terça-feira, 26 de maio de 2009

Prós e Contras: O País em Debate

"Prós e Contras" (25 de Maio de 2009) voltou novamente ao debate Pensar Portugal, com novos convidados: João Lobo Antunes, Henrique Granadeiro, Laborinho Lúcio e Vítor Feytor Pinto. O impacto da crise financeira e económica sobre a fragilidade estrutural da economia nacional e a sociedade portuguesa é de tal modo preocupante que se justifica esta série de debates dedicados a "pensar Portugal". As crises decidem se uma coisa - indivíduo, vida ou forma de vida - perdura ou não, e, no momento presente de dupla-crise, os portugueses enfrentam a questão hamletiana: "ser ou não ser". O destino de Portugal como nação está em causa e, apesar da crise que vivemos ter causas objectivas, muitas das quais externas, as pessoas envolvidas devem vivenciá-las: a crise não é algo exterior às pessoas, à nossa forma de vida e ao nosso país, mas algo que nos afecta pessoal e colectivamente. Enquanto os portugueses continuarem a pensar que a crise não os afecta pessoal e colectivamente, não pode haver a "mobilização" defendida por Granadeiro. Os debates da RTP1 moderados por Fátima Campos Ferreira visam precisamente chamar a atenção dos cidadãos portugueses para a questão hamletiana: Portugal está em risco, enfrenta o dilema "ser ou não ser", e, se nada for feito, pode soçobrar na miséria do esquecimento, desaparecendo dos palcos mundiais.
Lobo Antunes deu o mote ao diálogo - "Sou optimista, porque amo Portugal" - e todos concordaram, pelo menos na aparência, porque as cisões depressa surgiram. Ao comparar a situação da justiça ("problema grave") e a situação da saúde ("dificuldades"), Lobo Antunes apontou a crise da justiça como o problema mais grave de Portugal, posição reforçada por Granadeiro. Mas Laborinho Lúcio preferiu localizar a arqui-crise na actividade política e no funcionamento dos partidos políticos, e Feytor Pinto defendeu que o problema mais grave do país é a "falta de educação". A palavra crise foi usada pelos participantes no seu sentido iluminista e marxista para compreender o momento presente como uma crise profunda e a crise como uma crítica ou causa suscitada pela necessidade de um novo paradigma contra o estado presente que "joga para fora da sociedade" (Feytor Pinto) os desempregados e os mais pobres. O fosso entre a teoria e a prática tematizado por Granadeiro como a separação entre problemáticas - as dos seus interlocutores - e "solucionária" - a sua perspectiva mais pragmática - é, porém, menos nítido na actividade política: a compreensão e a solução da actual crise nacional exigem um diagnóstico da crise: crise da justiça, para Lobo Antunes, crise do político, para Laborinho Lúcio, crise económica, para Granadeiro, e crise de valores e da educação, para Feytor Pinto. A crise como julgamento (sentido polémico e judicial), referindo-se a uma decisão judicial, e a crise como diagnóstico (sentido médico) sobrepõem-se na actual "situação crítica" nacional que fomenta o "ambiente de crispação e de violência verbal" (Granadeiro), patente nas campanhas partidárias para as eleições europeias e nos acontecimentos da última semana difundidos pelos mass media: Lobo Antunes referiu-se a essa combinação do julgamento e do diagnóstico quando definiu a política como "medicina a uma grande escala". A crise desencadeia críticas que visam tornar os cidadãos conscientes da sua gravidade e as posições explicativas ou os diagnósticos da crise interna apresentadas foram e são diferentes. A prioridade de uma das crises sobre as restantes implica soluções diferentes, além de diagnósticos distintos. Se a crise primordial for a crise da justiça (Lobo Antunes), a solução parece ser a exigência de uma "atitude moral" no exercício de certos cargos públicos que transcendem as pessoas que os ocupam: os magistrados e os agentes judiciais, bem como os políticos, devem servir o interesse nacional e não os seus próprios interesses privados. Se a crise económica for a crise primordial (Granadeiro), as medidas paliativas, em especial as assistenciais, não são suficientes para a resolver: a solução certa é recuperar os empregos perdidos e fomentar a criação de novas empresas e o crescimento económico, através do investimento de capitais de risco, como sucedeu aquando do regresso e da integração dos retornados do Ultramar, e conquistar maiorias absolutas, as únicas capazes de garantir a governabilidade num momento de crise profunda e de elevada crispação social. A crise da justiça portuguesa afasta os investimentos internacionais: o ritmo lento da justiça e os seus conflitos intestinos agravam a situação económica, afundando Portugal na miséria e na pobreza estrutural. Em vez de se darem às lamurias, os portugueses devem passar à acção, sem perderem tempo a problematizar a situação crítica. Laborinho Lúcio reconheceu que a crise da justiça é real, dado funcionar hoje num "paradoxo axiológico": ou acompanha o mercado e as suas exigências (eficácia, competitividade, produtividade, sucesso) ou garante o Estado de Direito. A sua solução passa por questionar hoje "o sentido" da divisão dos poderes e da independência dos tribunais: a autonomia judicial não é perdida se a gestão da justiça for confiada à esfera política. Os políticos contribuíram para a descredibilização da actividade política, porque foram acossados pelas pressões do público, dos mass media e da sociedade civil. Os cidadãos devem mobilizar-se, tal como o fizeram aquando da libertação de Timor do jugo sangrento indonésio: a crise da política resolve-se pelo "retorno do político". Portugal perdeu e deitou fora 3/4 do século passado (século XX) e, por isso, não pode dar-se ao luxo de desperdiçar mais uma vez esta oportunidade para mudar de rumo: o retorno do político é a única solução capaz de imprimir um novo rumo ao destino nacional. No entanto, o retorno do político não passa pela integração de independentes nas listas eleitorais, como se estes fossem mais "inocentes" e competentes do que os próprios políticos profissionais. A exibição de independentes atesta a descredibilização da própria política e dos seus agentes, funcionando como uma espécie de auto-atestado de incompetência. Feytor Pinto apontou a crise da educação e dos valores como a principal causa da actual situação crítica: a educação implica "a formação integral da pessoa humana" e não apenas da sua dimensão cognitiva, e, nesse sentido, passa pela formação moral dos jovens para o exercício pleno e responsável da cidadania. A crispação social revela "falta de educação": os políticos exercem a sua actividade em função do seu sucesso e não como "vocação de serviço", os magistrados violam o segredo de justiça, e os meios de comunicação social aproveitam essa violação para submeter as "vítimas" ao "tribunal popular". A solução da crise passa pela aprendizagem dos valores na escola e pela "construção da paz" assente em quatro pilares: a verdade, a justiça, a liberdade e o amor. No entanto, Feytor Pinto defendeu, com a aprovação de Lobo Antunes, a ideia de uma força supra-partidária, liderada pelo Presidente da República e por individualidades acima da suspeita mediática, como a "asa" capaz de fazer emergir a mudança de rumo e de superar a crise. Mas, como mostrou Granadeiro, esta última proposta é irrealista, porque esquece que o Presidente da República não tem poderes para assumir esse protagonismo político.
As crises têm causas objectivas, mas a sua superação deve ser assumida pelos indivíduos e pelas entidades sociais envolvidas. Os portugueses devem ser mobilizados, como defenderam Laborinho Lúcio e Granadeiro, mas as mobilizações referidas do passado recente foram inconsequentes, excepto as mobilizações corporativistas, tais como as dos professores, dos agentes judiciais, de certos profissionais da saúde e dos agentes policiais. Quando disse que Portugal deitou fora 3/4 do século XX, Laborinho Lúcio tentou proteger as últimas três décadas da democracia pós-25 de Abril, mas a restituição da liberdade e da democracia não foram suficientes para superar o atraso estrutural de Portugal. É certo que o 25 de Abril libertou os portugueses da pobreza, calçando-os, vestindo-os e dando-lhes alimento, mas não soube cuidar da sua alma e educá-los para a cidadania responsável: o 25 de Abril arruinou a educação e o ensino. A crise da educação constitui a arqui-crise nacional, como testemunham a violência nas escolas e o caso recente da "professora suspensa" por ter um "mestrado" e uma "profissionalização" no novo domínio disciplinar das "cuecas húmidas" e da "perda da virgindade": o Estado distribui diplomas, mesmo que os falsos-diplomados não exibam competências cognitivas e mentais, e subsídios, tornando a vida dos portugueses demasiado fácil, promovendo a sua ignorância activa e criando dependentes que apenas sabem protestar e reivindicar. Os portugueses não querem mudar nada e, nesta situação crítica, não podemos promover o optimismo tão defendido por Lobo Antunes: o elemento subjectivo, o suposto agente da mudança social, caminha na direcção contrária à dos elementos objectivos que exigem uma mudança de paradigmas. A crise da educação é, na sua essência, crise antropológica: a animalidade dos humanos foi promovida a todos os níveis à custa da sua humanidade. Habituados à vida fácil, sem esforço e sem punição, desde o berço até à morte adiada, os portugueses são patologicamente avessos à mudança qualitativa. Ora, esta alienação total dos portugueses, tanto dos governados como dos governantes, é resultado de más políticas levadas a cabo depois do 25 de Abril: todo o século XX foi desperdiçado e o começo do presente século está a seguir o mesmo caminho, porque a atrofia mental e a regressão cognitiva dos portugueses já são fenómenos transversais a todas as gerações que coexistem no momento presente. O dilema nacional afunda-se no abismo da deficiência antropológica: Como podemos alterar o rumo de Portugal com estes portugueses alienados? A falta de educação exige uma solução radical: a ditadura pedagógica, ou seja, a preparação e a educação das pessoas para a mudança qualitativa. Mas quem pode liderar esta ditadura pedagógica? As gerações mais velhas? Não, porque aquilo que fizeram é responsável pela actual crise! As gerações mais novas? Não, porque simplesmente perderam o contacto com a realidade! Portugal enfrenta eternamente a questão hamletiana: Ser ou não ser!
Portugal quer dizer crise. A palavra grega "krisis" não distingue entre crise e crítica e, como mostrou Koselleck, cobre "a diferença e o conflito", bem como a decisão no sentido de resultado definitivo, de decisão judicial ou de julgamento. Na Grécia Antiga, as actividades de julgar (krisis) e de governar (kratein) transformavam um indivíduo em cidadão. Segundo Aristóteles, a lei resulta da crise e da divisão da vida ética e, por isso, quando recebe expressão efectiva num julgamento público, promove o fim da divisão e do conflito. A ligação entre o julgamento legal e a crise resulta da diferenciação de duas esferas da vida: oikos e polis. O estatuto de cidadão conquista-se quando o indivíduo substitui a "justiça doméstica" - a actual justiça popular mediática - pela "justiça legal" (não a dos juízes corporativistas e seus sindicatos!) ou, numa linguagem rousseauniana, o interesse privado pelo interesse geral: o cidadão deve saber usar a palavra na esfera pública e assumir responsabilidade pelo destino comum do país, mas para que isso aconteça - a cidadania responsável - é necessário discutir o estado da educação na sua verdade nua e crua. Enquanto não se encarar de frente e com verdade a crise profunda da educação, Portugal quer dizer crise, conflito, divisão, predomínio da inveja e do egoísmo, enfim incapacidade de julgar e de governar.
J Francisco Saraiva de Sousa

6 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O post está concluído, até porque preciso guardar "energia" e alguma surpresa para o próximo debate da Fátima Campos Ferreira! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Else, desta vez não omiti Shakespeare, pelo menos o seu Hamlet: Ser ou não ser, eis o desafio da crise! ;)

Fräulein Else disse...

:)

Mas n é só Portugal como nação que está em causa, qq estado-nação está em causa. É o que signfica o movimento de globalização e de europeização.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bem, mas da crise do mundo e do Ocidente já falei; o programa é dedicado ao tema "pensar Portugal" e foi disso que tratei...

Fräulein Else disse...

Certo. Mas "pensar Portugal", sem pensar Europa, é uma falácia neste momento, como o Francisco saberá.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Pois, essa falácia está presente nas campanhas partidárias do "insulto" para o Parlamento europeu! Mas nos posts Pensar Portugal 1 e 2 falei disso... Seria oneroso voltar a repetir... :)