segunda-feira, 2 de junho de 2008

Internet e Cidadania Mundial

A Internet, como vimos no post anterior, «alenta a esperança de que, após muitas revoluções transformadoras, virá por fim a realizar-se o que a Natureza apresenta como propósito supremo: um estado de cidadania mundial como o seio em que se desenvolverão todas as disposições originárias do género humano» (I. Kant). Com base neste conceito kantiano, o objectivo deste novo desenvolvimento teórico é recuperar a noção grega de amizade e, tal como fez Lessing, fazer dela uma nova base política para a libertação, opondo-a à noção de fraternidade. Esta recuperação exige a ênfase que damos ao diálogo sobre o mundo e à humanidade da amizade, cujos membros activos estão envolvidos num constante diálogo virtual plural que visa, em última análise, eliminar o mundo inumano.
Trata-se, portanto, de uma proposta política que visa livrar-nos do metabolismo reduzido. Na sua ambiguidade essencial, a emigração interior que mais parece uma fuga ao mundo pode transformar num diálogo sobre o mundo: uma fuga para a frente fundada na hospitalidade e no pluralismo de opiniões, tendo como objectivo descobrir novas alternativas sociais.
A liberdade começa por ser liberdade de movimento e é esta liberdade que conduz à acção transformadora e humanizadora do mundo, na qual experimentamos verdadeiramente a liberdade no mundo. Se o estoicismo representa eventualmente uma fuga do mundo para o eu capaz de se sustentar a si próprio numa independência soberana em relação ao mundo exterior, Lessing abre-nos o mundo do pensamento independente. O Selbstdenken de Lessing que requer inteligência, profundidade e muita coragem não nasce do indivíduo e não é a manifestação do eu: o pensamento não é visto aqui como o diálogo platónico silencioso entre mim comigo próprio, mas como um diálogo antecipado com os outros. Este pensamento que espalha fermenta cognitionis pelo mundo virtual descobre no acto de pensar uma outra forma de se mover livremente no mundo e, em vez de pretender comunicar conclusões, procura incitar os outros ao pensamento independente, com o propósito de suscitar um debate entre cyberpensadores. Deste modo, no mundo virtual da Internet, pensamento e acção manifestam-se no movimento e, por isso, a liberdade é comum a ambos.
A comunidade virtual realiza assim a essência da amizade ("philia") dos gregos, que, segundo Aristóteles, consistia no diálogo: só o intercâmbio constante da conversação podia unir os cidadãos numa "polis". A Internet é precisamente uma longa conversação sobre o mundo e, nas redes mundiais da cidadania, revela-se a "philia", a cyberamizade que une os cidadãos do mundo que sonham um mesmo sonho: o sonho diurno de um mundo melhor.
Segundo Lessing, a essência da "poesia" é a acção, no decurso da qual se pode formar um grupo de fusão ou de militância política capaz de improvisar novas lutas contra a ordem estabelecida. Talvez a tarefa inicial dessas primeiras células seja começar por libertar os outros do seu self metabolicamente reduzido e reintroduzi-los no mundo comum, após se terem convertido e mudado de paradigmas. A concepção da emigração interior possibilita ver os emigrantes interiores ou os desencantados solitários como pessoas excluídas da sociedade metabolicamente reduzida ou, pelo menos, insatisfeitas com o mundo exterior: sentem-se estrangeiras na sua própria pátria. Ora, a Internet, em especial a blogosfera, pode aglutinar essa insatisfação em torno de uma conversação acerca do mundo. Nisso reside a potencialidade negativa da Internet: recusar o status quo e funcionar como palco virtual da cidadania mundial que exige a mudança social qualitativa.
A Internet é potencialmente uma tecnologia libertadora, porque foi criada como um meio para a liberdade, nos primeiros anos da sua existência global, pelos seus criadores/produtores, embora tenham surgido, após a sua comercialização, tecnologias de controlo ("cookies", "passwords" e processos de autenticação), tecnologias de vigilância e tecnologias de investigação, as quais usam encriptação, e com as quais lidamos constantemente. Porém, estas tecnologias de controle estão a ser contrariadas por novas tecnologias da liberdade que garantem a vitalidade do potencial negativo da Internet: o ciberespaço continua a ser uma ágora electrónica global onde a diversidade do descontentamento humano explode numa cacofonia de pronúncias, de idiomas e de estilos. Embora muitos utilizadores metabolicamente reduzidos e conformados com o seu miserável destino usem a Internet para fugir ao mundo ou mesmo para conquistar alguma visibilidade social efémera, sempre sujeita ao desligamento, a maioria dos seus utentes acaba por ser contactada e tocada pelas interpelações dos outros cibernautas, porque a rede é, na sua essência, um espaço social diferencial.
A "philia" como conversação que une os cidadãos da "polis", neste caso os cibernautas pertencentes a uma comunidade virtual, é o oposto da conversa íntima. Segundo Rousseau, a amizade era apenas um fenómeno da esfera da intimidade, em que os amigos abrem o coração uns aos outros, alheados do mundo e das suas exigências práticas. Ora, a Internet é conversação que, por muito impregnada que possa estar do prazer na presença do amigo, diz respeito ao mundo comum, que, se não for objecto constante do diálogo de seres humanos, se torna inumano. O mundo comum só é humano quando se torna objecto de diálogo. A conversação on-line ajuda a humanizar tudo aquilo que se passa no mundo e em nós próprios e, ao conversarmos sobre o mundo, aprendemos a ser humanos. Deste modo, a "cyberphilia" conduz à "philanthropia" que se manifesta na vontade de partilhar o mundo com os outros homens. A "cyberphilanthropia" opõe-se à misantropia dos homens metabolicamente reduzidos, nomeadamente dos membros das novas classes dirigentes, que, com o seu economicismo visto como uma fatalidade neoliberal, excluem os outros da partilha hospitaleira e alegre do mundo. Os misantropos metabolicamente reduzidos não encontram ninguém com quem desejem partilhar o mundo ou, o que é ainda pior, não consideram ninguém digno de gozar com eles o mundo, a natureza e o cosmos.
É evidente que esta concepção libertadora da Internet, em especial da blogosfera, é um projecto político de sedução on-line. Nem todos os utilizadores da Internet desejam ou são capazes de se libertar da condição metabolicamente reduzida: os utentes deambuladores, vagabundos, turistas e jogadores da Internet comportam-se como seres alienados em relação ao mundo. Os seus blogues são refúgios de um self perdido para o mundo e neles predomina algum tipo de conversa íntima, no decurso da qual revelam publicamente a sua intimidade e privacidade, numa atitude de completo alheamento do mundo e das suas exigências políticas. Estes bloguistas metabolicamente reduzidos esquecem que a nossa vida está cada vez mais ligada à Internet, porque já vivemos numa sociedade em rede, onde a economia, os negócios, as empresas, o trabalho, o lazer e a aprendizagem dependem cada vez mais desta nova tecnologia. A própria cultura começa a depender da Internet: a cyberfilosofia visa precisamente clarificar este novo fenómeno e combater as suas possíveis evasões ou alienações. A Internet traz uma mais-valia identitária (e não só) às nossas interacções face to face quotidianas.
Como vimos, Rousseau defendeu a concepção moderna de amizade como conversa íntima com os "amigos". Esta é uma prática frequente entre animais metabolicamente reduzidos, alheados do mundo comum, com a diferença de que agora se partilham mais facilmente infelicidades e desgraças em monólogos opostos uns aos outros, ditos em registo de gritaria, do que as alegrias. A falsa intimidade assim revelada está ligada à misantropia: o homem metabolicamente reduzido não partilha alegremente o mundo com os outros; fala de si mesmo como se fosse o centro de alguma coisa. Já não sabe conversar sobre o mundo: alheio ao mundo e à humanidade, o seu individualismo é falso, porque não há nele um self emancipado mas apenas um animal pegajosamente "devorador".
Quem diz que "o meu blog é a pura negação de quem já não espera nada do mundo e que já não tem força para condensá-la num grito", está, sem disso se aperceber, a dar um grito, até porque nas redes da cidadania estamos sempre a conversar uns com os outros. Quem não espera nada do mundo, refugia-se nalgum nicho ecológico da Internet e acaba por ser descoberto por outro fugitivo. Trava-se um diálogo entre fugitivos e esse diálogo exprime invariavelmente insatisfação com o mundo tal como o conhecemos: é protesto contra a ordem estabelecida e, acima de tudo, é sonhar acordado para a frente com um mundo melhor. A Internet favorece a política de oposição e, ao tomar consciência da sua negatividade, os Estados procuraram e continuam a procurar regulamentá-la.
O jornalismo manipulador e as notícias por ele produzidas são pura misantropia, porque fazem da infelicidade e do infortúnio dos outros o único tema de notícia. O mundo que criam é inumano e inóspito. Ora, aqui na blogosfera liberta, somos potencialmente criadores: não precisamos estar submetidos às práticas de agenda-setting dos mass media tradicionais; criamos a nossa própria agenda e conversamos sobre o mundo com os outros homens. Esta conversa humaniza o mundo e ajuda-nos a aprender a ser humanos. Com efeito, ao contrário dos mass media tradicionais, a Internet possibilita e galvaniza a "abertura aos outros", que é, como sabemos, a condição prévia da humanidade no sentido da "humanitas" romana, porque, no seu seio, qualquer indivíduo, independentemente da sua origem e da sua ascendência étnica, pode ser um cidadão respeitado, participar livremente no diálogo público e discutir com os outros o mundo e a vida. Na blogosfera, o diálogo afina-se pelo diapasão da alegria.
Lessing afirmou a pluralidade de opiniões em vez da busca compulsiva da Verdade que, tomada em si, deixa ao cuidado de Deus. A existência de um "anel verdadeiro" implicaria, como bem viu Lessing, o fim do diálogo, o fim da amizade e o fim da humanidade. Ora, a conversação que somos enquanto cibernautas e bloguistas não visa a Verdade e o discurso único e, por isso, evita utilizar a coerção lógica: mais importante do que a questão da verdade é humanizar o mundo através de um contínuo e incessante diálogo acerca dos seus assuntos e das coisas que o constituem. Enquanto "deuses limitados", navegando nas redes da cidadania mundial, estamos condenados a conversar livremente sobre o mundo. A crítica dirigida contra o sistema estabelecido consiste em tomar partido pelo ponto de vista do mundo, entendendo e julgando tudo em termos da necessidade de mudar qualitativamente o mundo capturado e colonizado pelo capitalismo neoliberal autodestrutivo. Os cyberamigos com os quais conversamos on-line são aqueles que conversam sobre o mundo e que evitam fazer meras revelações "psi". Aliás, um amigo é aquele com quem podemos partilhar as nossas alegrias e esperanças e não apenas as nossas desgraças e ambições pessoais, sabendo que ele não nos inveja. (FIM do post anterior: "Emigração Interior e Humanidade".)
J Francisco Saraiva de Sousa

56 comentários:

Denise disse...

Permita-me, Francisco, elogiar o seu laboratório de escrita :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bem, vejo que a Denise não resistiu e deixou um agradável comentário. Já fiz algumas alterações substanciais. Vou ver se amanhã apresento a versão definitiva.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Amigos

Este post acaba de ser concluído e aparece na sua versão definitiva, juntamente com o post anterior.

E. A. disse...

Bom dia! :)

O F. recupera a noção de diálogo da philia grega - a ética está sempre vinculada à polis - mas depois traz o Lessing, autor que desconheço, por isso tudo o q sei é pelo que nos diz o F., mas parece-me evocar perspectivismo à Leibniz. Se os valores de verdade são depostos, n vejo realmente sentido. Os diálogos têm de ser consequentes; e isto não quer dizer univocidade de discurso, mas significa critério, validade, verdade: são instrumentos imprescendíveis para a actividade filosófica, estrutural na "humanização" do mundo. O homem é ser da linguagem, da lógica, da razão. Há, naturalmente, outros tipos de discursos que se podem esquivar à lógica e que tb humanizam o mundo, como a arte, mas a arte ou a experiência estética é uma experiência singular, única, que, por vezes, até precisa de iniciação, logo é mais difícil inscrevê-la como "política". Aliás, ela deve ser a-politizada.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Repare Papillon que apliquei alguns conceitos de Kant e de Lessing para clarificar o potencial negativo da Internet.
Eu não disse que tinha desistido da busca da Verdade: esta busca pertence à Filosofia e não aos cibernautas que devem estar mais preocupados em manter o diálogo com os outros. E neste cyberdiálogo eles colocam em questão verdades estabelecidas: emerge sempre a pluralidade de opiniões.

E. A. disse...

Ok, então o meu corolário segue do q eu tinha dito ontem: a Internet é Vanitas vanitatum omnia vanitas.

E. A. disse...

Repare o ponto de vista é condição da manifestação da verdade. Até aqui concordo, mas se queremos evoluir, não é no diálogo estéril, que acaba por ser um estendal de opiniões. Ainda mais, num meio de comunicação em que os equívocos são constantes, dada a limitação do mesmo!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Além disso, podemos ver nesse diálogo uma busca cooperativa da verdade (Pierce) e, neste caso, poderíamos recorrer à teoria da verdade como consenso de Habermas. Não fechei essa via, mas preferi acentuar a conversação em torno do mundo, para elaborar uma teoria crítica da Internet, a qual procura demolir a refeudalização da esfera pública. A Internet cria uma outra esfera pública onde todos podem participar livremente e a comunicação envolvida não é unidireccional, como sucede com os mass media clássicos, mas dialógica: isto é bom, na minha perspectiva. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sim, eu deixei transparecer a crítica do lixo produzido na rede... pelos homens metabolicamente reduzidos. Mas preferi ser um optimista militante e alinhar do lado daqueles criadores que estão constantemente a produzir novas tecnologias para manter a Internet livre do controlo estatal ou comercial. Este é o nosso mundo de hoje, Papillon.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Repare Papillon que, graças a Internet e ao apoio dos USA (e não da Europa controladora), qualquer pessoa, desde que tenha acesso, pode participar nesta ágora virtual. De outro modo, estávamos condenados a escutar a voz dos media manipuladores e a permanecer silenciosos.

E. A. disse...

Isso é um pouco falacioso: mesmo sob ditaduras extremas, ou seja, sob terrível propaganda e publicidade manipuladora, os homens souberam libertar-se e recriarem-se, sem Internet.
No entanto, vejo agora algo: a Internet é a expressão do homem moderno, ou seja, isolado, abandonado, deserdado, o homem de hoje vê-se absolutamente apeado de memórias, ideais e promessas, e atira-se para o infinito virtual. Penso que, como diz bem, o perdido, ficará para sempre sem pé, o que se ama a si mesmo (condição necessária para amar o próximo, segundo a philia aristotélica) procurará alguém que lhe possa espelhar alguma réstia de vida, um último encanto pelo mundo. Por isso, venho cá chateá-lo, é como um soro num horizonte sub-nutrido. Mas o que quero dizer é que não vejo a Internet como meio de convertio, penso q não tenha esse poder, apenas se limita a actualizar o q já é dado.

Manuel Rocha disse...

Bom dia, Gente Boa !

É muito interessante a reflexão a que nos conduz através destes dois textos. Em particular a ênfase ao potencial da Internet para quebrar o isolamento ( voluntário ou não ) a que alguns se remetem na sequência de dificuldades ou frustrações inevitáveis na lide dos quotidianos. Sinto-me tentado a acompanhá-lo no seu optimismo. Mas é provável que as minhas recentes e esparsas incursões nestas águas ainda não me tenham permitido ver o que o F eventualmente já viu. É que, so far, o que mais me tem chamado a atenção é um certo tipo de frenesim que replica a velocidade a que as coisas acontecem lá fora. Uma espécie de toque e foge alérgica a reflexões mais aprofundadas que, acompanhada de um certo tipo de argumentário dogmático bem característico destes tempos de reduzida disponibilidade e inquestionáveis certezas, deixa, a meu ver, pouca margem por onde passar a mudança qualitativa.
Depois, isto é tb o universo da generalidade. Fala-se de tudo, inevitavelmente pouco, e frequentemente em círculos concêntricos que se constituem em redor das inevitáveis afinidades. Estamos efectivamente perante um Ferrari. Mas quem tem unhas para o conduzir ? E, mesmo que tenha, será que se safa no caos do trânsito que por aqui circula ?
Uma última nota para a universalidade como valor. Tenho alguma resistência ao conceito, confesso. Considero a universalidade entidade demasiado vasta para se submeter a uma mudança qualitativa. Porque a complexidade em que assenta é de difícil apreensão e porque simplificá-la contraria uma diversidade que, essa sim, tenho por valor, porquanto potencia as alternativas perante os inevitáveis azares da história.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Nesse caso, a Papillon assemelha-se a Dom Quixote: recusa da sociedade em rede. Netquixotismo!
Eu, como sou herdeiro de Hegel/Marx, com grande conexão a Kant, prefiro aceitar os desafios do novo mundo em diálogo com a tradição sempre reactualizada.
No entanto, julgo que a Papillon refere-se a outros netnichos... Ok, mas até nesses netnichos os solitários encontram outros disponíveis para trocas off-line de fluídos corporais. :)

E. A. disse...

Manuel,

Concordamos! :)

Somente nos afastamos acerca da "universalidade": a multiplicidade ou diversidade são valores, mas a comunidade, ou seja, aquilo que é comum, subsiste e penso que apelar a ela, seja uma via possível, dado ser comunicável, passível de diálogo, em limite, como diz o F.

E. A. disse...

N estou a falar de netnichos nenhuns.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Manuel

Concordo com a sua prudência e as experiências limitadoras e reduzidas que refere são infelizmente um facto.
Procurei cultivar a esperança e, sobretudo, não desistir da tarefa de picar os luso-homens cinzentos e descerebralizados: eles não lêem e não discutem o mundo para além do seu horizonte metabólico limitado.
Contudo, nós somos "alguém" e tendemos a formar comunidadeson-line que partilham um projecto comum: é um começo.
A Internet é de facto um Ferrari e, pelo menos, os seus criadores ainda não desistiram da tarefa de fazer dela um espaço de liberdade: cabe-nos a nós utilizadores ajudá-los nessa luta contra a intervenção estatal e comercial. Nos USA os tribunais têm dado razão àqueles que vêem a Internet como tecnologia libertadora... Sinal de esperança!

E. A. disse...

Por que é que eu digo o mesmo que o Manuel por outras palavras e a mim despreza-me e chama-me quixotesca e ao Manuel "compreende-o"?

Há elementos desta comunidade mais "dialogáveis" q outros?

Parece q sim, falsa "philia".

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Papillon

Como dizia Foucault, um discurso da verdade é um discurso do poder estabelecido. Ora, eu desejo libertar-me desse "anel da verdade", a do poder, e criar um contrapoder: aqui na Internet, bem como na vida real, o poder implica os outros. O poder só nasce quando as pessoas agem em conjunto e a Internet permite isso: agir em conjunto sem levar em conta distâncias.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Papillon

No post, critico claramente os blogues e seus autores metabolicamente reduzidos, conforme lhe tinha dito ontem e ainda hoje. Estamos de acordo quanto a isso. O optimismo militante permite conservar a esperança e descobrir novos caminhos, talvez recuperando alguns desses solitários... Disse isso... :(

Manuel Rocha disse...

Papillon,

Concordamos plenamente quanto à necessidade de cultivar o sentido de comunidade. Mas eu prefiro-o como derivada natural de comunidades concretas. Estas, só as consigo conceber consequentes em contextos de afinidades expressas em identidades culturais sustentáveis e estas requerem um espaço-tempo a que a dimensão universal empresta um carácter difuso. Tenho para mim que "pensar global" também se faz por aí, interiorizando que o que é global se resolve na multipliidade dos dinamismos "locais".

Francisco,

Este um assunto que nos remete para a velha questão de saber se o problema está na ferramenta ou no uso que dela se faz ;)

E. A. disse...

Mas a minha ideia é q essa recuperação é impossível. É isso q eu sustento.
Para que se crie comunidades de mudança, numa sociedade de indivíduos isolados e entregues a si mesmo, tem de haver uma educação ética, política e empática, senão como cria vínculos? É fogo-fátuo, como diz o Manuel! Não brota espontaneamente e isso é observável: o homem virtual não ganha consistência, se antes n a tinha.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Vou recordar alguns dados essenciais:

1. Lessing diz que a abertura aos outros é pré-condição da humanidade em todos os sentidos do termo.

2. Debater a verdade é uma resposta à dissonância cognitiva: a verdade é conceito agonístico.

3. Carl Schmitt, um filósofo conservador, diz que quem determina um valor fixa sempre, eo ipso, um não-valor, porque determinar um valor é estabelecer os limites do normal, do comum, do regular. O não-valor é uma excepção que assinala essa fronteira.

Ora, o diálogo produtivo está para além dessas fronteiras: humaniza, não monopoliza...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

A Papillon esquece a e-aprendizagem... A Internet pode educar e já educa. Além disso, existem muitas comunidades virtuais que interferem realmente no mundo off-line, além de ajudarem as pessoas...
A esse "não à Internet" chamo netquixotismo... A Internet move neste momento o mundo: está tudo em rede.

Manuel Rocha disse...

Papillon,

Deixe lá ! Ofereço-me para seu Sancho ( sem ) Pança !
;)

:)))

E percebo o seu ponto, sim !
Eu também não vejo a Internet como "meio" mas como "ligação". Uma comunidade precisa de ligações, mas precisa também de eixos aglutinadores. Estes, aqui, só podem estar nas ideias e nas atitudes como que as partilhamos. Penso eu de que...

E. A. disse...

Debater a verdade não é agonístico, isso é a premissa platónica invertida!
Como é que desenvolve um diálogo produtivo senão determinar conceitos, relações, etc.? Mesmo que elas sejam de carácter provisório, passa-se o mesmo como em qualquer processo de investigação.

E. A. disse...

A Internet educa? Mas o que entende por educação? O problema que vivemos na actualidade, é precisamente que não basta termos acesso ao conhecimento! Temos de ter instrumentos cognitivos para os interpretar e reflectir sobre eles de forma autónoma! E temos de tomar o gosto (sim porque n é natural) pela ética e justiça e isso faz-se no tête-a-tête, na educação da empatia e dos afectos, as pessoas não sabem comunicar umas com as outras, n sabem olhar nos olhos e ouvir os outros, e isso, NÃO se aprende pela Internet.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Papillon

A minha resposta é esta: A História não está concluída e é bom que assim seja até ao momento em que o Sol explodir e devorar a Terra. Somos diálogo e o mundo é plural.
Já viu os efeitos terríveis do capitalismo neoliberal? Ele pretende deter a verdade ou ter a razão! Sou kantiano na procura da cidadania mundial e da paz...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bem, a Internet faz parte da realidade quotidiana, pelo menos daqueles que têm acesso. O resto procura ter acesso à nova tecnologia que está a criar mundo e futuro.
Noutros posts, já tratei da Internet como adição e cybercrime; neste procuro elaborar uma teoria crítica da Internet e faço uma proposta política: um uso libertador da Internet.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Neste momento, não concebo a minha vida de aprendizagem sem a Internet e a comunicação mediada por computador: com estas tecnologias posso comunicar na hora, ter acesso a dados actualizados, posso conhecer pessoas afins, etccccc...

E. A. disse...

Claro que somos diálogo e o mundo é plural. Mas a dramatização do pensamento, que é a Filosofia, não pode ser uma simples recolha da perspectiva de cada um!
Sou humanista e agrada-me a ideia da cidadania mundial que fala, é uma forma de nos realizarmos, independentemente de ser a mais autêntica ou não (penso em Kierkegaard), mas isto pode ou não passar pela Internet.

Ok, F., já percebi a sua visão, não concordamos por ora, mas talvez um dia.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

A Papillon ainda não compreendeu que tudo no mundo passa pela Internet: esta é a nossa tecnologia.
Francamente, não percebo este seu netnihilismo. Abolir a Internet ou continuar a ignorá-la! Desse modo, não vamos longe.
Além disso, a Papillon parece confundir a Internet e a filosofia: eu procurei revelar a essência potencial da Internet, recorrendo a algumas teorias pensadas para pensar outra coisa, mas que ajudam a compreender esta, a Internet.

E. A. disse...

Não confundi Internet com Filosofia.
Mas se funda a relevância da Internet na sua potencialidade dialógica, sendo que esta é mera partilha de pontos de vista, então (e este foi o meu argumento que levava ao vanitas vanitatum omnia vanitas) não leva a nada, prolonga o estado real.
Eu não abolo a Internet, toma-o como mero meio, como qq outro modo de acesso ao conhecimento, de comunicação, etc. sou apenas céptica na sua vertente transformadora.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Papillon

Vamos ver se nos entendemos racionalmente: eu trabalho com computador ligado a rede, suponho que a Papillon tb trabalha com o computador, bem como o Manuel, o André, a Denise, etc. Todos trabalhamos com o computador e estamos ligados à rede; caso contrário, não nos conheciamos e não podiamos comunicar e dialogar.
AAlém disso, podemos fazer outros usos da Internet para além do trabalho e da educação, tais como usos recreativos, lúdicos, sexuais, empresariais, políticos, científicos, artísticos, económicos, financeiros, enfim uma pluralidade de usos.
ESTA virtualidade é REAL: a Internet não é necessariamente fuga ao mundo ou a si própria. Tem efeitos reais nas nossas vidas, muito reais.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Quer queira ou não, a Internet, tal como a escrita quando foi descoberta, já modificou a nossa vida, individual e colectiva: sociedade em rede, economia da informação, o poder da identidade, etc. Isso já não depende da nossa vontade: ou embarcamos ou perdemos o barco que já navega em alto mar a uma velocidade surpreendente.

E. A. disse...

Então, mas aquilo que acabou de dizer é banal! Pensei que a sua perspectiva fosse atribuir à Internet potencialidade de conversão à tal "cidadania mundial".

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ora, a minha proposta é embarcar e procurar ajudar a libertar o futuro usando esta nova tecnologia, cuja essência é dialógica. A Tv ou a imprensa não são dialógicas: a informação vai do produtor ao receptor e visa manipular este último, privado da palavra. Ora, aqui na Internet podemos usar livremente a nossa palavra e comunicar nos dois sentidos: conversamos, discutimos... Isso é bom!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Fazer uso da palavra num espaço público como este é ser cidadão e participar na construção do mundo comum. Por isso, devemos defender o carácter libertador e democrático desta tecnologia. Banal? Eu diria antes: Fenomenal...

E. A. disse...

Francisco seja realista:

Quantos blogues políticos há? (Só em Portugal)? Uma imensidão! Servem para "libertar do futuro"? Não. Se seguir algum, até de intelectuais conhecidos da nossa praça, não visam nada a não ser gratificação pessoal, difamação, crítica sem valor... Um Nada gigante. Daí que eu n visito quase blogues nenhuns. E "dialogar" é consigo e pouco mais.
Mas, ok, todo o D. Quixote anseia pela Dulcineia. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sim, eu sei que a maior parte dos blogues políticos e outros é basura, lixo informático. Mas, apesar disso, não vou desistir de lutar por um outro princípio de realidade. Caso contrário, entregamos o mundo aos devoradores metabolicamente reduzidos. Desistir é morrer... ou não?

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Papillon

Uma última palavra:

Elaborei o conceito de sociedade metabolicamente reduzida para chamar a atenção para a regressão cognitiva e a decadência mortal do Ocidente. Porém, ao contrário do meu mestre T. Adorno, procuro libertar o futuro, fazendo propostas de mudança social qualitativa na educação, nos partidos políticos, nas diversas esferas da política, na economia, na Internet, na blogosfera, etc, em diálogo produtivo com a Tradição Ocidental e denunciando a corrupção pós-25 de Abril. Adoptei o optimismo militante e utópico de Ernst Bloch: sonhar acordado sempre para a frente.
Apesar de me sentir exilado num país medíocre e corrupto, profundamente maldoso e invejoso, como é o caso de Portugal, continuo a lutar, usando a Internet. A minha crítica não é meramente negativa: exploro possibilidades e novas alternativas. Por isso, dado detestar os homens cinzentos e có-có tugas instalados no poder central ou dissiminados, tenho denunciado, e com razão, o sentido do Apito Final visto como Solução Final (nazismo benfiquista e lisboeta): estes últimos acontecimentos mediados pela comunicação social corrompida, bem como a palhaçada em torno da Selecção nacional, revelam a verdade das minhas críticas. Que vamos fazer? Estamos em Portugal, o país sem futuro, povoado predominantemente por homens metabolicamente reduzidos que nos lançam no abismo da vergonha nacional.

E. A. disse...

F.,

Nunca pus em causa a nobreza da sua intenção, aliás renovo diariamente o meu apreço e admiração por si, vindo visitá-lo e pensando consigo.
Quando nego algumas possibilidades da Internet, não quero com isto desvirtuar, por algum momento, o seu projecto. Apenas sublinho que o homem utilizador da Internet (independemente do uso que lhe dá), religado com o mundo, é antes um homem desligado consigo mesmo e com a sua essência. Este é o homem de hoje, português ou islandês. Logo, só posso ver esse religar como incapaz de prover a mudança qualitativa que deseja(mos).
Se as pessoas não são educadas, ficam insensibilizadas a qualquer estímulo, de que formato seja, pois não sabem ler e apropriar.
No outro dia falava com uma senhora psicóloga, já reformada, que me dizia que a Filosofia no currículo do liceu, há 40 e 50 anos tinha uma importância tremenda para os jovens, pois proporcionava-lhes liberdade de pensamento, era uma maneira de sonharem e de esquecerem o país monótono em que se vivia. Agora, a educação não liberta, porque se tem a impressão que o mundo está aí, todo à disposição, não há nada a desvelar porque está tudo despido. E a Internet toma o ser do seu criador, e torna-se expressão estreita de espírito.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Papillon

Estamos profundamente em sintomia. Eu fico triste por não poder fazer nada mais a não ser usar o blogue.
O mundo está despido de tudo e Portugal é de facto um túmulo, onde alguns bandidos devoram tudo, incluindo os cadáveres.
Portugal sempre foi uma merda e uma pocilga de invejosos, maldosos e medíocres, mas, como o mostra o caso da filosofia que referiu, depois do 25 de Abril isto virou uma trapaça de corruptos que, mesmo quando falam liberalmente do plano tecnológico, bloqueiam a inteligência: eles, sabendo que são constitucionalmente burros, fazem tudo para eliminar a concorrência e a competição.
A crise financeira vai fazer estragos em Portugal, mas a nossa miséria foi produzida pelas classes dirigentes após-25 de Abril, que, tal como Santana, andam sempre por aí sem vergonha na cara...

André LF disse...

Olá, amigos!
Papillon, compreendo o seu inconformismo acerca da esterilidade da educação atual. Há muitas mazelas aí e aqui elas não são diferentes.
Entretanto, acredito que alguns vínculos que se formam na Net (como este) são um antídoto contra o parasitismo crítico e a alienação política.
Posso dizer que não sou mais o mesmo desde que passei a ler os textos dos cyberamigos e a dialogar com vocês.

André LF disse...

Francisco, já lhe mandei por e-mail o texto no qual brinco com as minhas colegas psicólogas.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

André

Vi o seu excelente texto. E já respondi, mas hoje o servidor está lento, muito lento, e, por vezes, fica impedido. Concordo com o conteúdo e no e-mail deu um nome que se aplica às de cá que usam gravata! :)

E. A. disse...

Qual o problema de usar gravata? Tb tenho uma ou duas! E ontem morreu esse grande senhor que criou o smoking feminino: Yves Saint-Laurent! Um dos maiores designers do século XX! Paz à sua alma!

André LF disse...

Acho que vou enviar este texto à Papillon :)

E. A. disse...

Pode enviar: aveugle.papillon@clix.pt

Já adivinho o tema: goza com as mulheres masculinizadas!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

André

Se quiser, eu edito o texto e prometo ajudá-lo a livrar-se da tareia feminina, embora muitas mulheres estejam tb de acordo com o sentido.
Faz bem enviar à Papillon. :)

E. A. disse...

Há mulheres masculinizadas muito atraentes, mas também n podem ser muito machonas, têm de estar num entre-acto... :)

André LF disse...

Não gozo só com os viragos, mas com todas as mulheres que sufocaram a própria feminilidade :)

Papillon, já lhe enviei o texto.

André LF disse...

Fracisco, esteja à vontade para editar o texto. Temo, apenas, sofrer uma enxurrada de imprecações. Certamente a Tia Adoptada virá armada com uma metralhadora para me alvejar :)

E. A. disse...

Bom, eu transpiro feminilidade, mas também passei por muitas fases de desejar ser homem, pelo menos mentalmente, ou seja, superar qualquer diferença sexual.
Vocês são homens, não sabem, mas é difícil ser-se mulher.

André LF disse...

Papillon, também é muito difícil ser-se homem. É uma tarefa hercúlea.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

André e Papillon

O texto do André está editado. preparemo-nos para a "fúria" da Tia Adoptada! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Fiz umas pequenas correcções estilísticas...