quarta-feira, 4 de junho de 2008

Sartre e Teoria do Corpo

«O Outro é a morte oculta das minhas possibilidades, na medida em que vivo esta morte oculta no meio do mundo». (Jean-Paul Sartre)
«Toda a realidade humana é uma paixão, já que projecta perder-se para fundamentar o ser e, ao mesmo tempo, constituir o Em-si que escape à contingência sendo fundamento de si mesmo, o Ens causa sui que as religiões chamam de Deus. Assim, a paixão do homem é inversa à de Cristo, pois o homem perde-se enquanto homem para que Deus nasça. Mas a ideia de Deus é contraditória, e perdemo-nos em vão; o homem é uma paixão inútil». (Jean-Paul Sartre)
Na sua obra "O Ser e o Nada: Ensaio de Ontologia Fenomenológica" (Terceira Parte: Capítulo 2), Jean-Paul Sartre apresenta uma teoria do corpo. Sartre distingue três «dimensões ontológicas» do meu próprio corpo: 1) O corpo como ser-para-si ou o meu corpo no seu ser fáctico, no seu ser-em-si-mesmo: eu existo como o meu corpo; 2) o meu corpo no seu ser-para-outro, tal como é utilizado e conhecido pelo outro (corpo-para-outro); e 3) a minha experiência de mim próprio como ser conhecido pelo outro em função do meu corpo.
A fisiologia não é necessária para analisar estas dimensões ontológicas do corpo, porque não está em condição de referir a minha experiência do meu próprio corpo. O conhecimento fisiológico é sempre referido às experiências dos corpos de outras pessoas. A fenomenologia do corpo é completamente distinta da anatomia e da fisiologia do corpo. Sartre é peremptório quando escreve: «A anatomia é o estudo da exterioridade que subentende sempre a facticidade, enquanto tal exterioridade jamais é perceptível, salvo no cadáver. A fisiologia é a reconstituição sintética do vivente a partir dos cadáveres». A fisiologia é incapaz de compreender a vida, porque a concebe como uma modalidade da morte: «o órgão que se observa está vivo, mas não está incorporado à unidade sintética de uma vida, e sim é compreendido a partir da anatomia, ou seja, a partir da morte». Ora, o cadáver é puro passado de uma vida e só é compreendido a partir do transcender que não mais o transcende, porque o «cadáver não está mais em situação».
1. O Corpo como Ser-Para-Si. O meu corpo na sua facticidade é experimentado por mim como portador dos meus «cinco sentidos» e, por conseguinte, como centro de orientação e de referência do meu campo perceptual. Eu não vejo esse centro, porque sou esse centro. Isto significa que experimento o meu corpo como instrumento das minhas acções, capaz de manejar e utilizar outros instrumentos/utensílios. Porém, não manejo a minha mão que utiliza o martelo, porque sou a minha mão.
Como centro do campo perceptual, o meu corpo determina o meu ponto de vista, e como centro das minhas acções, determina o ponto de partida das minhas possibilidades e decisões futuras. Como duplo-centro, o meu corpo é experimentado não só como a minha estrutura fisiológica, mas também como tudo o que determina o meu ponto de vista e o meu ponto de partida: a minha raça, a minha racionalidade, o meu nascimento, o meu passado, etc: «Nascimento, passado, contingência, necessidade de um ponto de vista, condição de facto de toda a acção possível sobre o mundo: assim é o corpo, tal como é para mim» (Sartre). Deste modo, o meu corpo refere-se à consciência: «a consciência existe o seu corpo» (Sartre). Isto significa que «o meu corpo é uma estrutura consciente da minha consciência», na medida em que «a consciência só pode existir o seu corpo como consciência» (Sartre). O corpo pertence às estruturas da consciência não-tética (de) si. Enquanto consciência não-reflexiva, a consciência do corpo confunde-se com a "afectividade original": a apreensão não-posicional de uma contingência, a apreensão pura de si-mesmo como existência fáctica. Sartre identifica esta apreensão do meu corpo com o sentimento de "náusea". Como escreve Sartre:
«A consciência não deixa de "ter" um corpo. A afectividade cenestésica é, então, pura captação não-posicional de uma contingência incolor, pura apreensão de si como existência de facto. Esta perpétua captação pelo meu Para-si de um gosto insosso e sem distância, que me acompanha até nos meus esforços para me livrar dele e que é o meu gosto, é o que descrevemos noutro lugar com o nome de Náusea. Uma náusea discreta e insuperável revela perpetuamente o meu corpo à minha consciência: pode até ser que busquemos o aprazível ou a dor física para nos livrar dela, mas, uma vez que a dor ou o aprazível são existidos pela consciência, manifestam, por sua vez, a sua facticidade e a sua contingência, e é sobre o fundo da náusea que se desvelam. Longe de tomarmos este termo náusea como metáfora decalcada dos nossos mal-estares fisiológicos; é, pelo contrário, sobre o fundamento desta náusea que se produzem todas as náuseas concretas e empíricas que nos impelem ao vómito».
2. O Corpo-Para-Outro. Segundo Sartre, eu capto o outro originariamente como um sujeito para o qual eu sou um objecto e, em seguida, eu converte-o em objecto, recuperando a minha própria subjectividade. Isto significa que o outro primeiro existe para mim e que só depois o capto no seu corpo. Diferentemente do meu próprio corpo, o corpo do outro tem o carácter de uma estrutura secundária e, como tal, é para mim um instrumento entre outros instrumentos que posso utilizar, um utensílio como todos os outros utensílios do meu mundo externo. O meu corpo é privilegiado entre todos os restantes instrumentos porque eu sou este instrumento. O corpo do outro é privilegiado entre todos os restantes objectos porque funciona como o seu centro possível de referência e porque todos esses outros objectos podem ser utilizados por ele como os seus instrumentos/utensílios.
Além disso, o corpo do outro revela-se a mim como a soma total dos seus órgãos sensoriais: a contingência fáctica da existência do outro, o seu puro ser-em-si. De uma maneira vazia, tenho conhecimento do facto de que o outro (convertido em objecto) tem conhecimento do mundo, inclusive de mim mesmo, mas não tenho conhecimento dos seus actos de conhecer, do que ele conhece e como conhece. A contingência consiste no facto de que o corpo do outro está «aqui», embora pudesse estar noutra parte. Sem dúvida, o seu ser-aqui traduz-se no seu ser-como-tal-e-tal, isto é, como pertencente a esta raça, a esta classe, a este ambiente, etc. Assim, o corpo do outro é-me dado desde o princípio como um corpo dentro de uma situação e, por essa razão, não posso separar o corpo do outro das acções do outro. Só o cadáver deixa de estar dentro de uma situação, portanto, dentro de uma unidade sintética de vida: «(...) Só os mortos podem ser perpetuamente objectos sem converter-se jamais em sujeitos, porque morrer não é perder a própria objectividade no meio do mundo: todos os mortos estão aí, no mundo à nossa volta; morrer é perder toda a possibilidade de revelar-se como sujeito a um outro» (Sartre).
3. O Corpo Conhecido pelo Outro. A terceira dimensão da minha experiência do meu corpo origina-se na comoção de encontrar o outro que me olha. O meu corpo já não determina exclusivamente o meu ponto de vista: o outro tem uma perspectiva do meu corpo e uma perspectiva que eu próprio não posso ter. Os meus órgãos sensoriais são incapazes de apreender-se a si mesmos e são agora experimentados como sendo apreendidos pelo outro. O meu corpo, que era até agora o instrumento que eu sou e que não pode ser utilizado por nenhum outro instrumento, é agora experimentado como sendo para o outro um instrumento entre todos os seus instrumentos. Ao mesmo tempo, o meu corpo escapa-me, aliena-se de mim: o meu corpo-para-mim converte-se em corpo-para-o-outro. O outro parece cumprir em relação a mim uma função que eu não posso desempenhar: vê-me como eu sou. Finalmente, consigo aceitar olhar-me com os olhos do outro. Deixo de experimentar o ser o meu corpo e começo a ter conhecimento dele. O corpo do outro é a totalidade das suas relações significantes com o mundo, as quais não podem ser distinguidas do ser-para-si do outro. Com esta perspectiva, Sartre pretende evitar referir o corpo do outro a uma "psique misteriosa": as significações descritas são esta psique; não se referem a algo situado «para além do corpo», mas somente ao mundo e a outras significações. Assim, os gestos expressivos não indicam as emoções do outro; são essas emoções. O "objecto psíquico" está completamente dado na percepção dos gestos corporais e da sua referência a outros gestos. As formas expressivas da conduta do outro são percebidas como compreensíveis e, por isso, o seu significado constitui um elemento do seu ser. O corpo do outro, na sua acção em curso, é captado por mim imediatamente como transcendendo o seu presente através de cada significação particular para um fim que pertence ao seu futuro.
A linguagem ensina-me a estrutura que o meu corpo tem para o outro e o quadro conceptual linguisticamente mediado e fundado deriva completamente da minha interacção "social" com o outro. Surge assim um sistema de correspondências verbais que designam o meu corpo tal como aparece ao outro, e que utilizo para determinar como o meu corpo aparece a mim mesmo. É a este nível que ocorre a assimilação do corpo do outro com o meu próprio corpo mediante a analogia: o meu corpo para o outro é o que o corpo do outro é para mim. Isto pressupõe que, em primeiro lugar, tenho descoberto o outro na sua subjectividade objectivadora e, portanto, como objecto, e que, a seguir, tenho experimentado o meu próprio corpo como um objecto. Isto significa que as duas objectividades, o objecto-corpo do outro e a objectividade do meu próprio corpo, são pressupostas antes da intervenção do princípio de analogia ou de semelhança. Mediante um acto de pensamento reflexivo, devo primeiramente constituir o meu corpo como um objecto da minha cognição. Esta noção conceptual do meu corpo é constituída em termos da cognição conceptual que o outro tem do meu corpo. Daqui resulta que a noção que tenho do meu próprio corpo não pode ser reconciliável com o ser fáctico do meu corpo no seu ser em-si-mesmo. Este conceito refere-se, de uma maneira vazia, à sua alienação perpétua. Eu não vivo essa alienação; apenas a constituo, transcendendo a existência fáctica dada em direcção a um quase-objecto que já não me é dado, mas que tem um carácter meramente significativo.
Destas considerações decorre que, se sou originariamente "experiência do outro", então só me restam "duas atitudes primitivas" que posso adoptar em relação ao outro: "Transcender a transcendência do outro ou, pelo contrário, incorporar em mim esta transcendência sem a privar do seu carácter de transcendência" (Sartre). As condutas pelas quais o Para-si tenta assimilar a liberdade do outro reduzem-se afinal ao sadismo e ao masoquismo e ambas as relações conflituais estão condenadas ao fracasso.
Anexo: Recomendo as seguintes leituras: os dois últimos posts da Denise sobre "Literatura para a Infância", "Literaturas Africanas em questão", e o conto "O Filho Atribulado" do amigo Goggly. O aniversário deste blogue foi recordado AQUI.
J Francisco Saraiva de Sousa

68 comentários:

E. A. disse...

Vc é super-cómico.
Já deixei um comment.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Já vi o seu comentário. Obrigado! :)
Agora vou aplicar a teoria à realidade virtual real: alargar o diálogo e a linguagem da recusa.
Este mês sou capaz de editar muitos posts de filosofia, porque já estão alinhavados: o meu problema é corrigi-los. Ou talvez editá-los mais espaçadamente, porque o trabalho não permite estar sempre a improvisar temas.
Estive para eliminar alguns comentários que fiz ontem, mas seria "desleal". Estava a brincar e a tentar controlar os "nervos cansados de conduzir tanta informação de luso-lixo". :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

E estou com saudades da minha "morta querida"... Enfim, desejo o impossível!

E. A. disse...

Pois, caro Francisco, daí que o anonimato ou pseudo-anonimato seja confortável, ou então, têm-se conversas paralelas... ;)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Como diz Sartre, os cadáveres deixam de estar em situação: apenas guardamos lembranças deles que se tornam cada vez mais difusas com o decorrer do tempo, embora a saudade esteja sempre intensamente viva. Além disso, é preciso esquecer um pouco para não sermos invadidos por uma profunda tristeza, que revela a nossa impotência total diante da morte: não voltaremos a estar em situação. Nunca mais...

André LF disse...

Bela escolha de tema!
Deixarei um comentário em homenagem a este encantador espaço virtual, mais real do que muitos outros :)

André LF disse...

Já deixei meu comentário, Francisco!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Amigos

Hoje só faço pedidos: Deixem um abraço grande no blogue do Fernando Dias, um abraço muito grande, cheio de alento e de amizade. Ele é especial!

Obrigado André!

Fernando Dias disse...

O espírito que nos anima é o mesmo.
Já deixei o meu comentário no Aniversário de blogues com afecto, simpatia e amizade.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Fernando Dias

É sempre tão agradável receber a sua visita! Uma honra! Obrigado pelo seu comentário!
Já somos uma comunidade de afectos e de laços profundos. Fico feliz... por ter tantos amigos. A Internet revela o nosso lado bom, belo e verdadeiro.

Abraço

Denise disse...

Um dia eu escreverei lá no RG o como perspectivo serenamente a morte. A minha e a dos que me são queridos ...

E já lá fui fazer um tchim-tchim
;-)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Um beijinho de agradecimento para a minha querida amiga Denise, com quem gosto de conversar. :)

Denise disse...

A sua safa, F., são os seus beijinhos de que gosto imenso! :)))

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

De facto, encarar o outro como mero instrumento com o qual entro em conflito visando a sua submissão ou supremacia é uma excelente estratégia de sobrevivência: sofremos menos!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Porém, o destino quis que o homem fosse mais sádico e a mulher, mais masoquista, embora hajam casos de cruzamento de traços. Hummm..., é bom dar "pancada" ou "trepa"!

Fernando Dias disse...

“Eu não vejo esse centro, porque sou esse centro…meu corpo refere-se à consciência” – Exactamente.

Há o corpo ‘Körper’, que é o corpo no sentido de estrutura física e ‘körperlich’, que é aquilo que é percebido pelos sentidos. A expressão “meu corpo” é uma maneira de falar. Não há nenhum ‘eu’ dentro do corpo para além do corpo ‘Korper’.

Mas também há o corpo ‘Leib’, que é o corpo no sentido experiencial vivido. O ‘eu’ não é ‘encarnado’ como algo de fora ou separado do corpo, mas é uma propriedade emergente, inseparável do corpo ‘Leib’cognoscente em interacção com o seu meio ambiente. O conhecimento é imediato e não mediado pelos sentidos – como por exemplo nas situações de dor ou de medo.

Estes dois aspectos da ‘corporalidade’ (‘Körper’ e ‘Leib’) não são antagónicos. ‘Leiblich’ é a ‘Corporalidade’ do conhecimento e da experiência vivida num contexto ou em interdependência com o meio ambiente.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Fernando Dias

Sim, concordo com as distinções que faz, aliás formuladas por Plessner e a antropologia filosófica. Sartre também a faz ou melhor tenta acabar com os dualismos. Claro, a tradução literal não soa bem em português, nem em francês.
Porém, Sartre conserva o Para-Si como "centro de decisão". E com razão: Se abolirmos o Eu, aquele si mesmo dotado de força potencial para recusar o sistema e decidir outra realidade social, então ficamos aprisionados na lógica do sistema de dominação estabelecido. O Eu que não existe sem ser como corpo vivo é necessário por razões políticas e o Corpo sozinho deixa-se colonizar facilmente, tornando-se corpo doméstico e condicionado.

Este predomínio do Corpo e dos valores corporais na nossa sociedade significa, politicamente, apatia social e resignação, portanto, atrofia mental e cognitiva.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Fernando Dias

Não há como escapar à facticidade da nossa existência: estamos em situação.

Porém, a força da mente humana criou a Internet e, na rede, podemos experimentar muita coisa nova, completamente "alienados" no CyberSelf, aquele Si sem Corpo: um campo de experimentação e de reconstrução da Identidade. Podemos mudar de género ou de personalidade, imaginar novos corpos: o Self liberta-se dos constrangimentos fácticos da nossa situação (real) no mundo.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O CyberSelf pode desafiar Sartre e a sua análise da existência humana: puro jogo! Depois a facticidade retoma em força o rumo da nossa vida: somos corpo vivo em situação.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bem, dou por concluído este post: não podemos dizer tudo ou tentar explicar tudo. O que foi dito é suficiente para se compreender Sartre.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ou então, podemos encarar as experiências virtuais como extensões do corpo localizado num espaço real: o CyberCorpo. Milagre tecnológico!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

E não estou a pensar na telemedicina ou noutra tecnologia adicional: basta a comunicação on-line para produzir campos corporais que podem interferir nos mecanismos corporais à distância. As emoções on-line não são expressas por ícones ou smiles; são simplesmente emoções. A comunicação interfere, como na vida off-line, com a fisiologia corporal, produzindo reacções reais. Esta tecnologia é altamente indutora de reacções...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

As extensões do corpo em espaço virtual constitui, portanto, um dos temas da antropologia virtual que pode ser analisado em confronto com a filosofia do corpo e a antropologia filosófica.

Sem esses estudos torna-se difícil avançar com um conceito profundo da cyberantropologia, a não ser defini-la como o estudo dos comportamentos online.

Anónimo disse...

J Saraiva de Sousa,

Obrigado pelo comentário.
Ainda não tive oportunidade de ler na totalidade o seu «Sartre e Teoria do Corpo» - ainda que tenha lido a passagem do filósofo francês e ter aviltrado sobre a teoria do em-si e suas relações com Deus -, mas deixo desde já as minhas sinceras felicitações pelo blogue.

Seu amigo,
Goggly.

PS:Não se preocupe, eu tenho visto o blogue diariamente, ainda que hoje o amigo não tenha publicado qualquer artigo.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Olá Goggly

É verdade. Hoje não publiquei nada, estou um pouco cansado ou talvez saturado da luso-blogosfera.
Mas vivemos em Portugal. :(
Gostei muito do seu conto, porque me fez pensar em Dostoiévski, especialmente "O Idiota", um livro que gosto. Há uma ligação forte entre este autor russo e o existencialismo de Sartre.

Abraço

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

E outra ligação com "O Idiota da Família" de Sartre (Flaubert). :)

Anónimo disse...

Sim, de facto, inspiro-me em grandes mestres da literatura russa, nomeadamente Fiódor Dostoiévski e sobretudo Nicolau Gógol. Sim, «O Idiota» é uma obra muito edificante. Curiosamente, este último conto que estou a escrever, «Estrangeiro diletante», tem laivos de «O Idiota»; mas eu não sou talentoso - e a minha pena é hesitante, de maneira que não descortino um final; apenas me tenho concentrado no papel trágico do Princípe Míchkin durante a sua aventura em terras russas, assim como acontece com o «meu» Alexandre Urbino.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Goggly

Adoro Gogol: a literatura tem uma força que só lhe pertence. Até o "realismo socialista" de Gorki é bom. Um imaginário nocturno, uma alma profunda. A nossa literatura portuguesa é tão pobre diante da literatura russa, embora alguns vejam afinidades entre elas.
Vou ler o seu "Estrangeiro Diletante": o seu último conto em andamento. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Goggly

Acredito que a sua "pena hesitante" de momento vai "descortinar um final", porque tenho reparado de sabe definir as suas personagens e fá-lo com prazer. Isto é fundamental para quem trabalha com a língua(gem) e os universos literários. Confiança e Força com a pena! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Goggly

Umas palavras de ânimo de Sartre ("A Náusea"):

"Sou livre; já não me resta nenhuma razão para viver; todas as que experimentei cederam, e já não posso imaginar outras. Estou ainda bastante novo, tenho ainda forças suficientes para recomeçar. Mas recomeçar o quê? (...)

"(...) Só os safados é que julgam ganhar. Agora vou fazer como Anny, vou sobreviver. Comer, dormir. Dormir, comer. Existir lentamente, suavemente, como aquelas árvores, como uma poça de água, como o assento vermelho do eléctrico.

"A Náusea concede-me uma trégua curta. Mas sei que voltará: é o meu estado normal. Somente, hoje o meu corpo está cansado de mais para a suportar" (Sartre).

André LF disse...

Força, Goggly! Pelo que vejo, sua pena hesitante é muito fecunda. Pretendo ler, com calma, os vossos contos.
Também gosto de escrever contos, mas não os publico. Sou muito autocrítico.
Vejo que vc aprecia literatura russa, principalmente Dostoiévski. Está em excelente companhia.

André LF disse...

Francisco, a literatura russa é muito grandiosa, abarca universos inauditos. As outras literaturas ficam pequenas diante dela.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

André

Tinha suspendido a decisão. Estou stressado por causa da decisão da UEFA e das mentiras jornalisticas. Montaram uma cabala contra o Porto; agora fingem estar preocupados com a imagem de Portugal no mundo. Espero que a SAD do Porto deixe de ser reduzida e não acredite nos lisboetas: uns sacanas ou safados como diz Sartre.

Cresci a ler os autores russos, muito antes de ler os portugueses. Poor isso, não falo a mesma língua que os portugueses, aliás muito maus e invejosos. Tem razão naquilo que diz; por isso, vou poupar-me mais e evitar falar muito. Regresso ao meu castelo interior.

Não se preocupe com a Papillon, nem se julgue responsável. Eu assumo a responsabilidade: devia ter desconfiado e ficado calado. Portugal é lixo mental e cognitivo. Má gente esta!

Denise disse...

Ó Francisco,
Calma lá aí... que eu sou portuguesa e não me revejo nesse retrato tão malidicente desta nossa gente!
:-(

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

André

Comentário eliminado.

Denise

A verdade é essa: Portugal não é feito de gente honesta; as excepções só confirmam a regra. Sem assumir isso, nada irá mudar para melhor. É assim...

Denise disse...

Ora, esse é o retrato da humanidade. Não dos portugueses...
Depois há as excepções, e são muitas, que nos mostram que há esperança no ser humano!

(acabei por eliminar o meu comment tb, pq só tinha sentido depois do do André)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Mas os outros avançaram e nós nunca saimos do mesmo sítio, devido à mediocridade inata. :-(

Denise disse...

Ai, Francisco! Vou-lhe contar uma história:
Era uma vez um velho goês que morava em Portugal. Esse velho goês era um velho culto e inteligente. Lia muitos livros, muitos jornais e não perdia uma edição televisiva de informação. Esse velho goês andava desiludido com o mundo ocidental, sobretudo com Portugal. Era um velho sorridente que foi amargando com o apssar dos dias. Tanto, que começou a amargar os que o rodeavam. A certa altura, o velho goês só sabia discutir e passou a se refugiar no seu mundo interior porque ninguém o compreendia.
Um dia perguntei-lhe por que motivo não emigrava, mas para o exterior. Por que não abria um consultório num dos países orientais que tanto sublimava e participava em movimentos de solidariedade despretenciosa.
O velho goês encolheu os ombors.
O certo é que ainda habita por cá e é um cidadão português...

André LF disse...

Francisco, li hoje uma revista sobre Hanna Arendt. Eis uma pequena parte sobre ela:

"Arendt freqüentemente se descreveria citando uma canção de Schiller (1975-1805), Das Mädchen aus den Fremde, a menina vinda do estrangeiro, do desconhecido e não familiar: Diria também que apenas os diferentes, os párias conscientes de sua diferença e de sua exclusão, representam a verdadeira e digna humanidade, de modo que a condição primeira de todo intelectual deveria ser o anticonformismo social”.

Ela também sentia a emigração interior.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Um belo texto, mas, para mudar, é preciso fazer o diagnóstico certo. Enquanto não houver mudança real de pessoas, não há mudança. As mesmas pessoas não podem ser simultaneamente responsáveis pela miséria e libertadoras. Por isso, nada tem mudado. São sempre os mesmos corruptos. :(

André LF disse...

Cheguei a pensar que, segundo Harendt, a condição de todo verdadeiro pensador é o sentimento de emigração interior.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

André

Sim, ela, ou melhor, os judeus, viveram-na na carne e no espírito.
Arendt saiu cedo da Alemanha e assumiu-se como judia.

(O comentário anterior era para a Denise.)

Denise disse...

"As mesmas pessoas não podem ser simultaneamente responsáveis pela miséria e libertadoras."

Bem..., o velho goês não era directamente reponsável. Era tão responsável quanto cada um de nós, quanto eu, o F. ou o André...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Schiller é lindo..., a educação estética da humanidade. :)

Denise disse...

Concordo consigo, André. Mas há que ter cuidado para evitar a alienação total...

André LF disse...

Sem dúvida, é preciso fazer o diagnóstico certo. Mas para isso é fundamental se distanciar do mundo metabolicamente reduzido. Entendo a emigração interior como uma visão de sobrevôo, como a da águia. Somente por meio deste distanciamento é que se torna possível a mudança.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ui Denise

Só critico os homens do poder estabelecido.

Denise disse...

Subscrevo, André ;-)

Denise disse...

Mas, F., esses homens (e essas mulheres) estão onde estão porque nós o permitimos... certo?

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Qqualquer pensador é alienado, porque o poder corrompe o pensamento.

Denise disse...

Ah!, agora compreendo por que há gente que me chama de alien!
Cabecinha pensadooooora!
:))))

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sim, certo. A mudança não parte do povo e, se tivessemos dependentes do povo português, não vamos longe, aliás nunca fomos longe.
Não acredito nesta democracia...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Tenho o pressentimento que a Terra está em mudança e essa mudança vai expulsar-nos do paraíso terrestre: a nossa vida vai ser dura em todos os sentidos.
Pensando bem, nem vale a pena escrever: não temos audiência...

Denise disse...

Apesar de antes a Democracia, sempre, que...

Churchill dizia que "a democracia é o pior dos sistemas; excepto todos os outros."

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Porque a sociedade metabolicamente reduzida é terrível: António Vieira fazia o sermão aos peixes; nós já nem peixes temos.

Denise disse...

Se não escrever perde a oportunidade de contrariar a massa amorfa.
A sua escrita mudou o meu mundo interior. Nem sempre concordo consigo, mas o F faz-me pensar, nem que seja para comsolidar ideias anteriores...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Mas que democracia é esta? Do Dinheiro? Ora, Spengler já tinha avisado: Guerra...

Denise disse...

Por falar no vil metal, gostei imenso do post do Manuel!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Realmente, não temos soluções saudáveis para os problemas que criámos. Qualquer solução arrasta o problema e agrava-o. Até os filmes de ficção científica prevêm um futuro triste e inestético.

Denise disse...

Sobre a transformação da terra... de acordo com a doutrina que abracei, o nosso planeta, que é um planeta de provas e expiações está a caminha para uma regeneração.
Vão surgir mudanças, sim. Mas para melhor :)

Anónimo disse...

Vejo que os meus amigos estiveram a discutir sobre os meandros da literatura russa e o seu «universo inaudito», como alguém disse certamente. Mas eu não me quero envolver nas vossas discussões, se mo permitirem, já que sou um homem pusilânime. Porém, é agradável verificar que os amigos se envolvem imenso nas questões da vida.
J. Saraiva de Sousa, quem procura impreterivelmente o conhecimento é sinal que leva a vida a sério: é aí que reside fundamentalmente a nossa empatia. Não veja nas minhas intenções qualquer atitude ignóbil, até porque acredito em si e na empatia que estabelecemos. Apenas não me quero envolver em discussões de teor filosófico, já que não me considero filósofo. A filosofia de hoje tem a marca vetusta de questões que não servem necessariamente o homem. Noções como «Felicidade», «Vontade» e «Coragem» são questões clássicas – essas, sim, questões que o homem moderno devia acalentar no seu seio.

Anónimo disse...

Nesta sua postagem aborda a questão essencial do corpo. Mas não é necessário supracitar, apesar de tudo corresponder a um nada – como citou Sartre nos seus estudos sobre a fenomonologia.
Sempre me questionei sobre o meu próprio corpo, o ser-para-si, pois o corpo como ser-para-outro é uma noção que alvitro com conhecimento inócuo. Acontece que o ser-para-si – e queira desculpar a minha ignorância em questões desta natureza -, é algo que nos transcende, na medida que ocupa uma extensão da nossa consciência, porque está directamente «inclinado» para nós. Porque procurar compreender o corpo como ser-para-si é julgar a sua própria consciência. Parece mal fundamentado; mas então surge o corpo-para-corpo, que é uma noção pueril comparada com o corpo ser-para-si.
Enfim, são questões que ocupam o nosso espírito como uma leve pena que desce levemente das nuvens. Isto recai sobre o corpo ser-para-si. Já a noção de ser-para-outro é a correspondência imediata da nossa consciência sobre as nuvens.
Depois queira responder ao meu comentário; talvez possa fundamentar o que acabo de escrever.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Goggly

O Para-Si é a consciência e esta é o Nada. O Em-Si é simplesmente opaco, como diz Sartre. A relação do Si como o corpo (a consciência existe o corpo) objectivado vem depois de o outro me objectivar com o seu olhar. Existem níveis e esse que refere é já epistémico.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Um esclarecimento adicional: Ao contrário do que se diz frequentemente, eu não vejo em "O Ser e o Nada" de Sartre uma obra avessa ao marxismo. A "Crítica da Razão Dialéctica" de Sartre limita-se, no extremo, a substituir o Para-Si pela Praxis Individual; porém, o motivo dialéctico já estava na primeira obra na leitura da dialéctica do Senhor e do Escravo de Hegel, que Sartre retoma de Kojève. Daí em parte o ultrabolchevismo de Sartre.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Goggly

Uma das questões que coloca parece estar alicerçada sobre uma rejeição do corpo para outro, como se pudesse objectivar o seu próprio corpo sem ter sido objectivado pelo olhar do outro.

Sim, pode dizer não ao outro e optar por um corpo autista ou mesmo onanista, como mostrou Sartre em relação a Flaubert, mas ciente de que foi lançado no mundo sem ter sido previamente convocado. A fenomenologia de Sartre é existencial: a existência precede a essência, como ele diz em "O Existencialismo é um Humanismo". E é uma filosofia da liberdade...

Lenhador disse...

Será que alguém pode esclarecer qual é a relação entre a transcendência e o corpo como ser-para-si?

Lenhador disse...

Será que alguém pode esclarecer qual é a relação entre a transcendência e o corpo como ser-para-si?

Daniel Alabarce disse...

olá, tudo bem?

Estou pasmado com seu blog, cara! É muito bom mesmo!

Estou utilizando algumas referências deste texto seu sobre o corpo num trabalho da faculdade. (estou fazendo a citação no trabalho, fica tranquilo, rsrs)

um abração, cara! dá uma passada no meu blog depois.
até mais!