«A vil tristeza apagou-nos o carácter, o dom de ser. Somos fantasmas querendo iludir a sua oca e triste condição. Por isso, o valor alheio nos tortura, revelando, com mais clareza, a nossa própria nulidade. A Inveja! Nós vêmo-la, nas trevas, farejar: é um esqueleto de hiena visionando um cemitério...» (Teixeira de Pascoaes)
Um aluno disse-me isto há vários anos e ontem (13 de Outubro) um amigo voltou a dizê-lo: "És muito inteligente mas não sabes ser esperto". Geralmente, dizem-me isto quando alguém - ou um grupo de pessoas - está a conspirar contra mim, tentando tramar-me. As palavras advertem-me da conspiração de bastidores em curso, lembrando-me que, em Portugal, a inteligência e o conhecimento não são suficientes para triunfar ou para conquistar um lugar ao sol; pelo contrário, a minha inteligência incomoda os "espertos" que odeiam tudo aquilo - a cultura viva - e todos aqueles - os agentes culturais criativos - que os ofuscam no exercício ilusionista das suas pseudo-competências ou tarefas, reconduzindo-os à sua mediocridade visceral. A distinção entre inteligência e esperteza é especificamente portuguesa e, por isso, fornece um triste e fiel retrato de Portugal. Neste país de burrecos auto-intitulados "espertos", a inteligência - sobretudo a inteligência corajosamente criativa - é uma espécie de estigma social que condena os seus portadores ao fracasso, à morte em vida e ao exílio interior: a minoria inteligente é cruelmente eclipsada pela esmagadora maioria de supostos "espertos", isto é, pela maioria pardacenta de portugueses que, devido à sua inclinação natural para o mal, sabem eliminar os portugueses inteligentes, burlando todo o sistema de relações sociais e humanas e colocando-o ao serviço da reprodução da sua própria mediocridade. Em Portugal, o "sucesso" não se conquista pelo mérito, mas sim através do logro ou da burla sistemática, o que quer dizer que aqui - neste pequeno canto do mundo - os bem-sucedidos são precisamente os indivíduos sem qualidades, excepto a "qualidade" pouco virtuosa de trapacear e de "lixar" os outros. Assim, o que parece ser um elogio - "és inteligente mas não és esperto" - é realmente um convite à resignação: ser "esperto" significa fazer o jogo do sistema de corrupção nacional que teme a inovação, a crítica e a mudança social: as crianças que ouçam estas palavras aprendem que, em Portugal, o que garante uma carreira de falso-sucesso não é a inteligência superiormente cultivada mas algum tipo de esquema fraudulento, tal como frequentar este meu blog com a intenção de a-propriar-se ilicitamente dos seus conteúdos e apresentá-los numa tese como se fossem seus - em nome próprio. Ora, nada disto constitui novidade num país em que muitas teses de mestrado e de doutoramento mais não são do que o plágio de teses defendidas noutras universidades nacionais e/ou estrangeiras: o que é realmente surpreendente é o facto dos respectivos orientadores e júris não detectarem a fraude. Em Portugal, a cultura universitária é uma tremenda fraude: os "espertos" entram na universidade não porque tenham mérito próprio, mas porque deixaram que algum professor/a fizesse uso sexual dos seus corpos, ou então porque, além disso, tiveram uma "cunha". A cultura de desmérito predominante nunca admitiu a entrada de pessoas inteligentes no seio das universidades portuguesas: professores medíocres rodeiam-se de outras mediocridades. A mediocridade é a norma-padrão portuguesa em todas as instituições nacionais: a esperteza saloia dos portugueses bem sucedidos - isto é, com o "cu largo", para usar a feliz expressão de Aristófanes - é a malvadez doentia feita sistema social que nega o futuro a Portugal.
A banalidade do mal é uma constante na vida quotidiana dos portugueses, desde o nascimento fatal numa terra inóspita - o nosso ermo, o nosso exílio - até à morte: os portugueses, sobretudo os mais inteligentes e criativos, são objecto de permanente tortura psicológica, violência e terrorismo. A minha experiência de vida abona a favor da tese da banalização do mal em Portugal: o povo português não é um povo generoso, como se pensa frequentemente, mas sim um povo malvado e maldito. A maldade portuguesa só pode ser explicada a partir de um defeito hereditário: a inteligência - intelectual, emocional e social - reduzida da maior parte dos portugueses, que se evidencia desde logo na inveja. Todos os pensadores portugueses, entre os quais Teixeira de Pascoaes, toparam a inveja mórbida que os portugueses nutrem uns pelos outros, sem no entanto conseguirem explicá-la de uma forma adequada. Teixeira de Pascoaes derivou a inveja - a tortura despertada pelo valor alheio - da vil tristeza que apagou - no carácter nacional - o dom de ser. Ora, na minha perspectiva, a tristeza não causa a inveja: ela é o resultado sobredeterminado de um mecanismo complexo mediante o qual a inteligência reduzida incrementa a agressividade - o ódio dirigido contra o espírito de iniciativa e o valor alheio - e produz a inveja mórbida que se traduz na vida real dos portugueses num mimetismo antropofágico: os portugueses dirigem todo o seu ódio contra objectos bons - pessoas com valor e cheias de mérito -, e não contra objectos maus. Teixeira de Pascoaes apreendeu que, quando o carácter nacional adoece, o espírito de iniciativa dá lugar ao espírito simiesco de imitação: «A degenerescência inferior apaga os valores adquiridos que se conservam, em nós, como que num estado de perpétuo esforço. Sempre que o homem hesita na sua humanidade, aparece o macaco». O que importa reter e reavaliar da brilhante análise de Teixeira de Pascoaes é a sua noção primordial da degenerescência de carácter do povo português: o português típico - vulgar e ordinário - não suporta a presença de objectos bons, porque esta presença desperta nele a sua própria nulidade - a sua mediocridade visceral. Confrontado com a presença do bem alheio, o português típico reage com inveja mórbida e intolerância emotiva: o seu espírito simiesco de imitação mais não é do que uma tentativa desesperada de a-propriar-se do valor alheio, não só dos bens materiais e das ideias alheias, mas também do nome e da personalidade alheias. Esta a-propriação ilícita do bem alheio é, no plano material e moral, um roubo: a nulidade essencial do macaco ladrão alimenta-se basicamente através deste mimetismo antropofágico - comer e incorporar o outro valorizado - que lhe permite simular - o eterno jogo português das mentiras - ser outro na sua pura exterioridade opaca sem no entanto conseguir elevar a sua auto-estima. O português típico enquanto macaco ladrão perdeu irremediavelmente a vergonha: saloio é o termo apropriado para designar o ser humano que abdicou da sua humanidade para se transformar em macaco sem rosto e sem vida interior. A falta de vergonha e de amor próprio chega ao ponto extremo - e profundamente ridículo - do macaco ladrão e vigarista - sacana e trapaceiro - ter a ousadia ou o descaramento de querer ensinar ao outro valorizado as ideias e os conceitos que lhe roubou num encontro face to face!
Ora, um país dominado a todos os níveis por bandos de macacos ladrões - que justificam a sua abominável dominação com o argumento miserável da escassez de recursos nacionais, ele próprio um argumento típico de ladrão - não é nem pode ser alegre: a vil tristeza dos portugueses resulta desta organização social simiesca, corrompida e primitiva que gera constantemente insegurança ontológica. Geralmente, comparo os portugueses típicos aos ilhéus de Dobu - tal como foram estudados no terreno por R. Fortune, para caracterizar a sociedade portuguesa como uma sociedade do medo: «Há um grande ressentimento para qualquer homem bem sucedido (no sentido legítimo do termo) em Dobu. Há respeito pela velhice e pela primogenitura, mas nada a não ser ódio para quaisquer diferenças no êxito devido a ser-se mais dotado» (Fortune). Em Portugal, ainda há portugueses invejosos que utilizam a magia negra contra aqueles que são bem sucedidos por serem mais dotados de capacidades intelectuais. Como já vimos, o português típico não suporta a presença de pessoas mais dotadas: a existência dessas pessoas tortura-o, porque lhe revela a sua própria nulidade. O predomínio deste elemento de inteligência reduzida na população portuguesa configurou a nossa sociedade do medo: os portugueses não confiam uns nos outros e, tal como os ilhéus de Dobu, temem mais os vivos do que os mortos e preocupam-se mais com o cão do que com simples conhecidos, porque sabem que os outros - os vivos - são potenciais inimigos capazes de cometer as maiores atrocidades para lhes roubar o lugar e a vida sem angústia. O medo real do outro configurou a sociedade do medo, ao mesmo tempo que institucionalizou mecanismos, hábitos e rotinas que permitem suavizar os efeitos desastrosos da conflitualidade aberta e violenta: a sociedade do medo é a institucionalização da in-justiça. Utilizo aqui o conceito de injustiça no sentido que lhe deu Schopenhauer: a invasão no domínio onde a vontade é afirmada por outrem. A concepção de Schopenhauer não é incompatível com a teoria marxista da sociedade antagónica, na medida em que a distribuição social do medo é profundamente desigual: a esfera onde os mais humildados e ofendidos afirmam o seu próprio corpo é constantemente invadida e negada por um grupo restrito de indivíduos que se apoderou fraudulentamente do poder político e dos recursos nacionais. A explicitação conceptual destas articulações sociais está fora dos objectivos deste estudo, mas há uma ideia já explicitada noutros estudos que devo retomar novamente aqui: a sociedade do medo socorre-se do fatalismo para justificar ideologicamente esta situação de injustiça e de crueldade predominante na sociedade portuguesa: os opressores oferecem aos deserdados o fatalismo como consolo. Ora, a desmistificação do fado português permite apreender a sociedade do medo como uma sociedade mobilizada contra a libertação e a mudança social qualitativa. As classes dirigentes portuguesas sacrificam sistematicamente o futuro de Portugal e dos portugueses para garantir os seus próprios privilégios sociais: a sociedade portuguesa está cativa dos interesses privados e particulares da teia de corruptos que usa todos os poderes sociais para os conservar e travar o desenvolvimento social.
J Francisco Saraiva de Sousa