segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Homo consumens: a figura irracional do nosso tempo indigente

Ponte D Luís I, Porto
«O perigo mortal de cada pessoa é perder-se a si mesma. Por conseguinte, a falta de liberdade constitui, para o homem, o perigo mortal». (Karl Marx)

Erich Fromm não foi apenas o psicanalista de orientação humanista que elaborou uma psicologia para o marxismo: Fromm foi, acima de tudo, um filósofo marxista que nos legou uma obra extremamente rica que deve ser reeditada em nova tradução. Desta obra que se reclama do humanismo socialista retenho este texto, onde Fromm - tal como os restantes membros da Escola de Frankfurt - critica a sociedade de consumo:

«O Homo consumens é o homem cujo objectivo primário não é possuir coisas, mas consumir cada vez mais e, assim, compensar o seu vazio interior, a passividade, a solidão e a ansiedade. Numa sociedade caracterizada por empresas gigantescas, por enormes burocracias industriais, governamentais e sindicais, o indivíduo, que não controla as circunstâncias do trabalho, sente-se impotente, só, aborrecido e angustiado. Ao mesmo tempo, a necessidade de lucro das grandes indústrias de consumo, por meio da publicidade, transforma-o num homem voraz, num menino de peito que quer consumir sempre mais e para o qual tudo se torna um artigo de consumo: cigarros, licores, sexo, filmes, televisão, viagens, e até mesmo a educação, os livros e as leituras. Criam-se novas necessidades artificiais e manipulam-se os gostos do homem. (O carácter do Homo consumens, nas suas formas mais extremas, constitui um fenómeno psicopatológico muito conhecido. Encontra-se em muitos casos de pessoas deprimidas ou ansiosas, que se refugiam no excesso de alimento, no exagero de compras ou no alcoolismo, para compensar a depressão e a ansiedade ocultas.) A ânsia de consumo (forma extrema do que Freud chamou o "carácter oral-receptivo") está a transformar-se na força psíquica dominante na actual sociedade industrializada. O Homo consumens vive na ilusão da felicidade, enquanto conscientemente sofre de tédio e passividade. Quanto mais poder tem sobre as máquinas, mais impotente se torna enquanto ser humano; quanto mais consome, mais escravo se faz das necessidades sempre crescentes que o sistema industrial cria e manipula. Confunde a excitação e a agitação com a alegria e a felicidade, e o conforto material com a vivacidade; a ânsia satisfeita torna-se o sentido da vida, e a sua busca uma nova religião. A liberdade de consumo transforma-se em essência da liberdade humana» (Erich Fromm).


O processo de perda de si mesmo de que falava Marx foi fixado nesta bela imagem de Fromm: primeiro houve pessoas que viajavam para aprender e assim difundir o seu conhecimento, depois, turistas com as suas câmaras fotográficas, ao passo que agora apenas temos câmaras que viajam acompanhadas por turistas para as servir. Vale a pena ler Fromm para compreender esta imagem-observação. Mas há neste processo de perda de si mesmo uma trágica ironia da história: na sociedade capitalista avançada, a emancipação do homem consumou-se nessa perda de si mesmo, com a ajuda da Esquerda que deformou ou esqueceu o pensamento dos mestres fundadores, fazendo o jogo do inimigo capitalista. Chegou, portanto, a hora da Filosofia da funda meia-noite levantar voo.


J Francisco Saraiva de Sousa

6 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Acho que já tinha editado esta foto: basta clicar para a ampliar.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Estranhas forças acordaram para forjar a destruição da democracia: elas já estão em andamento e ainda não sei se irão conseguir germinar... A grande luta trava-se nos bastidores.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

As forças antidemocráticas têm andado a sondar o meu blog, mas delas só recebo sinais ainda distantes: ainda não compreenderam o sentido da minha luta e o facto de anunciar uma nova filosofia irrita-as profundamente.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Mas eu carrego o peso de toda a tradição ocidental: sou o seu guardião. Uma maldição minha seria fatal para o destino das forças antidemocráticas. Entretanto, observo-as à distância...

Jorge Willian da Costa Lino disse...

Muito bom o texto. Claro tanto nas citações escolhidas quanto nos comentários. Vou repassar.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sim, Fromm merece ser revisitado. Claro, é necessário actualizar e levar em conta os novos desenvolvimentos sociais, mas no essencial ele capta a tendência...