terça-feira, 20 de abril de 2010

Prós e Contras: Cinzas na Economia

O debate Prós e Contras de hoje (19 de Abril) foi um caos não de cinzas ou plumas vulcânicas mas de moléculas humanas - cerca de quinze participantes, incluindo os quatro convidados especiais - que se dispersaram em discursos normalizantes redundantes e insensíveis ao sofrimento e às apreensões sombrias dos habitantes da Islândia. A erupção de um vulcão da Islândia obrigou as autoridades europeias a fechar o espaço aéreo europeu, o que gerou um caos ou uma crise nos aeroportos da Europa e na coordenação dos diversos sistemas de transportes. Os prejuízos sofridos pelas companhias aéreas levou-as a considerar o fechamento do espaço aéreo europeu como uma medida de excesso de zelo da União Europeia, mas António Mendonça (Ministro das Obras Públicas) vê nesse acto uma primeira reacção de prudência máxima face a uma situação desconhecida. Quando desconhecemos os efeitos imprevisíveis de uma situação anómala, como é o caso das erupções vulcânicas, a prudência - um conceito aristotélico usado pelo ministro - aconselha a garantir a segurança das pessoas. Fernando Pinto (Presidente da TAP) reforçou a prudência do ministro, frisando que a Europa enfrenta pela primeira vez um problema desta escala: o facto do sector dos transportes aéreos ser muito regulado levou os decisores europeus a tomar todas as precauções para garantir a segurança dos voos, até porque os motores dos aviões podem ser danificados irremediavelmente pelas cinzas vulcânicas que os ventos espalharam pelo espaço europeu (Adérito Serrão). No entanto, após um longo fim-de-semana de crise, os ministros europeus dos transportes reuniram-se finalmente em videoconferência (19 de Abril) e decidiram efectuar hoje (20 de Abril) uma abertura progressiva do espaço aéreo europeu, que foi dividido em três zonas sujeitas a monitorização de seis em seis horas.

Os participantes deste debate reconheceram que o homem controla muita coisa, incluindo a bolha financeira (sic), mas não controla a natureza. A Islândia é um paraíso para os vulcanólogos: os seus vulcões têm marcado a história social da Europa, como testemunha o célebre Inverno Europeu. Teresa Ferreira (Vulcanóloga dos Açores) inventariou todos os tipos de erupções vulcânicas, para mostrar que a ciência não consegue prever a sua evolução e os comportamentos dos vulcões. Os vulcões são máquinas naturais «projectadas» para matar os humanos e destruir as suas obras, e é nesta sua capacidade mortífera e destruidora que reside o seu fascínio: o que podemos lamentar é o facto deles não serem selectivos na «escolha» dos alvos humanos a abater, matando arbitrariamente todos os seres vivos que habitam os territórios vizinhos ou próximos. As catástrofes naturais ajudam a moldar a história das sociedades humanas e, por vezes, quando não dizimam culturas inteiras, como já sucedeu no passado, podem criar as condições subjectivas e objectivas necessárias para a inovação social, tecnológica e cultural. Mas é muito difícil convencer os burocratas kafkianos que zelam pelo funcionamento e pela manutenção do sistema estabelecido da necessidade urgente de mudança de paradigmas: o seu impulso natural enquanto homens de direito divino (Sartre) é, como disse Fátima Campos Ferreira, "apagar o vulcão". António Mendonça, Fernando Pinto, José Manuel Viegas e o séquito de técnicos convidados apagaram o vulcão da Islândia. Como? Bloqueando a reflexão, silenciando o pensamento que deseja libertar o futuro do colonialismo tecnocrático. José Manuel Viegas falou da necessidade de melhorar a articulação dos diversos sistemas de transportes e de aprender com esta crise. Fernando Pinto lamentou os prejuízos causados pelas erupções do vulcão da Islândia, afirmando que são maiores do que aqueles provocados pelo fatídico 11 de Setembro. E António Mendonça não resistiu à tentação de promover a grande obra pública do governo: a construção da linha de TGV que irá ligar Lisboa a Madrid. A posição periférica de Portugal na Europa protegeu-nos das cinzas vulcânicas, mas o ministro preferiu usá-la para justificar a necessidade de coordenar as nossas - entenda-se as de Lisboa - articulações internacionais: as cinzas vulcânicas revelaram as fragilidades e as vulnerabilidades das ligações entre Portugal - isto é, Lisboa, - e os outros países europeus, que o governo pretende solucionar com o seu novo - ou velho? - plano estratégico de transportes. A preocupação pela segurança demonstrada pelos zeladores do sistema burocrático estabelecido não é tanto a preocupação pela segurança das pessoas que, no fundo, não existem para eles, dado serem tratadas como cifras, mas sobretudo a preocupação exclusiva pelo funcionamento regular, monótono, cinzento e normalizado do mecanismo que montaram e que lhes garante a sua própria sobrevivência egoísta: o que eles deveras pretendem é mitigar os efeitos criativos das catástrofes naturais sobre a normalidade monótona do funcionamento do sistema. A redundância é a resposta adequada que o sistema dá a todas as situações críticas que desafiem a sua perpetuação: os burocratas kafkianos só sabem articular um único discurso que rejeita a mudança social qualitativa.

As erupções vulcânicas e os sismos confrontam-nos com a nossa própria condição mortal: os humanos são mortais. Nestes momentos sublimes, quando enfrentamos a nossa mortalidade essencial que faz de nós seres livres, individuais e históricos, precisamos de ironia e não de discursos pseudo-securizantes, como aqueles que foram apresentados neste triste e pardacento debate moderado por Fátima Campos Ferreira. Num mundo abandonado por Deus, como é o nosso, a ironia é, como escreveu Georg Lukács, «a mais alta liberdade possível». Um mundo abandonado por Deus é um mundo que perdeu a sua ancoragem no além: entregue à imanência de um mundo social carente de sentido, o homem torna-se solitário e procura desesperadamente na sua própria alma o sentido que perdeu quando ficou desamparado e sem-abrigo. A utopia compensa, de algum modo, esta perda irremediável de um mundo seguro e fechado: o homem pode imaginar ou sonhar mundos melhores e tentar realizá-los. Ora, a burocracia instalada em Lisboa odeia visceralmente a utopia: o sistema lisboeta faz tudo para castrar a imaginação produtiva e liquidar a ironia que identifica erradamente com o seu próprio sarcasmo. Lisboa é uma dupla-anormalidade defeituosa - isto se não levarmos em conta o Benfica, o aborto total -, porque foi abandonada por Deus, sem ter conquistado a ironia que se instalou no Porto. A ironia portuense escuta o horizonte, procura apreciar o presente e sonha o futuro: a ironia que protesta contra o status quo e provoca o seu domínio universal desencadeia o sorriso e, deste modo alegre e tranquilo, conduz à maiêutica social - o nascimento de uma nova sociedade. Portugal precisa da ironia dos portuenses, Prós e Contras precisa ser um dia - pelo menos uma vez - moderado pela ironia de Judite de Sousa: libertar o futuro de Portugal das nuvens cinzentas de Lisboa-Anaconda-Gigante - a inimiga invejosa da ironia - é tarefa para a liberdade criadora dos portuenses.

J Francisco Saraiva de Sousa

10 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bem, adicionei um novo blogue nas actualizações: TK... que vale a pena visitar. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O autor do blogue TK2046.tk faz uma leitura interessante do meu post sobre Michel Foucault. Aliás, um post muito interessante o deste autor - um novo ciberamigo! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O post a que reconduz é este:

http://cyberdemocracia.blogspot.com/2009/07/michel-foucault-filosofia-e.html

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Portugal precisa preparar-se para a humilhação total: os tempos que correm são sombrios e conduzem ao desastre total. Os portugueses vão pagar caro a sua sacanagem visceral e vão desejar ser salvos por uma catástrofe natural devastadora - tal vai ser a humilhação que vão sofrer. Para Portugal, o futuro é negro e maldito: eis o preço da corrupção e da sacanagem.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

E Portugal - todos os portugueses - merecem esse destino catastrófico, porque foram cúmplices e/ou agentes activos da crueldade.

Um tal cenário pode levar à fome, à violência e à guerra civil, mas já não o podemos contornar: demasiado tarde para evitar a humilhação da nação portuguesa.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Infelizmente, tomados pelo pecado e pela culpa, os portugueses vão desejar a MORTE. :(

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

E o que vem aí é precisamente a MORTE. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Quando um português se instala numa casa, não sai de lá enquanto não for expulso. Ora, como perderam desde a origem a vergonha, os corruptos e os incompetentes não largam os poderes nacionais enquanto não forem expulsos à pedrada. O fado luso é triste e feio! :(

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ui, ui... aquilo que mais desprezava em Lukács está a emergir como um sinal de alerta: confrontar a sua estética com a estética da recepção revela o que está profundamente errado nesta última. Chamo a isso o regresso do quotidiano: privilegiar a recepção. Daqui rsulta a liquidação da realidade: ficamos prisioneiros do domínio da opinião, mesmo que recorra à lógica. Precisamos incentivar o regresso da REALIDADE.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O caos mental em que vivemos mergulhados decorre da quebra de contacto com a realidade. Sem realidade, há a loucura mental e cognitiva: fetichismo logicista total. A sociedade actual tornou-se hospício de alienados mentais.