Hospital de São João e Faculdade de Medicina da Universidade do Porto |
Os portugueses começam a discordar com o modelo competitivo de baixos salários que está a ser implementado por este governo de Direita Retrógrada: o planeamento da pobreza ameaça lançar Portugal na miséria do Estado Novo. Prós e Contras debateu (12 de Dezembro) o Ensino Superior, a Ciência e a Investigação, como aposta no futuro de Portugal. O Ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, apresentou a sua reforma da educação, em especial as linhas gerais da revisão da estrutura do ensino básico e secundário e a reestruturação da rede do ensino superior. No que se refere ao primeiro tópico, ficámos a saber que o ministro brindou o Português e a Matemática, a História e a Geografia com mais tempo curricular, com o objectivo de produzir jovens mais bem preparados para o ingresso na universidade. Nuno Crato considera que a cultura humanista é fundamental para as pessoas se orientarem na vida. Não vou esboçar uma história das humanidades, bastando dizer que o seu objecto principal é a própria condição humana. Mas vou mais longe para dizer que não só as ciências sociais e humanas como também as ciências da natureza devem reclamar a tradição das humanidades e incorporar-se nela: todas as ciências ocupam-se, de uma forma ou de outra, com a investigação da condição humana e do lugar do homem no mundo. A beleza da matemática, tão aplaudida por Lobo Antunes (Conselheiro de Estado), não é indiferente à condição humana, como mostrou Ana Bela Cruzeiro, investigadora portuguesa que estuda o campo das probabilidades e dos processos estocásticos. Escutando-a, fiquei com a impressão de que a matemática é, provavelmente, uma das ciências mais humanas - logo a seguir à Filosofia - do saber ocidental. O Ocidente que inventou a Filosofia e a Ciência, é hoje confrontado com a mundialização da sua ciência e da sua tecnologia: culturas estranhas ao espírito ocidental apoderaram-se delas, mas sem integrar e incorporar a sua tradição humanista. As mais importantes disciplinas das humanidades são a Filosofia e a História. Infelizmente, Nuno Crato privilegiou a História em detrimento da Filosofia, sem compreender que a pesquisa interdisciplinar implica necessariamente a intervenção crítica da Filosofia. A Filosofia construiu ao longo do tempo uma tradição crítica que moldou a matriz da civilização ocidental: anular a Filosofia implica abandonar essa tradição crítica, perder a nossa identidade cultural e praticar a ciência ao nível meramente instrumental das culturas que lhe são profundamente estranhas. A ciência praticada no Ocidente não pode perder a sua marca de origem: a tradição crítica que possibilitou o seu aparecimento. Nesta filiação originária, a ciência e a tecnologia ocidentais podem competir - de modo superior - com a ciência e a tecnologia praticadas nos espaços extra-ocidentais: a consciência como condição de liberdade é algo que marca a nossa diferença no mundo global. Os intelectuais ocidentais devem ligar organicamente a educação à libertação intelectual e política. Por isso, aprovo a intenção de reformular os currículos, de modo a eliminar o currículo oculto que destruiu a educação em Portugal: Nuno Crato foi peremptório quando afirmou que não deseja currículos fluídos; a sua intenção é introduzir currículos mais objectivos e mais exigentes, acompanhados pela avaliação rigorosa dos alunos e pela formação de professores competentes. Uma boa reforma curricular é já uma boa reforma da educação! Desejo que o ministro seja bem-sucedido nessa reforma curricular que visa introduzir rigor e exigência no ensino básico e secundário, libertando-o da tutela de professores incompetentes que - supostamente - aprenderam a ensinar sem, no entanto, saber o que ensinar aos alunos indisciplinados e mimados.
O tema que permitiu operar a transição da revisão da estrutura do ensino básico e secundário para o ensino superior foi a fusão entre a Universidade (Clássica) de Lisboa e a Universidade Técnica de Lisboa, cada uma das quais representada neste debate - moderado por Fátima Campos Ferreira - pelo seu reitor: António Nóvoa (UL) e António Cruz Serra (UTL). Segundo António Nóvoa, para quem a universidade deve ser uma instituição de mudança, mesmo em tempos de crise financeira e económica, a fusão que está a ser negociada entre as duas academias, visa fundamentalmente suprimir o fosso existente entre a Universidade Clássica e a Universidade Técnica de Lisboa, de modo a ganhar escala para conquistar massa crítica, escala ao nível da interdisciplinaridade dos saberes, ao nível da valorização económica e social do conhecimento e ao nível internacional, com intervenção privilegiada no espaço cultural dos países de língua portuguesa. António Cruz Serra reforçou esta perspectiva, destacando a competição inter-universitária, tanto a nível nacional como a nível internacional. Porém, lamentou o facto do país, em especial o governo, não estar a ajudar na tarefa de tornar as universidades portuguesas mais competitivas. A autonomia financeira e administrativa das universidades está a ser posta em questão pelo governo: os cortes cegos no financiamento das universidades - 20% de quebra do investimento público no ensino superior - podem afastar as universidades portuguesas da arena da competição internacional. As melhores universidades do mundo são aquelas que gozam de grande autonomia - autonomia essa que o governo de Passos Coelho quer cercear às universidades portuguesas. João Lobo Antunes que visitou as faculdades ligadas às ciências da vida, defendeu a fusão, alegando que ela permite criar uma universidade com escala e dimensão científica. Além disso, a fusão permite gerar projectos comuns de investigação, com ganho de massa crítica. Uma das áreas a promover nessa nova universidade urbana e internacional será, segundo Lobo Antunes, a área das ciências da vida, o grande desafio do século XXI. Quanto à medicina, Lobo Antunes disse que o grande pensamento será a ciência da translação (sic) da bancada para a cama do doente. A biomedicina lança um novo repto à educação médica: os alunos de medicina devem ser envolvidos na investigação interdisciplinar. De facto, urge introduzir a Filosofia, em especial a Filosofia Médica, no campo da biomedicina, isto é, das ciências biomédicas: a interdisciplinaridade, tão defendida neste debate, deve ser orgânica, tal como ocorreu entre a física e a matemática ou entre a física e a química ou mesmo entre a química e a biologia (biologia molecular), e não o resultado de uma mesa redonda. Althusser criticou isso quando denunciou os abusos da interdisciplinaridade na unificação artificial e externa de diversas áreas disciplinares do saber. Achei encantador o facto de Lobo Antunes ter retomado o velho conceito de ciências da vida, tão do agrado de Georges Canguilhem que esboçou a sua história científica. Fernando Ulrich (Presidente do Conselho Geral da Universidade do Algarve) desmentiu Fátima Campos Ferreira quando esta lhe atribuiu a seguinte afirmação: «A universidade formou canudos sem competências». Na presença de tantos professores universitários, Fernando Ulrich fez um balanço positivo das universidades portuguesas, como se o problema da educação portuguesa residisse mais no ensino básico e secundário do que no ensino superior. Porém, Fernando Ulrich esqueceu que os professores do ensino básico e secundário são formados - ou deformados? - no e pelo ensino superior, o que não abona a favor da sua qualidade. Da sua participação retenho as falas proferidas enquanto empregador no sector bancário: Fernando Ulrich quer - ou diz empregar - pessoas dotadas de conhecimentos e de métodos-hábitos de trabalho, capazes de enfrentar problemas - pensá-los, interpretá-los e solucioná-los de modo criativo - e de trabalhar em equipa. Enfim, um conjunto de competências que todos nós admiramos nas pessoas que trabalham connosco. Será que o ensino superior português fornece esse conjunto de competências aos portugueses?
Com esta questão, voltamos ao discurso de Nuno Crato. De modo a responder a algumas críticas dirigidas ao governo, Nuno Crato acentuou ser necessário um esforço para racionalizar os meios e produzir excelência. Além disso, afirmou respeitar e prezar a autonomia universitária - sobretudo a sua capacidade de criar e gerir os seus próprios fundos, como sucede na escola de economia e gestão, representada neste debate por Fátima Barros (Universidade Católica de Lisboa) - reclamada por António Cruz Serra, sem responder directamente à sua proposta de reorganizar o sistema de ensino superior e de financiar de forma diferenciada aquilo que é diferente ou que produz resultados desiguais, premiando as instituições universitárias que produzem melhores resultados. No domínio da ciência e da investigação científica, Nuno Crato elogiou os seus progressos tremendos, prestando homenagem aos anteriores ministros por terem incentivado projectos sustentados ao longo dos anos e contribuído para a sedução pela ciência entre os jovens portugueses. Apesar do dinheiro não ser infinito, Nuno Crato mostrou-se empenhado na tarefa de internacionalizar a ciência que se faz em Portugal: a ciência "portuguesa" deve sair da sua paróquia para entrar no território universal da ciência que se faz no mundo. Mas, para que isso aconteça em maior escala, é necessário aprender, avaliar, apostar na qualidade do ensino e da investigação nacional, cooperar e concentrar esforços. Continuidade na mudança? Nuno Crato não quer que as estatísticas deformem a realidade: o seu desejo é que as estatísticas reflictam fielmente uma realidade em mudança no sentido da qualificação real - e diferencial - dos portugueses. Por fim, acabou por esboçar uma resposta à questão relativa à reestruturação da rede do ensino superior, de resto exemplificada pela tentativa em curso de fusão das duas universidades de Lisboa. Para Nuno Crato, as universidades portuguesas devem pensar na oferta formativa e tentar - em cooperação - racionalizá-la. A palavra de ordem lançada pelo ministro foi a racionalização da rede de oferta. Esta tarefa de redimensionar a rede de ensino superior vai começar em 2012. Nuno Crato terminou o debate, fazendo uma única promessa: «Concentrar-se no essencial, apostando na excelência». Infelizmente, não posso aprofundar algumas ideias ventiladas pelos participantes neste debate, cujo desenvolvimento se encarregou do seu próprio eclipse. Espero que o sadismo das finanças não roube a palavra ao ministro da educação e ciência, submetendo a sua tutela a uma política economista restritiva!
J Francisco Saraiva de Sousa
2 comentários:
Ai, já tinha dito que vou esboçar o nascimento do hospital psiquiátrico. Não falei dele no texto anterior, porque, de certo modo, há uma nuance que o afasta do hospital médico. Mas antes disso vou concluir a iluminação nocturna do Porto.
Para mim, é um prazer blogar, mas não gosto de ser pressionado. Afinal, não devo nada a ninguém! :)
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