quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Greve Geral



Amigos e Amigas: Amanhã (24 de Novembro) é dia de Greve Geral. Façam o favor de aderir à Greve e de protestar nas ruas e praças de Portugal!


Recordo o primeiro parágrafo do meu texto sobre Traição dos Intelectuais

Em Portugal, todos temos fome, fome de alimentos, fome de emprego e fome de justiça. Segundo Georges Lefebvre, a fome despertou os franceses para a Revolução de 1789: a fome é o mais universal de todos os instintos universais, porque é a fome que nos leva a conservar a nossa vida - o suum esse conservare de Espinosa! - e que põe os restantes instintos em movimento. Freud enganou-nos quando estabeleceu o instinto sexual como o mais primário e o mais forte de todos os instintos: nós podemos viver sem satisfazer o instinto sexual ou mesmo sem o sublimar, mas não podemos viver sem saciar a nossa fome. A fome que foi silenciada por Freud, a busca de alimentos é, conforme mostrou Ernst Bloch - o apetite comum a todas as criaturas vivas, do qual procedem os outros instintos imediatos e as tendências acompanhadas da percepção, isto é, os movimentos do sentimento e as emoções. Ora, ainda segundo Bloch, a esperança é o afecto mais importante, o modo humano do instinto de conservação. A esperança é, portanto, algo biologicamente constitutivo da existência humana e, quando é frustrada, tende a tornar-se activa como impulso de auto-expansão para diante. A fome renova-se constantemente e cresce de modo ininterrupto. Ora, quando não tem nenhuma perspectiva de pão seguro, como sucede hoje em Portugal, revolta-se e procura mudar a situação: emerge assim o interesse revolucionário que diz não ao mal-existente e que diz sim ao futuro antecipado. A privação de alimentos faz da fome uma docta fames, uma fome esclarecida e instruída que converte a auto-conservação em auto-expansão, estimulando os sonhos diurnos de uma vida melhor. A referência à teoria da docta spes de Bloch revela a actualidade da sua filosofia da esperança, ao mesmo tempo que trava o canto de triunfo neoliberal de Raymond Aron: o capitalismo não sacia a fome dos famintos. A Queda do Muro de Berlim teve diversas consequências desastrosas para o mundo e, em especial, para o Ocidente, uma das quais foi a alteração da geopolítica da fome, para usar a expressão de Josué de Castro: a fronteira da fome subiu para a Europa (Adriano Moreira) e, neste momento de crise, a fome está instalada na Europa mediterrânica. O colapso do comunismo permitiu ao capitalismo regressar triunfal e explicitamente àquilo que sempre foi: um sistema de exploração do homem pelo homem. Mas com uma agravante: a ascensão da classe dos gestores e dos economistas neoliberais fortaleceu de tal modo o capital financeiro que destruiu o tecido produtivo dos países, como se pudéssemos viver indefinidamente do cartão de crédito - da expansão do crédito - que alimentou a gula irracional dos banqueiros, dos especuladores e dos mercados financeiros. Com estas escassas indicações, subverto - invertendo-a - a tese elaborada por Aron: o ópio dos intelectuais - antes e, sobretudo, depois da Queda do Muro de Berlim - não é o marxismo mas o próprio neoliberalismo que os privou de uma perspectiva de futuro, como se acreditassem que o capitalismo fosse capaz de satisfazer uma agenda de meras reivindicações, incluindo a reivindicação dos direitos dos animais, no quadro da própria sociedade capitalista. Os intelectuais de esquerda viveram alienados até ao estalar da crise de 2008: eles limitaram-se a reivindicar direitos sem questionar o próprio capitalismo. A crise de 2008 apanhou-os completamente nus e desprevenidos: o capitalismo mundial ameaça privá-los de todos os direitos adquiridos e eles não têm alternativas, porque, abismados na sua alucinação mágica, deixaram de exercer a crítica da ideologia. Os intelectuais alucinados traíram a humanidade e o mundo: eles são co-responsáveis pela miséria presente. Entregue a si mesmo e à sua própria ideologia da auto-regulação do mercado, o capitalismo gera ininterruptamente pobreza e miséria. Não é possível pensar um mundo novo fora do marxismo adulto: estamos, portanto, condenados a ser de algum modo marxistas, no sentido de estarmos empenhados na tarefa de pensar alternativas ao capitalismo, o grande mal-existente que conduz a aventura humana à catástrofe. A Grande Esperança (Jean Fourastié) depositada na capacidade do capitalismo para abolir a pobreza, através do desenvolvimento tecnológico e do aumento da produtividade, converteu-se, no nosso tempo mental e cognitivamente indigente, em pesadelo: o capitalismo não pode abolir aquilo que ele próprio gera, a desigualdade social, a pobreza, a miséria e a guerra. As expressões capitalismo da esperança ou o seu equivalente mais recente - capitalismo da felicidade, este monstro ideológico pensado pela economia comportamental, são oxímoros: onde há capitalismo não há esperança ou felicidade possível; o capitalismo é o mal-existente, contra o qual devemos lutar incondicionalmente. A abundância dos economistas burgueses é hoje pobreza, não só material mas também espiritual, porque a condição operária - o trabalho - foi combatida em nome de uma falsa ociosidade que privou os homens do seu próprio espírito: a intervenção dos economistas na esfera política foi e é fatal para o espírito humano. Doravante, o poder político esclarecido deve livrar-nos das manipulações e das engenharias financeiras dos economistas e dos gestores: a grande política deve afastar a economia do poder, de modo a romper com a política-gestão.


J Francisco Saraiva de Sousa