Segundo Jacques Lacan, Kierkegaard foi o primeiro filósofo que ousou atribuir à angústia o alcance de um conceito, indicando a orientação das análises fenomenológicas de Heidegger e de Jean-Paul Sartre. Kierkegaard e Heidegger partilham uma ideia fundamental: a angústia é o fundo permanente dos nossos sentimentos. A angústia é o sentimento fundamental que desempenha na filosofia da existência o mesmo papel que o respeito assumia na filosofia de Kant. Para Kierkegaard, a ausência de angústia é ainda um sinal de angústia: o homem que permanece nessa ausência de angústia esconde a sua angústia a si próprio, por sentir angústia perante a angústia. Na perspectiva da filosofia da existência, a angústia não é o temor - ou medo - desencadeado por um perigo real, mas sim o sentimento de ter sido lançado no mundo sem o ter escolhido, constrangido a fazer opções das quais não compreende todas as consequências e que não sabe justificar. O homem é aquele ser que é chamado a justificar as coisas e, por essa mesma razão, é injustificável. Em Sartre, a angústia deriva do facto de nós nunca decidirmos só por nós próprios, mas ao mesmo tempo para todos os outros: angústia acompanhada pelo sentimento da náusea, decisão, compromisso e responsabilidade articulam-se na filosofia de Sartre. O medo e o temor dirigem-se sempre às coisas particulares, enquanto na angústia é o mundo no seu conjunto que nos angustia: o que angustia o homem não é qualquer coisa em particular, mas o ente em geral. May estudou a ansiedade de jovens solteiras grávidas numa instituição de acolhimento em New York. O facto de estarem grávidas sem ser casadas coloca todas as jovens da amostra numa situação ansiogénica, mas nem todas exibiram o mesmo nível de ansiedade. As raparigas provenientes de Harlem e dos bairros pobres do leste de New York exibiram ansiedade em menor grau do que as raparigas oriundas da classe média. Ora, o que distinguia estes dois grupos de jovens grávidas era o facto das raparigas criadas nos bairros pobres terem sido rejeitadas pelas suas mães. May concluiu que o choque - ou, segundo Otto Rank, o trauma do nascimento que Freud aceitou como uma parte da angústia neurótica - que está na origem da ansiedade não é a rejeição maternal, mas a rejeição dissimulada. As mães da classe média mentiram, porque diziam que amavam as filhas quando na verdade as rejeitavam, enquanto as mães dos meios mais pobres rejeitaram as suas filhas sem mentir. As filhas rejeitadas frontalmente pelas mães foram para a rua e encontraram parceiros: o seu mundo era claro e conhecido, o que lhes permitia orientar-se nele. Além da rejeição, a angústia tem um outro motivo que May retoma directamente da filosofia da existência: o ser humano não pode conhecer o mundo onde está lançado e não pode orientar-se na sua própria existência.
J Francisco Saraiva de Sousa
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