quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

A Alienação Mental no Porto: Notas para uma pesquisa

Hospital Conde de Ferreira, concluído em 1881
e inaugurado em 1883, tendo como director António 
Maria de Senna, Porto
«Quero que os meus testamenteiros empreguem todo o remanescente da minha fortuna (…), em construir onde julgarem conveniente, um edifício para o hospital de alienados, não devendo gastar no edifício mais da terça parte do remanescente e, acabada a obra e mobilado o hospital, farão entrega à Santa Casa da Misericórdia desta cidade, não só do edifício, mas também dos fundos sobrantes, previamente empregados em efeitos de crédito público, que farão averbar a favor do hospital e à mesma Santa Casa prestarão contas da sua gerência com respeito ao remanescente». (Conde de Ferreira, Testamento)

«Desde que no seio d’uma familia (…) apparece um desgraçado com rasão perdida, urge, em beneficio d’elle e da sociedade, que entre em um estabelecimento preparado com as condições necessarias para socorrel-o com efficacia». (António Maria de Senna)

O meu projecto dos Quadros Portuenses pode vir a incluir um fragmento dedicado à História da Loucura no Porto Oitocentista. De certo modo, o fragmento psiquiátrico previsto - sob o signo do Conde de Ferreira - pode ser visto como um repto à obra de Michel Foucault: Histoire de la Folie à l'Âge Classique (1972). A ideia de elaborar uma História da Psiquiatria no Porto andou sempre associada aos meus esboços de Filosofia Médica, sendo alimentada pela frequência das obras de Foucault, Goffman, Coe, Helman, Lévy, Stone e Rosen. Ontem a leitura do ensaio de José Mattoso, Saúde Corporal e Saúde Mental na Idade Média Portuguesa, despertou em mim a ideia de escrever um quadro portuense dedicado à loucura na época do Conde de Ferreira (1782-1866). Estive a ler um artigo sobre a alienação no Porto (A alienação no Porto: o Hospital de Alienados do Conde de Ferreira (1883-1908) / Pedro Teixeira Pereira. Revista da Faculdade de Letras: História, série III, vol. 06, 2005, pag. 99-128), donde saquei a bibliografia que se segue:

Fontes

1) Fontes Manuscritas (Biblioteca do Centro Hospitalar Conde de Ferreira).
  • Relatório Acerca do Estado das Obras no Novo Hospital para Alienados em Construção no Logar da Cruz», s./f.
  • Testamentaria do Conde de Ferreira, Construção do Hospital de Alienados da Cruz, s./f.
2) Fontes Impressas (Regulamentos e Relatórios).
  • Projecto de Regulamento do Hospital de Alienados do Conde de Ferreira, 1882,  Coimbra: Imp. da Universidade.
  • Regulamento Geral do Hospital de Alienados do Conde de Ferreira, 1883, Porto: Imprensa Real.
  • Relatório do Serviço Medico e Administrativo do Hospital do Conde de Ferreira Relativo ao Primeiro Biennio (1883-1885), Porto: Typographia Occidental.
  • Relatório dos Actos da Mesa da Santa Casa da Misericórdia do Porto (1883 a 1908).
3) Imprensa
  • A Trepanação, 15.06.1888, «Medicina Contemporânea».
  • Bombarda, Miguel, 05.06.1898, Viagens Scientificas, «Medicina Contemporânea», n.º 23.
  • Cardoso, Aguiar, Agosto 1906 – Polícia dos Alienados, «Medicina Moderna», n.º 152.
  • Hospital de Alienados, «Primeiro de Janeiro», n.º 76, ed. 25.03.1883.
  • Sequeira, Montalverne de, 19.08.1888, Hipnotismo e Sugestão, «Medicina Contemporânea», n.º 34.
  • Sequeira, Montalverne de, 10.07.1898, Os Alienados nos Açores, in «Medicina Contemporânea», n.º 28.

Bibliografia

  • Alves, Jorge Fernandes (coord.), 2003, Signo de Hipócrates: O Ensino Médico no Porto Segundo Ricardo Jorge, Porto: Roche.
  • Carvalho, Fernando, 1996, Hospital do Conde de Ferreira: Breve História, Porto: s./ed.
  • Costa, Maria Isabel S. Resende, 1988, Era Uma Vez um Hospital Psiquiátrico, seminário de pré-profissionalização apresentado à Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Ed. do A.
  • Coutinho, Azevedo, 1886, Diagnóstico da Paralysia Geral dos Alienados, Porto: Typographia de Viuva Gandra.
  • Fernandes, Barahona, 1986, História e Desenvolvimento da Ciência em Portugal, O Nascimento da Psiquiatria em Portugal, vol. I, sep. das «Publicações do II Centenário da Academia de Ciências de Lisboa», Lisboa: Academia de Ciências de Lisboa.
  • Fernandes, Barahona, 1933, Manicómios e Clínicas Psiquiátricas: Relatório de uma viagem de estudo a Inglaterra e França, Lisboa: Imprensa Médica.
  • Lemos, Magalhães, 1907, Assistence des Aliénés en Portugal, Porto: s./ed.
  • Lemos, Magalhães, 1908, Notes sur l’Assistence des Aliénés en Portugal, Porto: Oficina Tipográfica do Hospital de Alienados do Conde de Ferreira.
  • Lima, J. A. Pires de, 1939, Alienados Perigosos, Lisboa: Centro Tipográfico Colonial.
  • Mattos, Júlio de, 1911, Elementos de Psychiatria, Porto: Livraria Chardron.
  • Mattos, Júlio de, 1884, Manual das Doenças Mentais, Porto: Editores Porto.
  • Pina, Luís de, 1958, Raízes Brasileiras da Organização Hospitalar Psiquiátrica Portuense, Lisboa: s./ed.
  • Pita, João Rui & Pereira, Ana Leonor, 1993, Liturgia Higienista no Século XIX: Pistas para um Estudoin «Revista História das Ideias», vol. 15, Coimbra: Instituto de História e Teoria das Ideias.
  • Ribeiro, Vítor, 1907, Historia da Beneficência Pública em Portugal, Coimbra: Imprensa da Universidade.
  • Senna, António Maria de, 1886, Beneficios Sociaes do Hospital do Conde de Ferreira no Primeiro TriennioPorto: Typographia Occidental.
  • Senna, António Maria de, 1885, Os Alienados em Portugal: Hospital do Conde de Ferreira, Porto: Imprensa Portugueza.
  • Senna, António Maria de, 2003, Os Alienados em Portugal, Lisboa: Ulmeiro.
  • Senna, António Maria, 1883, Os Attestados Medicos para Admissão de Doentes em Hospitaes d’AlienadosPorto: Typographia Elzeviriana.
  • Vasconcelos, António Emílio Antunes, 1908, A Assistência Familial dos Alienados, Porto: s./ed.
  • Alves, Jorge Fernandes, 1992, Percursos de um brasileiro no Porto: o Conde de Ferreira, Revista da Faculdade de Letras: História, série II, vol. 09, pag. 199-214.
  • Fonseca, A. Fernandes da, 2003, O Hospital Conde de Ferreira e a Psicopatologia, Leituras, Porto.
  • Lemos, Maximiano, 1991, História da Medicina em Portugal, 2 vols., Lisboa: Dom Quixote.

J Francisco Saraiva de Sousa

2 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

«A loucura é a forma mais pura, a forma principal e primeira do movimento com o qual a verdade do homem passa para o lado do objecto e se torna acessível a uma percepção científica. O homem só se torna natureza para si mesmo na medida em que é capaz de loucura. Esta, como passagem espontânea para a objectividade, é momento constitutivo no devir-objecto do homem. /Do homem ao homem verdadeiro, o caminho passa pelo homem louco. /A verdade do homem só é dita no momento do seu desaparecimento; ela só se manifesta quando já se tornou outra coisa que não ela mesma.» (Michel Foucault)

A Loucura na época do Conde de Ferreira vai desmontar a perspectiva de Foucault. Nestas 3 frases, mostra-se um preconceito não visto como tal. Foucault foi vítima de uma noção que devia ter superado.

Há aqui um duplo-movimento que Foucault confunde: o devir-louco é, para ele, devir-objecto. Será assim?

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Afinal, Foucault consegue contornar o problema que lhe coloquei, mas sem tematizar a concepção de doença mental que lhe é subjacente. Porém, a distinção entre o hospital de pasteur e o hospital psiquiátrico é relevante em termos de relação poder-verdade.

Ele tem uma filosofia médica que nunca tematizou como tal - tem um fundo de verdade substancial. A história da medicina no Porto pode ser encaixada na sua cronologia geral do aparecimento e evolução do hospital. Como o conheço bem nem me apercebi que o tinha utilizado para criticar a política de saúde deste governo.

Mas tem o seu ponto fraco: a loucura não é uma mera produção tecnológica.