terça-feira, 29 de novembro de 2011

Prós e Contras: Revolução nos Transportes

Via de cintura interna, Porto
Ontem estive mais interessado em acompanhar as notícias sobre os últimos acontecimentos incendiários do futebol do que em escutar o debate Prós e Contras (28 de Novembro), cujo título não faz sentido. Chamar revolução ao plano estratégico do governo que visa racionalizar o sector público dos transportes, suprimindo algumas linhas e carreiras, é esvaziar o conceito de revolução do seu sentido teórico. O governo utiliza o termo racionalização para justificar o sentido retrógrado das medidas que toma: racionalização como sinónimo de cortes precipitados nas despesas públicas e, portanto, de empobrecimento planeado, é uma noção absolutamente estranha ao próprio conceito. Na história da Filosofia, a racionalização nunca foi usada para designar empobrecimento planeado. Quando começa a filosofar, o governo improvisa uma "filosofia" que não encontra precedente na Filosofia Ocidental: o que quer dizer que este governo se situa fora dos horizontes ocidentais. Mas nós que somos ocidentais sabemos que o governo de Passos Coelho utiliza a racionalidade instrumental que lhe foi imposta do exterior para implementar políticas recessivas, cujo efeito final será a liquidação da economia portuguesa, um processo que já tinha sido iniciado por anteriores governos quando adoptaram o programa de desindustrialização. O governo só tem um objectivo: cumprir o memorando da troika. As políticas que adopta visam - todas elas - garantir esse cumprimento: o fim aceite sem discussão justifica os meios, o fim tornado fetiche implica o suicídio nacional. A "filosofia" do governo é mais oriental do que ocidental, o que quer dizer que este governo, vindo não se sabe de onde, não tem filosofia, isto é, não tem uma perspectiva de crescimento económico e cultural. É certo que Portugal precisa de pagar as dívidas que contraiu ao longo destas duas décadas de deslumbramento, mas o cumprimento do memorando da troika não liberta o seu futuro. Se tivesse uma concepção mais enfática da racionalização, o governo já teria compreendido que as políticas sectoriais só fazem sentido quando inseridas nos quadros de um plano de desenvolvimento estratégico, na ausência do qual são políticas irracionais no sentido de deixarem o país pior do que já está. Um governo que assume o empobrecimento como fim último das suas políticas não é - verdadeiramente - um governo: é um anti-governo que encarna a figura do anti-humano.


Sérgio Monteiro (Secretário de Estado das Obras Públicas) disse que Portugal não tem dinheiro para alimentar as "gorduras" das empresas de transportes públicos. Mas, depois de ter escutado as linhas gerais do seu plano estratégico para os transportes públicos, fiquei sem saber o que são as "gorduras". Paulo Campos (ex-Secretário de Estado) que, pelo que escutei, não merece grande credibilidade, pregou-lhe no final uma finta quando o confrontou com as incongruências do PSD, que antes de ser governo prometia uma coisa, e agora que é governo executa o contrário daquilo que tinha prometido para ganhar as eleições: o novo aeroporto e o TGV não foram abandonados pelo governo. Paradoxalmente, o governo de Passos Coelho comporta-se como o governo de José Sócrates, ou melhor, parece ser a sua versão em miniatura. A ambiguidade de Sérgio Monteiro em relação à construção da linha de Metro do Mondego deixou-me desconcertado. Em momentos cruciais, o governo esquece a austeridade vestida com as roupas da racionalização da pobreza e segue o interesse eleitoral, lembrando a sua filiação social-democrata. Mas a minha perplexidade não foi gerada apenas pelo diálogo entre Sérgio Monteiro e Paulo Campos: os convidados da plateia, entre os quais muitos autarcas, usaram arbitrariamente noções gerais - tais como coesão territorial, coesão social e mobilidade - para garantir a continuidade da própria irracionalidade que nos conduziu à bancarrota. Sérgio Monteiro perdeu a oportunidade para denunciar a irracionalidade vigente: cada "autarca" quer um aeroporto, uma linha de comboio, uma auto-estrada, enfim qualquer coisa móvel, na sua cidade ou vila. A mentalidade do investimento improdutivo - o investimento que endivida sem criar riqueza - continua a estar presente no imaginário político nacional. Muitos dos "exemplos" apresentados pelos autarcas são "gorduras" que devem ser liquidadas de raiz, mas Sérgio Monteiro silenciou a sua voz, deixando Paulo Campos sorrir de satisfação deslumbrada. Ora, este silêncio de Sérgio Monteiro é sintomático: o governo não tem uma visão de conjunto de Portugal e, na ausência dessa visão tão necessária para elaborar um plano de desenvolvimento estratégico, é incapaz de justificar as suas políticas sectoriais. Desgraçadamente, o governo está a perder a oportunidade de operar o salto qualitativo de Portugal, fintando o memorando da troika ao inserir as medidas de racionalização num projecto de crescimento económico e cultural. A execução do memorando da troika sem um projecto de desenvolvimento económico e cultural é um suicídio colectivo. O governo alega que não tem espaço de manobra e tempo para elaborar esse projecto, mas nenhum destes argumentos me convence. Eu penso que é possível cumprir inteligente e criticamente o memorando da troika sem sacrificar a economia e a cultura: o sector dos transportes públicos abre outras vias para além da execução cega, desde que o governo saiba dissolver o abuso ideológico das noções de coesão territorial e social e de mobilidade, eliminando o que não é rentável, rentabilizando aquilo que já é ou pode ser rentável e deixando as regiões desenvolvidas seguir os seus rumos sem as sacrificar nos altares lunáticos das regiões pobres. Se o governo tiver uma filosofia, o futuro não será necessariamente recessivo: os cortes podem ser realizados de modo a promover o desenvolvimento diferenciado do país. Portugal não precisa de mais áreas metropolitanas: as duas - Lisboa e Porto - que tem são suficientes para garantir o desenvolvimento nacional, desde que não sejam sacrificadas para alimentar os sonhos igualitários de regiões que precisam de implementar outros modelos diferenciais de desenvolvimento. A regionalização é necessária para barrar o lunatismo dos autarcas. Mais não digo para não gerar mais "inimigos", embora saiba o que é necessário fazer para arrancar Portugal desta situação de apuro: há, efectivamente, uma concepção de racionalidade amiga do crescimento económico e do desenvolvimento cultural. 


J Francisco Saraiva de Sousa

1 comentário:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O texto anterior já está concluído, mas infelizmente o desenvolvimento tão desejado pelos amigos não foi possível. :)