"O
espectáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens" (nº.4). "O espectáculo não pode ser compreendido como o abuso de um mundo da visão, o produto das técnicas de difusão massiva de imagens. Ele é bem mais uma
Weltanschauung tornada efectiva, materialmente traduzida. É uma visão do mundo que se objectivou" (nº.5). "Não é somente pela sua hegemonia económica que a sociedade portadora do espectáculo domina as regiões subdesenvolvidas. Domina-as enquanto
sociedade do espectáculo. Lá onde a base material ainda está ausente, a sociedade moderna já invadiu espectacularmente a superfície social de cada continente. Ela define o programa de uma classe dirigente e preside à sua constituição. Do mesmo modo que apresenta os pseudobens a cobiçar, ela oferece aos revolucionários locais os falsos modelos de revolução. O próprio espectáculo do poder burocrático, que detêm alguns dos países industriais, faz precisamente parte do
espectáculo total, como sua pseudonegação geral e seu suporte. Se o espectáculo, olhado nas suas diversas localizações, mostra à evidência especializações totalitárias da palavra e da administração sociais, estas acabam por fundir-se, ao nível do funcionamento global do sistema, numa divisão mundial das tarefas espectaculares" (nº.57). "O movimento de
banalização que, sob as diversões cambiantes do espectáculo, domina mundialmente a sociedade moderna, domina-a também em cada um dos pontos onde o
consumo desenvolvido de mercadorias multiplicou na aparência os papéis a desempenhar e os objectos a escolher. As sobrevivências da religião e da família — que permanece a forma principal da herança do poder de classe —, e, portanto, da
repressão moral que elas asseguram, podem combinar-se como uma mesma coisa, com a afirmação redundante do
gozo deste mundo, este mundo não sendo justamente produzido senão como pseudogozo que conserva em si a repressão. À aceitação beata daquilo que existe pode juntar-se como uma mesma coisa a
revolta puramente espectacular: isto traduz o simples facto de que a própria
insatisfação se tornou uma mercadoria desde que a
abundância económica se achou capaz de alargar a sua produção ao tratamento de uma tal matéria-prima" (nº.59). A sociedade da abundância é uma sociedade do espectáculo e é, como tal, que ela é alvo da crítica radical de Debord.
PIERRE BOURDIEU. Bourdieu reflecte sobre a
violência oculta, sem se cingir aos princípios do estruturalismo. As suas análises das atitudes e das
práticas culturais baseiam-se na noção de
habitus. Este termo designa um sistema estável de disposições para aprender e agir que contribui para reproduzir nas suas desigualdades uma ordem social estabelecida. A sociedade — ou a formação social — é definida como um sistema de relações de força e de sentidos entre grupos e classes sociais.
Na obra que escreve juntamente com Jean-Claude Passeron —
A Reprodução: Elementos para uma teoria do sistema de ensino —, Bourdieu constrói uma
teoria geral das acções de
violência simbólica e das condições sociais da
dissimulação desta violência. As relações sociais são puras
relações simbólicas. Assim, a
Escola produz ilusões, uma das quais — a ilusão da independência e da neutralidade escolares — está na base da contribuição mais específica que a Escola proporciona à
reprodução da ordem estabelecida. A Escola reproduz a estrutura da distribuição do
capital cultural, favorecendo sempre os indivíduos provenientes das classes mais poderosas economicamente ou mesmo politicamente. A Escola reproduz desigualdade e
exclusão. Seria interessante comparar esta perspectiva de Bourdieu com a concepção althusseriana da Escola como
Aparelho Ideológico de Estado ou com a proposta de uma
sociedade sem escolas avançada por Ivan Illich.
JEAN BAUDRILLARD. Baudrillard publicou em 1972 uma obra intitulada
Para uma Crítica da Economia Política do Signo, cujo capítulo dedicado aos
mass media - «Requiem pelos media» - é uma crítica cerrada às teses socialistas defendidas por Hans Enzensberger, segundo as quais só uma prática revolucionária pode libertar a
virtualidade de intercâmbio democrático inscrita nos
media - entendidos como
indústrias da consciência - e confiscada e pervertida hoje pela ordem dominante e as suas
classes dirigentes. Contra estas teses optimistas quanto ao uso revolucionário dos
media, Baudrillard nega a existência da
teoria dos media, rejeitando o seu potencial subversivo, mais precisamente a restituição dos
media à
sua vocação social de
comunicação aberta e de
troca democrática ilimitada, ao seu verdadeiro destino socialista de tomada de consciência revolucionária das massas:
«Não é como veículo de um conteúdo, mas na sua forma e na sua própria operação, que os
media induzem uma relação social, e tal relação não é de exploração, é de
abstracção, de separação, de
abolição da troca. Os
media não são
coeficientes, mas
efectuadores de ideologia. Não só não são revolucionários por destino, mas nem sequer são, alhures ou virtualmente, neutros ou não ideológicos (o fantasma do seu estatuto «técnico» ou do seu «valor de uso» social). /O que caracteriza os
media de massa é que eles são antimediadores, intransitivos, fabricam não-comunicação — se aceitarmos definir a comunicação como uma
troca, como o espaço recíproco de uma palavra e de uma
resposta, portanto de uma
responsabilidade —, e não uma responsabilidade psicológica e moral, mas uma correlação pessoal de um com outro na troca. /Ora, toda a arquitectura actual dos
media se funda nesta última definição:
eles são o que proíbe para sempre a resposta, o que torna impossível qualquer processo de troca (a não ser sob formas de
simulação de resposta, elas próprias integradas no processo de emissão, o que não altera em nada a unilateralidade da comunicação). Aí reside a sua verdadeira abstracção. E é nesta abstracção que se funda o sistema de controlo social e de poder».
HENRI LEFEBVRE.
Contra os tecnocratas é a obra que Lefebvre publica em 1967 para criticar o
estruturalismo e a sua enorme influência sobre as ciências sociais e humanas. Eliminando qualquer elemento da
vida quotidiana, o estruturalismo — elevando-se à abstracção suprema — reforça a ideia da
fatalidade da coerção e do controlo, preparando o advento dos
cibernantropos e tecnocratas. Da
coisificação da estrutura resulta a aniquilação da vontade humana para mudar as coisas para melhor.
O estruturalismo eleático é, pois, a ideologia dos tecnocratas: a libertação social torna-se impossível quando se encara o homem como o suporte de um jogo de estruturas sociais e ideológicas.
O estruturalismo reflecte o
cansaço da história que se apoderou dos pensadores ocidentais na segunda metade do século XX: a
matematização das ciências sociais e as novas técnicas de investigação social deslocaram o pensamento histórico do lugar que ocupava no âmbito da Ilustração e do Idealismo Alemão. A orientação no
sentido quantitativo reforçada pelo
neoliberalismo conduziu à perda do sentido histórico e da consciência histórica: a sociedade e a cultura são concebidas como algo totalmente independente da consciência dos indivíduos. Adorno cunhou o termo
atrofia da consciência histórica para designar a
debilitação do eu e A. Schmidt criticou a interpretação estruturalista de Marx realizada por Althusser. Os marxismos de Lefebvre e de Schmidt procuram salvaguardar a
dialéctica da libertação, em particular a
dialéctica da vida quotidiana.
MICHEL FOUCAULT. O pensamento de Foucault (1926-1984) sofreu uma alteração significativa no seu percurso: a passagem de uma
arqueologia do saber para uma
genealogia do poder. Analisaremos uma das obras mais significativa de cada um desses períodos:
As Palavras e as Coisas (1966) e
Vigiar e Punir (1975).
A ARQUEOLOGIA DO SABER. Na primeira obra -
As Palavras e as Coisas, Foucault propõe uma
arqueologia das ciências humanas: uma história que não é a de uma perfeição crescente dos conhecimentos, do seu progresso em direcção da objectividade, mas antes a das suas condições de possibilidade, a das configurações que deram lugar ao seu aparecimento. Foucault explicita os sucessivos e vincados
epistemes que definem os sistemas de pensamento na formação da cultura ocidental, desde o fim do século XVI até o início do século XIX, o mesmo período que já tinha estudado na
História da Loucura na Idade Clássica (1961). O período estudado não ilustra um progresso contínuo da razão; pelo contrário, é marcado por duas
rupturas subterrâneas que configuraram historicamente as nossas maneiras de pensar. A primeira ruptura ocorreu no fim do Renascimento e marca a emergência da Idade Clássica (século XVII): a actividade intelectual e artística é concebida no interior de uma
problemática da representação, que Foucault ilustra com a
linguística de Port-Royal e as
Meninas de Velásquez. A segunda ruptura, localizada na articulação do século XVIII com o século XIX, rompe com problemática da representação, fazendo emergir um modo de pensamento centrado na
noção de sujeito, aquilo a que chamamos a
problemática da filosofia da consciência: a nova ideia que surge é a de que o homem é, ao mesmo tempo, o autor e o actor da sua própria história, o que implica a promoção da
ciência histórica à posição de "mãe de todas as ciências humanas". Esta segunda ruptura inicia uma nova idade: a Idade da Modernidade que ainda é, de certo modo, a nossa.
Foucault destaca basicamente duas conclusões da sua pesquisa. A primeira conclusão é teórica: a evolução do pensamento efectua-se de modo
descontínuo, como já sabiam Bachelard e Koyré. Cada época tem o seu próprio tipo de pensamento que está prisioneiro dos limites que lhe são atribuídos pela estrutura empiricamente determinada subjacente à cultura desse período: a
episteme constitui essa estrutura, o alicerce discursivo comum a todas as formas do saber e dos seus discursos. A
mudança de estruturas só pode ser operada por uma ruptura subterrânea, anónima e brutal na nossa maneira de pensar e de encarar o mundo: a ruptura transforma a
episteme, deslocando os limites do pensável e abrindo o horizonte para uma outra forma de pensar. Na sua obra
A Arqueologia do Saber (1969), Foucault demarca-se do estruturalismo, afirmando que o que lhe interessa não é o estudo das estruturas em si mesmas, mas sim a compreensão de como os nossos
discursos são produzidos e limitados por um
a priori histórico. Com este último conceito articulado com o de
arquivo, Foucault rejeita completamente a noção romântica de
autor. A segunda conclusão é prática e decorre dessa rejeição do
humanismo teórico: «Uma coisa em todo o caso é certa: é que o homem não é o mais velho problema nem o mais constante que se tem posto ao saber humano. Escolhendo um cronologia relativamente curta e um espaço geográfico restrito - a cultura europeia desde o século XVI -, pode-se estar certo de que o homem é uma invenção recente. /
O homem é um invenção, e uma invenção recente, tal como a arqueologia do nosso pensamento o mostra facilmente. E talvez ela nos indique também o seu próximo fim». Foucault condena o humanismo teórico que surgiu no fim da Idade Clássica, bem como todas as
filosofias dialécticas da história, incluíndo o marxismo que, nas versões de Lukács, Bloch ou Sartre, advogava a crença no progresso gerado pela negatividade da acção humana. Toda essa estrutura antropologizante está condenada a desabar, abrindo caminho a
novas figuras do saber e a
novas formas de intervenção política: «Hoje em dia já não se pode pensar senão no vazio do homem desaparecido. Porque esse vazio não institui uma carência, não prescreve uma lacuna a preencher. Ele é, nem mais nem menos, o desdobramento de um espaço onde, enfim, se torna possível pensar de novo. /A todos os que pretendem ainda falar do homem, do seu reino ou da sua libertação, a todos os que formulam ainda questões sobre o que é o homem na sua essência, a todos os que querem partir dele para ter acesso à verdade, a todos aqueles, em contrapartida, que reconduzem todo o conhecimento às verdades do próprio homem, a todos os que não se propõem formalizar sem antropologizar, que não pretendem mitologizar sem desmistificar, que não querem pensar sem pensar logo que é o homem que pensa, a todas essas formas de reflexão canhestras e torcidas, não se pode senão opor um
riso filosófico - quer dizer, em certa medida, silencioso».
A GENEALOGIA DO PODER. Em
Vigiar e Punir, Foucault renova radicalmente a análise dos modos de exercício do poder. Foucault opõe aí duas formas de controle social: (1) a
disciplina-bloqueio, feita de interditos, proibições, barreiras, hierarquias e compartimentações, quebras de comunicação; e (2) a
disciplina-mecanismo, feita de
técnicas de vigilância múltiplas e entrecruzadas, processos de controle flexíveis e funcionais, de dispositivos que exercem a sua vigilância através da interiorização pelo indivíduo da sua constante exposição ao
olhar do controlo. A noção de
governamentalidade opõe-se a uma ideia do Estado, enquanto «universal político», e a uma teoria construída sobre a «essência estatal», referida como modelo de Estado gravado na pedra. Refutando esta concepção de um aparelho de unidade e funcionalidade rigorosas, que dominou durante muito tempo o pensamento político da esquerda, Foucault propõe a identificação rigorosa da ordinariedade do Estado, levando a pensar as suas práticas de adaptação, de ofensiva, de recuo, as suas irregularidades e improvisações, para descobrir outras coerências, outras regularidades, enfim, as
tácticas gerais da governamentalidade.
A concepção do poder como feudo dos
macro-sujeitos — o Estado, as classes sociais, os partidos políticos, a ideologia dominante — é deslocada em favor de uma
concepção relacional do poder. O poder não se detém nem se transfere como uma coisa. Como escreve Foucault: «Ele não se aplica, pura e simplesmente, como uma obrigação ou uma proibição aos que “o não têm”; investe-os, passa por eles e através deles, neles se apoia, tal como eles próprios, na sua luta contra ele, se apoiam por sua vez no domínio que ele exerce sobre eles». Marcuse deu um destaque exagerado à
noção de repressão, como se o poder só tivesse essa função de reprimir e de agir por meio da censura, da exclusão, do impedimento e do recalcamento. Foucault rejeita essa noção de um
grande super-ego, ou seja, deixa de descrever os efeitos do poder em termos negativos — tais como excluir, censurar, reprimir, disfarçar, recalcar ou ocultar: «Na realidade, o poder — afirma Foucault — produz real; produz domínios de objectos e
rituais de verdade». Um poder que agisse de um modo negativo seria muito frágil, mas o poder que conhecemos é forte, porque produz efeitos positivos ao nível do
desejo e ao nível do
saber:
o poder produz o saber, como mostra a constituição do saber sobre o corpo que se organizou através de um conjunto de
disciplinas militares e escolares. O poder sobre o corpo fundou um saber fisiológico do corpo. Enquanto Althusser falava de aparelhos repressivos e ideológicos de Estado e de um Estado abstracto, Foucault refere-se ao dipositivo e à governamentalidade. O termo
dispositivo que remete para as ideias de organização e de rede designa um conjunto heterogéneo que engloba discursos, instituições, arquitecturas, decisões regulamentares, leis e medidas administrativas.
A
teoria da esfera pública de Habermas não levou em conta a especificidade das novas formas de publicidade criadas pelos
mass media, encarando-as à luz do modelo tradicional da
publicidade. Ora, nas sociedades modernas, a publicidade separou-se da ideia de
conversação dialógica em
espaços partilhados, tais como salões, clubes e cafés, ligando-se cada vez mais ao tipo de
visibilidade produzido e alcançado pelos
mass media, especialmente pela televisão e pela Internet. Embora não tenha analisado a natureza dos
mass media e o seu impacto nas sociedades modernas, Foucault elaborou uma tese diferente da de Habermas sobre a organização do poder nessas sociedades e a mudança verificada nas relações entre o poder e a visibilidade. As sociedades do mundo antigo e do
ancien régime eram, segundo Foucault,
sociedades do espectáculo: o exercício do poder estava ligado à manifestação pública da força e da superioridade do soberano. Neste
regime de poder, poucos eram os indivíduos que se tornavam visíveis a uma multidão de indivíduos. Esta visibilidade de poucos indivíduos era usada como meio de exercer o poder da minoria sobre muitos indivíduos. Assim, por exemplo, a
execução pública numa praça de mercado era um espectáculo no qual o poder do
corpo do soberano se vingava, reafirmando a glória do rei através da destruição de um súbdito rebelde. Contudo, a partir do século XVI, esta manifestação espectacular de poder foi substituída por
novas formas de disciplina e de controle que se infiltraram nas diversas esferas da vida social. O exército, a escola, a
prisão, o
hospital e outras instituições começaram a usar mecanismos mais subtis de poder, baseados no treinamento, na disciplina, na observação e no registo. A difusão destes novos mecanismos de poder fez surgir gradualmente um novo tipo de
sociedade disciplinar, na qual a visibilidade de poucos diante de muitos foi substituída pela visibilidade de muitos diante de poucos e a manifestação espectacular do poder soberano cedeu lugar ao
poder do olhar.
Para caracterizar esta nova relação entre o poder e a visibilidade, Foucault utiliza a imagem do panóptico. Em 1791, Jeremy Bentham publicou um
modelo de penitenciária ideal, ao qual deu o nome de
Panopticon (
Ver fotografia). Bentham concebeu uma construção circular com uma torre de observação situada no centro. As paredes do edifício eram alinhadas em celas, cada uma das quais separada das outras por meio de outras paredes. As celas deviam ter duas janelas: uma para dentro e de frente para a torre de controle, e a outra para fora, de modo a permitir a entrada de luz exterior. Com esta
estrutura arquitectónica singular, um único supervisor situado na torre central pode controlar e vigiar uma multiplicidade de reclusos. Cada
recluso, confinado na sua cela, está permanentemente visível e todos os seus movimentos podem ser observados e monitorizados pelo
supervisor invisível. Além disso, como sabem que os seus movimentos são sempre visíveis, mesmo que não estejam a ser observados em todos os momentos, os reclusos comportam-se sempre como se estivessem a ser observados permanentemente. Deste modo, os reclusos são submetidos e sujeitados a um
estado de visibilidade permanente que garante o funcionamento automático do poder. Para Foucault, o panóptico não é somente uma peça da arquitectura do século XVIII, mas fundamentalmente o modelo geral da organização das relações assimétricas de poder nas sociedades modernas. O
panoptismo fornece uma alternativa efectiva às formas antigas de exercício de poder: os indivíduos foram gradualmente submetidos aos tipos de disciplina e de controle que eram utilizados nas prisões, ficando presos nos nós de um novo sistema e de uma nova tecnologia do poder, no qual a visibilidade constitui um meio de controle ou uma
tecnologia disciplinar. Isto significa que os indivíduos já não são
testemunhas oculares de um
grandioso espectáculo que o poder exibe diante deles, mas são meros objectos de múltiplos e interligados
olhares que, através do exercício diário de controle, dispensam a necessidade de espectáculo.
As teses de Foucault permitem identificar os
dispositivos da comunicação-poder na sua própria forma organizacional. O modelo de organização em «
panóptico», utopia de uma
sociedade disciplinar, serve nesta perspectiva para caracterizar o modo de controlo exercido pelo
dispositivo televisivo: uma maneira de organizar o espaço, de controlar o tempo, de vigiar em permanência o indivíduo e de assegurar a produção positiva de comportamentos. Figura arquitectónica de um tipo de poder que Foucault foi buscar ao filósofo utilitarista Jeremy Bentham (1748-1832), o
panóptico é essa
máquina de vigilância em que, com visibilidade plena, se pode controlar de uma torre central todo o círculo do edifício dividido em alvéolos e onde os vigiados, alojados em células individuais e separadas umas das outras, são vistos sem verem os vigilantes. Adaptado às características da televisão, que inverte o sentido da visão permitindo aos vigiados verem sem serem vistos, e que deixa de funcionar exclusivamente por controlo disciplinar, mas funciona também por fascínio e selecção, o panóptico torna-se, para explicar a televisão enquanto «máquina de organização», no «
panóptico inverso», segundo a expressão de Étienne Allemand, utilizada na sua obra
Poder e Televisão (1980). Allemand adaptou o panóptico às características da televisão, a qual inverte o sentido da visão, permitindo aos
vigiados verem sem ser vistos. No entanto, a televisão deixa de funcionar exclusivamente por controle disciplinar, passando a funcionar também e sobretudo por fascínio e sedução. O
panóptico inverso implica um novo tipo de organização social do poder: os
mass media estabelecem uma relação entre o poder e a visibilidade diferente daquela que está implícita no panoptismo. Enquanto o modelo do panóptico possibilita que muitos indivíduos sejam observados por poucos, submetendo-os a um estado de visibilidade plena, o desenvolvimento da
comunicação mediada fornece os meios pelos quais muitas pessoas podem recolher informações sobre os indivíduos que exercem o poder, submetendo-os a um certo tipo de visibilidade mediada. Esta nova forma de
visibilidade mediada é muito diferente do espectáculo do
ancien régime: a visibilidade de indivíduos e de acções está doravante separada da partilha de um lugar comum e, por conseguinte, dissociada das condições e das limitações da
interacção face-a-face.
J Francisco Saraiva de Sousa