) Em Sobre a Pobreza de Espírito, Lukács narra, em forma de diálogo, o seu próprio suicídio: a principal personagem deste diálogo (Lukács) encara o suicídio como a única possibilidade de adequação com o tipo de vida que transcende toda a forma, enquanto o autor (Lukács) descobre na possibilidade de dar forma à sua vivência, na criação da obra, a razão para não se suicidar. O suicídio é uma categoria da vida, que o autor utiliza para dizer que matou em si há muito tempo o homem velho para que pudesse nascer o homem novo, o homem criador da obra através da qual se manifesta o espírito. É este suicídio espiritual - muito próximo do suicídio empírico - que permite ao homem transcender a casta comum e a casta ética e integrar-se na casta estético-religiosa ou metafísica, cujo fruto é a obra. (:::) (Bem, vai ser difícil tematizar aqui a ideia de que a Esquerda tem sido o seu próprio coveiro: a dialéctica trágica deve elaborar todas as estruturas conceptuais necessárias para redefinir o seu projecto político - uma das quais é todo o movimento de temporalização. De momento, inscrita na conjuntura presente, a dialéctica deve tentar resgatar e salvar todo o passado, sem colonizar e hipotecar o futuro: abertura é o conceito que tenho utilizado para designar este movimento. É evidente que estes pensamentos dialécticos não se dirigem aos zombies vigaristas portugueses. Portugal merece o seu colapso. )

Conforme demonstrou Lucien Goldmann na sua obra Le Dieu Caché, a nobreza de toga desenvolveu em França - no século XVII - a visão trágica do mundo, em que o homem aparece despedaçado e dilacerado entre duas exigências contraditórias que o mundo não permite reconciliar: os Pensamentos de Pascal e as tragédias de Racine sistematizam esta visão trágica, mostrando que o homem é, ao mesmo tempo, grande e pequeno. Grande pela sua consciência, pela sua exigência de totalidade e de absoluto, e pequeno pela insuficiência das suas forças para realizar esta exigência. Segundo Pascal, «o homem não passa de um caniço, o mais fraco da natureza. Mas é um caniço pensante». «O pensamento faz a grandeza do homem» (Pascal): quer dizer que a única grandeza da criatura mais fraca da natureza é a recusa do compromisso e, implicitamente, a recusa do mundo e a crença na existência de um Deus - o Deus absconditus - e de uma eternidade que não são seguros. (:::)

(Em construção) J Francisco Saraiva de Sousa

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Richard Zimler, o Inquisidor da Corte dos Bobos

«A Inquisição apresentava-se como um tribunal santo, um instrumento da justiça divina. Era em nome de Deus que processava, segundo as regras que resumimos atrás, confiscava e delapidava os bens dos mercadores abastados e que condenava, segundo o critério que também vimos, milhares de inocentes que morriam negando as acusações da sentença e declarando a sua fé católica. O ódio à Inquisição e a evidência flagrante da sua injustiça arriscavam-se a cair sobre Deus que ela dizia representar. A religião católica aparecia aos perseguidos sob a máscara odiosa dos Inquisidores». (António José Saraiva)

«Não acreditamos na dedução mais fácil e óbvia: que o homem é fundamentalmente brutal, egoísta e estulto na sua maneira de actuar, quando todas as superstruturas civis lhe são tiradas, e que o Häftling seria, portanto, o homem sem inibições. Julgamos, pelo contrário, que, em relação a isso, nada mais se pode concluir, a não ser que, diante das carências e do mal-estar físicos obsessivos, muitos hábitos e muitos instintos sociais ficam completamente silenciados». (Primo Levi)

«Na prisão, os trabalhos mais penosos só desenvolvem no criminoso o ódio, a sede dos prazeres proibidos, uma indiferença arrepiante. Por outro lado, o famoso sistema celular só atinge, estou disto convencido, um fim enganador, aparente. Suga a seiva vital do indivíduo, enfraquece-lhe a alma, amesquinha-o, aterroriza-o, e no fim apresenta-no-lo como modelo de correcção, de arrependimento, uma múmia moralmente dessecada e semilouca». (Fiódor Dostoiévski)

«O dinheiro é o ciumento deus de Israel, a cujo lado mais nenhuma divindade pode existir. O dinheiro rebaixa todos os deuses da humanidade e transforma-os em mercadorias. O dinheiro é o valor universal e auto-suficiente de todas as coisas. Por conseguinte, destituiu todo o mundo, tanto o mundo humano como a natureza, do seu próprio valor. O dinheiro é a essência alienada do trabalho e da existência do homem; esta essência domina-o e ele presta-lhe culto e adoração. /O deus dos judeus foi secularizado e tornou-se o deus deste mundo. A letra de câmbio é o deus real do judeu. O seu deus não passa de uma ilusória letra de câmbio. /A nacionalidade quimérica do judeu é a nacionalidade do negociante e, acima de tudo, do financeiro». (Karl Marx)

No Facebook, Richard Zimler - o romancista luso-americano - apagou alguns dos meus comentários sobre a capa do seu último livro e bloqueou-me. O homem que diz combater o preconceito, em especial o preconceito étnico, é, ele próprio, muito pouco tolerante com aqueles que recusam fazer parte do rebanho dos "likes": o colectivo amorfo dos leitores submissos, passivos e aduladores. Zimler usa o Facebook para publicitar e promover as suas obras: o rebanho adula-o com aplausos e o ego do escritor incha de tal modo que se afoga no seu narcisismo primário, recusando o diálogo produtivo com aqueles que ousam pensar pela sua própria cabeça. Numa entrevista, Zimler diz que o herói é aquele que ajuda a salvar os outros. Ora, de acordo com a sua própria definição, Zimler não é um herói - é um anti-herói americano no sentido de eliminar os vestígios dos outros, de silenciar a sua voz e de falsificar a sua história. Zimler critica a Inquisição Portuguesa, mas ele próprio é um Inquisidor que confisca a palavra crítica para exibir uma série de aplausos que alimentam o seu self narcisista, infantil e egocêntrico. O infantilismo egocêntrico inerente à sua definição de herói percorre toda a sua obra: a relação que Zimler estabelece com as personagens dos seus romances é uma relação promíscua. O autor projecta-se nas personagens que cria, fechando-as no seu universo onanista: o autor-feiticeiro molda e manipula as suas personagens à sua própria imagem e obriga-as a viver fragmentos da sua própria vida. A simbiose gerada por esta relação promíscua impede a distinção entre o mundo interior e o mundo exterior e, onde não há esta distinção e a respectiva diferenciação interna, não pode haver história: o romance histórico de Zimler é pura masturbação de um feiticeiro - meio bushman, meio cabalista - que se idolatra a si próprio, diluindo o tempo histórico no tempo biográfico, como se o mundo fosse o prolongamento do seu próprio umbigo judeu. A articulação deste estado de indiferenciação com a noção de caça fornece a chave de leitura do universo literário de Richard Zimler: a criança-feiticeira - o autor e as suas máscaras - é uma caçadora que devora a noite num único gesto indiferenciado e indiscriminado de fusão místico-carnal.

Basta um gesto mesquinho do autor para anular todo o seu universo literário, pondo a descoberto a ideologia étnica que o estrutura: o gesto mesquinho de Zimler não é algo exterior à sua obra; ele atravessa-a de ponta a ponta, como o comprova este seu malévolo comentário da última obra de José Saramago: «Mas, naturalmente, nada disto mereceu a atenção de Saramago nem dos que reagiram às suas críticas ao Antigo Testamento. O que me traz ao aspecto mais perturbador e alarmante de toda esta tola controvérsia. Os jornalistas e os responsáveis religiosos portugueses de um modo geral trataram os comentários de Saramago como importantes! Graças a eles, os meios de comunicação deram-lhe mais tempo na televisão e mais espaço nos jornais do que a outras questões muito mais importantes. E alguns representantes da Igreja Católica atacaram-no com uma ferocidade emocional que revela bem que consideram tais opiniões sobre o Antigo Testamento como um obstáculo à fé. Mais uma vez, tal como salientei mais atrás, os comentários de Saramago não são nem chocantes nem novos. E apenas representam um obstáculo à fé para quem não tenha a menor ideia do que é e do que pretendia ser o Antigo Testamento. As críticas de Saramago são unicamente banalidades superficiais, que revelam uma profunda ignorância da filosofia e da religião ocidentais e uma total incompreensão da linguagem poética e narrativa de desde há mais de três mil anos. Só quem ignora tal herança, jornalistas e responsáveis religiosos incluídos, poderia tornar o patético desabafo do romancista numa tal polémica. E, para mim, essa foi a parte mais desanimadora e mais perturbante de toda esta "inventada" notícia: descobrir que na sociedade onde vivemos, entre os seus membros mais ilustres e cultivados, possa prolongar-se tão lastimosa ignorância de uma parte importantíssima do legado civilizacional da filosofia e da cultura ocidentais». Zimler denigre a imagem intelectual de José Saramago, como se ele - o pigmeu judeu vindo da América - fosse o herdeiro de uma tradição cultural que não lhe pertence: os disparates históricos e teóricos ditos neste texto revelam as medidas modestas do seu cérebro que tenta desesperada e tolamente derivar o legado da Civilização Ocidental da cultura primitiva, bárbara e arcaica de um "povo de escravos" (Nietzsche), fazendo da História um confronto entre judeus e não-judeus. Penetrar filosoficamente este texto odioso, néscio e invejoso de Zimler é captar o núcleo forte da ideologia étnica - o judaísmo mórbido - que se manifesta no interior da sua obra, opondo-lhe a marca de origem da cultura ocidental: o nascimento da Filosofia nas cidades da Grécia Antiga. José Saramago é herdeiro do espírito grego e o seu romance Caim filia-se directamente à tradição inaugurada pela obra Os Persas de Ésquilo - tradição literária completamente estranha a Zimler. (Sobre o Caim de José Saramago veja aqui.)

J Francisco Saraiva de Sousa

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Lucien Goldmann: O Teatro de Jean Genet

«Ora, a problemática fundamental das sociedades capitalistas modernas não se situa já ao nível da miséria nem mesmo ao nível de uma liberdade directamente limitada pela lei ou pela coacção exterior, mas sim no estreitamento do nível de consciência e, por isso mesmo, na tendência à redução dessa dimensão fundamental do homem que é a do possível. Tal como diz Marcuse, se a evolução social não mudar de orientação, o homem não viverá e não agirá senão cada vez mais numa única dimensão, a da adaptação à realidade, e não na outra, a da superação». (Lucien Goldmann)

A evolução social do capitalismo seguiu o rumo unidimensional previsto por Marcuse, o do estreitamento do nível de consciência do possível, mas com a realização de uma condição social objectiva não prevista pela teoria crítica da sociedade: o regresso da pobreza. Herbert Marcuse foi vítima daquilo a que chamo a alucinação da economia mágica: as mentes reduzidas vivem ou, pelo menos, viveram até aqui no mundo mágico do cartão de crédito. A crise financeira de 2008 quebrou o feitiço do cartão de crédito e da vida falsa que ele permitia comprar, devolvendo os indivíduos unidimensionais à sua miséria cognitiva e material: os portadores do pensamento unidimensional - resultante do estreitamento da consciência do possível - não sabem lidar com os efeitos nefastos e adversos da crise financeira e económica. Os animais metabolicamente reduzidos - aqueles indivíduos passivos que só sabem consumir e devorar o mundo, vivendo para não morrer - tornaram-se incapazes de pensar novas alternativas sociais e de as realizar pela praxis revolucionária: destituídos de personalidade e privados de instrumentos teóricos, eles aceitam sem revolta o seu destino como uma fatalidade. A indigência mental e cognitiva destas novas máquinas desejantes que se comportam como zombies coloca um sério desafio à teoria crítica: a teoria da reificação já não é suficiente para pensar a situação de alienação do homem no mundo capitalista e o projecto político que dela deriva deve ser completamente repensado. O que está em causa é a perda da humanidade: os homens que abdicaram da sua humanidade para se entregar completamente às trocas metabólicas com a natureza devastada estão aquém da História. A regressão consumada inviabiliza o potencial político revolucionário da teoria da alienação: onde já não há homens humanos alienados, não pode haver salvação. O elemento regressivo tematizado pela teoria do desenvolvimento de Engels e de Lenine triunfou fatalmente no mundo capitalista tardio, revelando o seu carácter necrófilo: a dupla-face do progresso não permite fechar e concluir definitivamente a História, como defende a sua representação simplista que coloniza e sacrifica o futuro; em vez disso, convida os homens a conquistar o sentido da sua história que permanece aberto. O sentido da História deve ser conquistado pelos homens, porque ele não está escrito previamente num destino e num determinismo: o possível e o impossível enfrentam-se na arena da história e o possível pode fracassar. A ironia da história reside precisamente na distância que se estabelece em cada geração entre o desejado e o realizado. Enquanto movimento de abertura total que medeia entre os opostos, a dialéctica recusa-se a fechar a história e a despedir-se do passado como algo morto: a abertura da dialéctica realiza-se não só na busca de um mundo melhor - um mundo cuja possibilidade real não está garantida, mas também na renovação contínua da herança. Ao olhar para trás, a dialéctica procura libertar o futuro. A conquista do futuro implica o resgate e a redenção integral do passado: aquilo que o neoliberalismo se apressou a enterrar deve ser trazido à nossa presença se quisermos tentar salvar a aventura humana neste planeta.

No ensaio «Le Théâtre de Genet: essai d'étude sociologique», Lucien Goldmann (1970) - discípulo de Georg Lukács - analisou quatro peças de teatro de Jean Genet: Les Bonnes (As Criadas), Le Balcon (A Varanda), Les Nègres (Os Negros) e Les Paravents (Os Biombos). Estas quatro peças de teatro têm uma estrutura comum, isto é, partilham os seguintes elementos: as personagens são colectivas (1), as relações entre estas personagens são relações de oposição - o conflito entre dominados e dominantes (2), o conflito implica dois elementos sentimentais contraditórios - o ódio e a fascinação dos dominados pelo universo dos dominantes, restando-lhes no final a realização do ritual (3), e o real é sempre mentiroso, inautêntico e odioso quando confrontado com os valores autênticos do ritual imaginário (4). A acção histórica constitui o tema fundamental destas peças de Genet e, por isso, as forças activas não são os indivíduos mas sim os grupos sociais. Com excepção de Saïd em Les Paravents, as personagens são colectivas: o Senhor e a Senhora e Solange e Claire em Les Bonnes, a Varanda e a gente humilde que vem à Casa das Ilusões em Le Balcon, os Negros e os Brancos em Les Nègres, e os Colonizadores, os Revoltosos e os Mortos, sem falar do Exército e das Prostitutas, em Les Paravents. As relações entre estas personagens colectivas são relações de oposição que tomam a forma do conflito entre dominados e dominantes, e os sentimentos dos dominados para com os dominantes compõem-se de dois elementos contraditórios - o ódio e o fascínio que geram e garantem a coerência do universo de cada uma das peças de teatro. Assim, por exemplo, as Criadas querem matar a Senhora mas não conseguem fazê-lo e os Revoltosos querem subverter a ordem estabelecida mas não conseguem destruí-la: o fracasso das tentativas dos dominados para liquidar os dominantes justifica o seu fascínio face ao poder dos opressores. A única coisa que os dominados podem realizar é o ritual, mediante o qual fingem matar os dominantes e, ao mesmo tempo, ser os dominantes. O ódio inspira o elemento da destruição, enquanto o fascínio conduz ao elemento da identificação deste ritual: as Criadas fingem ser a Senhora e matar a Senhora, e a Gente Humilde finge ser os poderosos e destruir os poderosos pela revolução. Neste universo das peças de teatro de Genet, o mundo real é sempre mentiroso, inautêntico e odioso: quer dizer que só a aparência contém a verdade. Investido nos e pelos valores autênticos, o imaginário do ritual é absolutamente humano e válido em si mesmo, embora não seja bem sucedido na transformação da realidade. Cada uma das peças de teatro de Genet enfrenta a problemática da passagem do imaginário ao real. Porém, a impossibilidade dessa passagem não permite às personagens comprazer-se nesse universo imaginário, o que gera o seu desespero: o suicídio das Criadas, a mutilação de Roger (A Varanda) ou o final inusitado de Les Paravents: o tiro de espingarda, disparado por um dos novos Senhores, que mata Saïd - o herói que começa a Revolta contra a ordem antiga sem no entanto ser reconhecido pela nova ordem.

Como é evidente, a análise do universo das quatro peças de teatro de Genet não pode eclipsar a análise das diferenças: cada peça institui um mundo e Lucien Goldmann abordou as diferenças entre os quatro mundos. Em As Criadas, Genet coloca no centro a autenticidade do imaginário em oposição ao carácter sórdido da vida real. Numa passagem da peça, as Criadas e a Senhora dizem a mesma coisa - o seu amor pelo Senhor e o facto de o seguirem até ao desterro, mas a fala das Criadas é sempre autêntica, dramática e humana, enquanto a fala da Senhora é ridícula e odiosa. As Criadas fingem - todas as tardes - ser a Senhora e matar a Senhora, retomando o ritual em que Claire interpreta o papel de Senhora e Solange o papel de Claire: elas afirmam amar o Senhor com um amor autêntico e querer segui-lo no caso de ser deportado. No entanto, foram elas que denunciaram o Senhor, fazendo com que fosse preso. Mas, como o Senhor foi libertado, as Criadas correm o risco de ser presas por falsa denúncia: o seu ritual quotidiano é interrompido e elas são forçadas a reconhecer a sua derrota. Tentam em vão envenenar a Senhora, mas esta é demasiado forte para ser destruída: as Criadas destroem-se a si próprias para triunfar no imaginário. No final da peça, a Senhora é de tal modo magnânima que lastima a morte da pobre Claire, envenenada pela malvada Solange. E esta responde-lhe: «Deixei de ser a criada, eu sou Mademoiselle Solange». A peça A Varanda segue o mesmo esquema: À varanda encontram-se os poderosos - o Chefe da Polícia e Madame Irma, a proprietária, e, por baixo, a Gente Humilde que vem à Casa das Ilusões representar o papel daqueles que imagina serem poderosos - o papel de General, o papel de Bispo e o papel de Juiz. A peça narra uma evolução social que ocorreu efectivamente na sociedade ocidental depois da ameaça revolucionária dos anos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial e da derrota das forças favoráveis à revolução. As cenas da Casa das Ilusões em que a Gente Humilde interpreta os papéis do Bispo, do Juiz e do General mostram que o ritual se estrutura de maneira homóloga ao de As Criadas: as essências autênticas destas três figuras são incompatíveis com a nova realidade. As figuras reais não realizam as suas essências imaginárias, e a Gente Humilde é levada a tomar consciência do novo poder instalado na Casa das Ilusões no decurso da Revolta. Após a morte do bispo, do juiz e do general reais, os verdadeiros poderosos da Varanda - o Chefe da Polícia e Madame Irma - aproveitam a Gente Humilde para os substituírem, fazendo deles realmente um bispo, um juiz e um general. Porém, no final da peça, as pessoas que iam à Casa das Ilusões para representar essas três figuras começam a pedir para interpretar o papel de Chefe da Polícia, a força organizacional todo-poderosa que derrotou a Revolta: Roger, o chefe revolucionário, exige a organização e opõe-se aos que defendem o sonho, a espontaneidade e a autenticidade. Mas depressa compreende que é apenas o Chefe da Polícia na aparência, quando na verdade pretendia ser realmente o Chefe do Executivo. Ao compreender esta discrepância entre o imaginário e o real, Roger mutila-se, isto é, suicida-se, e o Chefe da Polícia real - o poder da organização contra-revolucionária - fica «livre» para reinar mais outros dois mil anos.

Como já vimos, as quatro grandes peças de teatro de Genet mostram o seu alinhamento político à Esquerda Radical que se operou quando começou a gravitar à volta de Jean-Paul Sartre e da revista Les Temps Modernes (Gallimard): a descoberta da luta de classes é transposta poeticamente para a sua obra, introduzindo nela a crítica social e o elemento da revolta contra o sistema estabelecido e do não-conformismo. Em Os Negros, Genet coloca à varanda os Brancos: o Militar, o Magistrado, o Eclesiástico, a Rainha e o Criado. O tema central da peça é a oposição radical entre os dominados - os Negros - e os dominantes - os Brancos. No início, os Negros representam o ritual periódico do assassinato de uma mulher branca, pelo qual foram condenados pelos Brancos. Os Negros acabam por matar simbolicamente um outro Negro que os traiu, e, quando Ville de Saint-Nazaire volta à cena, anuncia que, após essa execução, virá um novo chefe que conduzirá os Negros à vitória. A partir deste momento, o ritual dos Negros altera-se substancialmente e a peça termina com a destruição imaginária dos Brancos. Apesar de ser uma mera vitória no plano do ritual do imaginário, ela existe e substitui a derrota. Os participantes Negros não querem interpretar o papel que lhes cabe no ritual do assassinato, mas Archibald consegue convencê-los a participar: Vertu e Village explicam-lhe que se amam e que o seu amor lhes basta, não sentindo por isso necessidade de participar no ritual. Archibald responde-lhes, dando-nos a chave da peça: «Vocês não podem amar-se por não poderem fazê-lo senão com palavras brancas. Ora, para poderem usá-las, vocês deveriam estar não na cena mas na sala, entre os brancos que não vos aceitam. Vocês são Negros, e é impossível amar-se entre negros, entre dominados, no mundo daqueles que vos dominam e com palavras que não são as vossas. É necessário, antes de tudo, um novo mundo e, correspondendo a esse mundo, uma nova linguagem, para poderem realmente viver um amor que seja vosso, um amor negro». No final da peça, quando o ritual está consumado e os brancos foram executados, Vertu e Village permanecem em cena e, no momento em que Village deseja ser abraçado, trocam estas palavras: «VERTU (a Village). Todos os homens são como tu: imitam. Não poderás inventar outra coisa? /VILLAGE. Por ti, inventaria tudo: frutos, palavras mais frescas, carros de mão com duas rodas, laranjas sem caroços, camas de três lugares, uma agulha que não picasse, mas gestos de amor, isso é mais difícil... enfim, se insistes... /VERTU. Ajudar-te-ei. O certo é que, pelo menos, não poderás enrolar os teus dedos nos meus longos cabelos louros». Este final só é possível porque a situação se alterou: «Existe um novo dirigente negro e o ritual insere-se numa luta que conduzirá talvez à vitória» (Goldmann). Embora não opere a passagem da derrota dos dominados à sua vitória real e à derrota dos dominantes, a peça mostra a possibilidade virtual dessa vitória dos dominados, razão pela qual pode aparecer no amor heterossexual entre Vertu e Village a esperança de encontrar novas palavras que lhe permitam realizar-se enquanto amor negro.

A peça Os Biombos merece um destaque especial, não só por causa da sua complexidade intrínseca, mas também pelo facto de reintroduzir novamente o elemento da homossexualidade que esteve ausente nas outras três peças de Genet. O tema central de Os Biombos é a oposição entre os dominados e os dominantes, entre os Colonizados e os Colonizadores, mas o assunto é, desta vez, a vitória dos dominados. No decurso da acção da peça, aparecem claramente definidas três ordens: a ordem dos dominados e dos dominantes, já nossa conhecida, a ordem dos revoltados vitoriosos e a ordem dos mortos. A estas três ordens opõe-se um grupo não-idêntico e hierarquizado, o grupo formado por Saïd, a sua mulher, Leïla, e a sua mãe. Este grupo opõe-se a todas as ordens que encontra no decurso da acção, tal como sucede com os outros dois sectores da peça que enquadram a acção principal: o Bordel e o Exército. Mas, antes de abordar as acções paralelas do Bordel e do Exército, convém elucidar a estrutura da acção principal. Inicialmente, temos a ordem da opressão na qual a autenticidade só existe no imaginário. Segue-se a revolta começada por Saïd que recusa aliar-se com os outros rebeldes, permanecendo isolado para salvar o seu não-conformismo e a sua autonomia individual. E, por fim, temos a vitória dos revoltosos: os revoltosos tornam-se dominantes após a vitória e ocupam o lugar dos antigos poderosos, cuja ordem da opressão é substituída por uma nova ordem que deveria construir um mundo livre. Porém, os novos senhores questionam o estatuto de Saïd na nova ordem: estão dispostos a perdoar, aceitando Saïd e apagando o passado. Ommou, uma personagem colectiva e simbólica, lembra-lhes que o perdão não é suficiente para justificar a nova ordem que eles estão prestes a criar: a revolta só pode ser justificada pela construção de um mundo livre, onde o não-conformismo tenha o seu direito e a sua função reconhecida. Mas os novos senhores não compreendem esta perspectiva e um deles dispara um tiro de espingarda que mata Saïd. Saïd sempre foi mais «anarquista» e radical do que Leïla e a sua Mãe, a última das quais participou efectivamente na resistência e na revolta. Após ter entrado no reino dos mortos, a Mãe aguarda a chegada de Leïla e do seu filho. Como não aceitam o reino dos mortos, Leïla e Saïd recusam entrar nele, mas, enquanto Leïla envia o seu véu, Saïd não envia nenhum sinal, passando directamente ao nada: o seu não-conformismo radicalizado abre uma esperança de futuro, afirmando o mundo da liberdade no seio de um mundo não-livre.

A acção principal da peça Os Biombos - as relações entre o grupo de Saïd e as três ordens - é enquadrada por duas acções paralelas: a do Bordel e a do Exército. A história do Bordel acompanha de perto a sucessão das três ordens e as duas transformações que operam a passagem de umas às outras. Na ordem da opressão, o Bordel é o universo do ritual e do imaginário, onde os colonizados encontram a única autenticidade essencial que pode existir num mundo onde os dominados são explorados e oprimidos pelos dominantes: Warda é a prostituta que representa no Bordel o universo do imaginário autêntico. Posteriormente, as prostitutas comprometem-se com a luta revolucionária, sendo respeitadas, cumprimentadas e recebidas pelos outros combatentes como membros da sociedade. A sua função social na luta contra a ordem da opressão torna-se real: o combate revolucionário substitui o imaginário e Malika encarna a resistência no Bordel. Porém, após a vitória dos rebeldes e o aparecimento da ordem dos mortos, a nova sociedade nega todo o valor ao Bordel: Warda é morta, Malika é esquecida e uma prostituta chegada do Norte apodera-se do lugar que elas ocupavam no Bordel. Como já vimos, a revolta dos resistentes criou um mundo que recusa o não-conformismo e o imaginário: os revoltosos tornados poderosos comportam-se como os soldados que combatiam em defesa dos interesses dos antigos dominantes. A nova ordem que deveria instaurar o reino da liberdade fecha-se ao imaginário da autenticidade e não tolera o não-conformismo. Algo semelhante poderia ser dito em relação à acção paralela do Exército, mas o que importa aqui destacar é a relação homossexual entre o Tenente e o Sargento do Exército: o episódio da peça que mais escandalizou os críticos literários puritanos. O tema da homossexualidade encontra-se presente nos romances de Genet - Le Journal du Voleur (Diário de um Ladrão), Notre Dame des Fleurs (Nossa Senhora das Flores) e o famoso Querelle de Brest (Amar e Matar), por exemplo, bem como na sua primeira peça de teatro, aliás medíocre: Haute Surveillance. Em As Criadas, A Varanda e Os Negros, os amores importantes são amores heterossexuais: os amores das Criadas pelo Senhor (amor autêntico) ou pelo Leiteiro (amor sórdido), o amor de Roger por Chantal, e o amor de Village por Vertu. Em Os Biombos, ao lado do amor heterossexual de Saïd por Leïla, aparece o amor homossexual do Tenente pelo Sargento do Exército. Durante o período pré-teatral, Genet estruturou o seu universo literário com valores - amor, coragem, amizade, etc. - que eram reconhecidos pela sociedade estabelecida, e, para tornar as suas obras não-conformistas e inaceitáveis aos olhos puritanos da sociedade existente, foi obrigado - por razões puramente estéticas e não apenas biográficas - a acrescentar a essa estrutura de fundo uma outra dimensão, a dimensão oblíqua, como lhe chamou Goldmann: «amor sem dúvida, mas amor homossexual; coragem, mas coragem para o crime; amizade, mas amizade no vício e nos comportamentos que a sociedade condena e assim por diante». Porém, a partir do momento em que descobre o universo da luta de classes de Karl Marx, Genet já não precisa desta dimensão oblíqua para tornar a sua obra inaceitável para a sociedade estabelecida: a homossexualidade desaparece bruscamente nas suas obras de teatro - As Criadas, A Varanda e Os Negros - para reaparecer novamente no Exército de Os Biombos. Nesta peça de teatro, o Exército perdeu a guerra e, como já não luta pela vitória, limita-se a celebrar um ritual - o da guerra imaginária. Esta situação dá-lhe um valor positivo e autêntico e, para evitar a valorização excessiva da instituição militar que existe ainda na sociedade, Genet introduz novamente a dimensão oblíqua. Para salvaguardar o ambiente familiar da sua pátria, cada um dos militares do Exército não deve morrer sozinho num mundo estrangeiro e, por isso, quando o Tenente morre, os outros soldados sacrificam os valores que tinham conservado para tornar menos dolorosa e menos solitária a morte do Tenente e a sua própria morte. O romantismo patético desta cena é neutralizado pela introdução da homossexualidade, que permite valorizar a autenticidade dos dominantes vencidos sem no entanto ceder ao poder normalizador da sociedade vigente. Uma sociedade livre só será verdadeiramente humana quando aceitar o não-conformismo em todas as suas esferas: o amor heterossexual deve libertar-se do heterosexismo e deixar ser - ao seu lado - o amor negro e o amor homossexual. A obra de Genet abre as portas à grande esperança que, na qualidade de docta spes, alimenta e orienta a luta pela construção permanente de um mundo melhor.

J Francisco Saraiva de Sousa

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Futebol Clube do Porto derrotou o Spartak de Moscovo por 5-1

«A ironia não pode destacar-se da maiêutica. O pensador socrático é um positivo. O que ele ajuda a dar à luz? Uma sociedade. De quê? Do futuro que ela traz. Numa situação histórica incerta, porém certamente conflituosa, o ironista abre um caminho que o conhecimento não pôde demarcar». (Henri Lefebvre)

O Futebol Clube do Porto venceu ontem - no magnífico Estádio do Dragão - o Spartak de Moscovo por 5-1 e Falcão foi o nosso grande goleador. Os nossos jogadores de futebol distinguem-se dos seus adversários nacionais pela sua simetria facial, um indicador de bons genes - genes de campeões. O nosso destino está assim inscrito no genoma azul e branco: os jogadores do Futebol Clube do Porto foram programados para a vitória e, por isso, não precisam de fazer simulações a la Fábio Coentrão - os célebres mergulhos na relva e as simulações de grande penalidade - para vencer os adversários dentro das quatro linhas do campo de futebol. A elevada qualidade do genoma azul e branco gera a distância, não só no plano físico e atlético, mas também no plano das capacidades psicológicas e cognitivas: os jogadores do Futebol Clube do Porto não desperdiçam o seu tempo livre a dar entrevistas a jornalistas com cérebros de réptil; pelo contrário, o seu tempo livre é ocupado no cultivo da mente. Falcão é, a este respeito, um jogador exemplar, o jogador-filósofo, que lê atentamente Nietzsche, entre outros filósofos. A inteligência intelectual desempenha um papel fundamental na criação e na formação de um herói na tribo do futebol, porque dela depende a visão de jogo do futebolista: o próprio sorriso de Falcão ou a mímica de Hulk são manifestações irónicas, no sentido de fazerem estilhaçar a continuidade saloia dos seus entrevistadores, confrontando-os com a sua miséria mental e cognitiva. O jornalismo desportivo nacional é o maior inimigo do futebol português: aquilo que os jogadores do Futebol Clube do Porto têm em dose adequada - ou mesmo em excesso - é aquilo que falta à maior parte dos jornalistas desportivos portugueses. O génio desportivo do Futebol Clube do Porto é, na sua essência, génio intelectual: os jogadores à Porto - João Moutinho, por exemplo - são guerreiros desportivos e intelectuais. A ironia é a grande guerra maiêutica que o Futebol Clube do Porto trava permanentemente contra o fascismo desportivo que não consegue superar o seu próprio primitivismo mental: as assimetrias faciais exibidas pelos jogadores adversários - os arqui-inimigos, claro! - indicam que eles transportam maus genes - genes arcaicos que bloqueiam o seu desenvolvimento cognitivo. Ser inteligente é escolher o Futebol Clube do Porto.

J Francisco Saraiva de Sousa

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Portugal pede Ajuda Externa

«Não há dignidade que se não funde na dor. /Conhece a frase: "São precisos nove meses para fazer um homem, e um só dia para o matar". /No caminho da vingança, May, encontra-se a vida...» (André Malraux)

«O caudilho burocrata ... é incapaz de decidir por si mesmo, gosta de mandar mas precisa de estar sob controlo para se sentir seguro, algo que lhe garanta o emprego, os negócios e a rotina da sua papelada, do seu café ao meio da manhã, do seu proteccionismo sem grande envolvimento». (Agustina Bessa-Luís)

«O que significa a salvação senão aquele ponto em que os homens desistem de oprimir outros homens, e se retiram com a sua limitada perfeição?» (Agustina Bessa-Luís)

«O calçado ligeiro, de sola de borracha, não faz o mínimo de ruído nos ladrilhos do corredor. O batente da porta desliza sem que os gonzos chiem». (Alain Robbe-Grillet)

«Quanto mais um homem é convocado pelo poder e se desenvolve dentro de uma combinação de excepções, mais se projecta sobre o seu semelhante, como num espelho que lhe devolve a imagem idealizada. Não importa que o outro seja o seu paradigma merecido; de qualquer modo, efectua-se uma transferência tão forte que todas as contradições desaparecem». (Agustina Bessa-Luís)

Estou cansado de Portugal: a «ajuda externa» significa enterro do país. Portugal merece ser morto e enterrado, porque viveu nas últimas duas ou três décadas como um louco alucinado. Há mais de cinco anos que critico aqui o rumo tomado por este país alucinado, mas a verdade é que penso que os portugueses sofrem graves deficiências psicológicas e cognitivas. O povo português não é inteligente e, com este povo que nunca lutou pela liberdade, não podemos construir um país civilizado. O problema básico de Portugal são os próprios portugueses. O FMI vai punir os portugueses: o que precisamos é de um governo inteligente - formado por homens competentes e duros que digam Não aos interesses privados e corporativos que capturaram o Estado - que saiba dar uma orientação racional e justa a essa punição merecida, de modo a implementar um novo modelo de sociedade e de estilo de vida. Portugal precisa de uma terapia de choque capaz de banir o estado de alucinação permanente em que vive. Um país de alucinados mentais não tem direitos: a construção de um novo país deve partir do zero, isto é, da suspensão de todos os erros estruturais que alimentam a alucinação nacional. As classes dirigentes que alimentaram esta alucinação devem ser abolidas e os partidos políticos devem ser reconstruídos de novo. De certo modo, todas as figuras de proa do Estado deviam pedir demissão e assumir responsabilidade pela situação de bancarrota em que nos encontramos: os políticos, os banqueiros, os magistrados, os professores, os economistas, os jornalistas, os gestores públicos, os reformados milionários, enfim todos estes grupos profissionais que "chularam" o Estado sem lhe acrescentar valor, perderam credibilidade e não são dignos dos privilégios que desfrutam. Se fossem pessoas dotadas de quadros morais e não meros bandidos sociais, demitiam-se e desapareciam de cena: a sua incompetência, as suas mentiras, a sua corrupção, a sua demência, a sua gula, a sua ignorância, a sua maldade, o seu egoísmo, o seu autismo, a sua vaidade, a sua arrogância, a sua falta de pudor, os seus abusos de poder, saíram-nos demasiado caras. Há uma solução construtiva para colocar rapidamente Portugal na ordem e na via do desenvolvimento - sem exigir sacrifícios insuportáveis e a caça ao dinheiro protagonizada pelo Estado e sem suspender a democracia responsável, mas ela exige a suspensão desta Constituição e o afastamento destes políticos alucinados. As crises profundas geram as suas próprias soluções desde que haja protagonistas inteligentes e competentes para interpretar correctamente os sinais do tempo. (Doravante, sou independente: não acredito na palavra dos políticos e dos auto-intitulados tecnocratas portugueses, os economistas da praça. Políticos que falsificam os dados e mudam de opinião várias vezes ao dia - e isto dia após dia, semana após semana, mês após mês, ano após ano - não merecem confiança: são alucinados mentais.)

J Francisco Saraiva de Sousa

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Festa do Futebol Clube do Porto no Estádio das Trevas

A caçada ritual «é uma das facetas do futebol - oculta pelo facto de duas equipas se confrontarem num esforço para marcar golos. Embora, na aparência, os jogadores se comportem como que travando uma batalha, na realidade não tentam destruir-se uns aos outros - excepto os falsos jogadores agressivos do Benfica que tudo fazem para danificar a integridade física dos seus adversários, mas apenas passar adiante dos seus adversários, com vista a executar a morte simbólica, que é o chuto em direcção à baliza». (Desmond Morris)

O Futebol Clube do Porto derrotou o Benfica no Estádio da Luz e, como os derrotados não sabem perder, vingaram-se apagando as luzes do estádio e ligando o sistema de rega para impedir a festa da consagração do Futebol Clube do Porto como campeão nacional. Antes do jogo se realizar os adeptos do Benfica apedrejaram a polícia, fazendo seis feridos, durante o jogo lançaram uma mercearia completa - incluindo telemóveis - para dentro do campo, enquanto os seus jogadores emocionalmente descontrolados faziam simulações de banho na relva e agrediam os jogadores do Futebol Clube do Porto, e, no final, não satisfeitos com a exibição neurótica de tantos comportamentos anti-desportivos e ilegais, resolveram apagar as luzes do estádio, ligar o sistema de rega e colocar música popular bairrista. (A tribo diabólica do Benfica é bairrista, provinciana e primitiva! A Tribo do Dragão Azul e Branco é, pelo contrário, uma tribo cosmopolita que zela pelo seu prestígio mundial! Afinal, cheira bem, cheira a derrota total do Benfica e a vitória deslumbrante do Futebol Clube do Porto!) Porém, nada disso impediu os campeões azuis e brancos de festejarem a vitória no território das forças inimigas. As imagens - estas e tantas outras - já correm o mundo, mostrando o verdadeiro perfil "desportivo" deste triste e feio clube português que recusa viver em democracia desportiva. Apadrinhado pelo fascismo salazarento, o Benfica não conseguiu fazer a transição para uma sociedade aberta, onde se vence pelo mérito e não por decreto governamental. Neste momento de desespero nacional, o Benfica faz questão de manchar a imagem de Portugal no mundo com este comportamento absolutamente medonho e vergonhoso: o Benfica envergonha os portugueses que lutam pela construção de um mundo pacífico e civilizado nas terras lusitanas. Gerado na mentira desportiva que manipula previamente os resultados desportivos na secretaria, o Benfica teima em medir as vitórias do Futebol Clube do Porto com as medidas corruptas que lhe garantiram vitórias escuras e fraudulentas nos tempos distantes e negros do fascismo português e, como não possui e não desenvolveu uma cultura do mérito, inventa mentiras e calúnias ofensivas para justificar as suas derrotas e o seu desespero. (Basta escutar as intervenções alucinadamente encarnadas em O Dia Seguinte!) Porém, usando e abusando deste discurso mentiroso, manipulador e esquizofrénico difundido pelos "seus" jornais, o Benfica eclipsa e desmistifica o seu pretenso «passado glorioso»: ao não reconhecer o mérito desportivo - a verdade desportiva -, o Benfica revela ter sido no passado e continuar a ser no presente uma fraude fascista. O Futebol Clube do Porto deve reduzir o Benfica à sua mediocridade demente e a melhor maneira de o fazer é desprezá-lo sem o perder de vista. Afinal, o Benfica não existe: é uma invenção da ideologia fascista alimentada pela imprensa que fomenta a violência desportiva. Nós portistas de todo o mundo devemos festejar as vitórias nacionais e mundiais do Futebol Clube do Porto e, ao mesmo tempo, lutar contra as forças das trevas que anseiam pelo regresso do fascismo desportivo - a eterna mentira do Benfica. A ironia portista alerta-nos para essa luta permanente da democracia e da sociedade aberta contra as forças totalitárias e violentas que bloqueiam o futuro de Portugal. Para nós portistas, a ironia é uma categorial estrutural do futebol português, que nos permite apreender a salvação do futebol nacional num mundo entregue à violência desportiva e às distorções ideológicas da imprensa escrita e falada: a ironia é, portanto, uma figura da liberdade que interrompe e quebra a continuidade homogénea do fascismo desportivo - o reino da mentira desportiva e da paranóia delirante benfiquista. Viva a alegria saudável da festa portista! Abaixo a violência desportiva dos inimigos!


Nota final: O Benfica impediu que os adeptos azuis e brancos do Futebol Clube do Porto entrassem no seu estádio munidos com os seus equipamentos tribais, o que viola claramente o espírito guerreiro do futebol: o Benfica não joga dentro das quatro linhas do campo de futebol, mas fora dele. O Benfica tenta caçar os seus adversários na secretaria e no túnel das trevas, de preferência com a ajuda da Comissão Disciplinar da Liga e dos árbitros, como sucedeu no ano passado - o ano que o Benfica apelidou de regresso ao passado "glorioso", isto é, fascista. Até mesmo a memória colectiva do Benfica é uma mentira conspirada pelo regime fascista. Mérito, competência, massa cinzenta, jogo limpo, ética, verdade, patriotismo saudável e honra são palavras que não fazem parte do vocabulário do Benfica. O Benfica - o clube dos idosos saudosistas - é o colapso neural num asilo de alienados mentais que condenam sempre-já Portugal à bancarrota. O Benfica é, medular e molarmente, terrorismo desportivo, isto é, político.

J Francisco Saraiva de Sousa

Futebol Clube do Porto: Campeão Nacional 2010-11

Ontem (3 de Abril) o Futebol Clube do Porto consagrou-se campeão nacional no triste e feio estádio do arqui-inimigo, que, depois de ter sido derrotado, apagou as luzes e ligou o sistema de rega para eclipsar a nossa vitória. Porém, em vez de eclipsar a nossa brilhante vitória, este comportamento mesquinho e malévolo consumou a apagão total dos fascistas encarnados em todas as frentes - antes, durante e depois do jogo, mostrando ao mundo o seu verdadeiro rosto: o anti-jogo. O estádio da luz converteu-se naquilo que sempre foi: o estádio das trevas da vergonha nacional. O nosso destino - Futebol Clube do Porto - não é «jogar» sujo nas secretarias e nos túneis, como faz o adversário benfiquista, mas sim jogar limpo e com mérito para sermos campeões: a juventude portuguesa rendeu-se completamente ao fascínio que é o Futebol Clube do Porto, porque sabe que a conquista do futuro depende de uma ruptura radical com o passado sombrio que continua «vivo» na alma saudosista dos inimigos encarnados. O Futebol Clube do Porto é a promessa vitoriosa de um futuro melhor: a sua cultura - aquela que lhe imprimiu Pinto da Costa e que André Villas-Boas conserva viva - é a cultura da restituição integral da verdade do futebol português. O que foi no passado fascista e o que continua a ser para a alma encarnada não pode ser a verdade: o arqui-inimigo do Futebol Clube do Porto é uma mentira organizada, mais precisamente uma fraude vigarista. O comportamento anti-desportivo do Benfica mostrou três verdades: o Benfica é a apologia da violência desportiva, o Benfica é a ideologia dos hoolingans neonazis, enfim o Benfica é a negação do Estado de Direito e da Sociedade Aberta! Viva o Futebol Clube do Porto! Viva a democracia desportiva! Abaixo o fascismo desportivo! Combate a depressão e dança ao som do Hino do Futebol Clube do Porto!

J Francisco Saraiva de Sousa