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Feliz Natal 2011! |
«Numa civilização tecnocrata - como a nossa - já não há lugar para a filosofia, a não ser que ela própria se transforme em técnica. Veja o que se passa nos Estados Unidos: a filosofia foi substituída pelas ciências humanas. O que subsiste sob o seu nome é uma espécie de devaneio vago, de reflexão muito geral, que em nada se assemelha à interroga-ção filosófica.
«Há, aliás, um sinal claro desta evolução: a filosofia tende a tornar-se o apanágio dos universitários. É certo que os filósofos entre nós foram sempre professores. Mas outrora procurava-se levar os alunos a tomar consciência dos problemas, deixando-lhes o cuidado de eles próprios os resolverem. Hoje tranquilizam-nos. O filósofo técnico sabe, e diz o que sabe. A verdade está aí, imediata, separada das suas determinações anteriores. Ou, mais precisamente: ela dá-se de uma só vez no presente, como se entre o momento presente e o momento passado houvesse um verdadeiro corte. Um corte que não se explica, mas que se verifica.
«Reencontramos assim o nosso problema inicial. Trata-se sempre de pensar a favor de ou contra a história. Se se admite, como eu, que o movimento histórico é uma totalização perpétua, que cada homem é a todo o momento totalizador e totalizado, a filosofia representa o esforço do homem totalizado para se apoderar do sentido da totalização. Nenhuma ciência pode substituí-la, pois toda a ciência se aplica a um domínio do homem já delimitado. O método das ciências é analítico; o da filosofia só pode ser dialéctico. Enquanto interrogação sobre a praxis, a filosofia é ao mesmo tempo uma interrogação sobre o homem, quer dizer, sobre o sujeito totalizador da história. Pouco importa que esse sujeito esteja ou não descentrado. O essencial não é o que se fez do homem, mas o que ele faz do que fizeram dele. O que fizeram do homem são as estruturas, os conjuntos significantes que as ciências humanas estudam. O que ele faz é a própria história, a superação real dessas estruturas numa praxis totalizadora. A filosofia situa-se nessa charneira. A praxis é, no seu movimento, uma totalização completa, mas ela nunca atinge mais do que totalizações parciais, que serão, por seu turno, ultrapassadas. O filósofo é o que tenta pensar essa superação.
«Para isso, dispõe ele de um método, o único que dá conta do conjunto do movimento histórico numa ordem lógica: o marxismo. O marxismo não é um sistema petrificado; é uma tarefa, um projecto a efectuar. Por toda a espécie de razões, produziu-se na realização dessa tarefa uma paragem. Os marxistas durante muito tempo recusaram interrogar os conhecimentos novos sobre o homem, e por causa disso o marxismo empobreceu-se. A questão, hoje, está em saber se queremos dar-lhe nova vida, alargando-o, aprofundando-o, ou se preferimos deixá-lo morrer. Renunciar ao marxismo seria renunciar a compreender a passagem. Ora, eu penso que nós estamos sempre na passagem, sempre em vias de desagregar produzindo, e de produzir desagregando; que o homem está permanentemente desfasado em relação às estruturas que o condicionam, porque ele é outra coisa do que aquilo que o faz ser o que é. Não compreendo, pois, que se fique pelas estruturas: isso é para mim um escândalo lógico» (Jean-Paul Sartre).
J Francisco Saraiva de Sousa