quarta-feira, 1 de junho de 2011

Apocalipse e História: a Filosofia da História revisitada

«A "vocação" do século XIX para o estudo da história e para a absoluta necessidade vital desse estudo tem o seu ano de nascimento na revolução francesa. A "história" é experimentada desde então como crise em permanência ou como revolução permanente, não susceptível de ser contida e impossível de sujeitar. Por isso, os historiadores e os filósofos da história concentraram-se, quer com um desejo conservador, quer com um desejo revolucionário, na dominação espiritual, política e social desta crise permanente. A ciência da história e a filosofia da história são forçadas a tornar compreensível a "história", para deste modo tornar domináveis o caos, a catástrofe e as crises, e, com isso, a história enquanto tal. A orientação metafísico-cosmológica do mundo é substituída desde então por uma orientação filosófico-histórica do presente. Foi precisamente o derrubamento da continuidade histórica que provocou aquela apoteose da "história" que levou à religião da história nos movimentos messiânicos do século XIX». (Jürgen Moltmann)

«As revelações que os seus autores receberam de Deus eram muito diversas daquelas recebidas pelos profetas bíblicos. Não há, nos apocalipses, nenhuma sugestão de que os seres humanos possam, pela sua obediência ou desobediência, alterar a forma dos acontecimentos futuros. O futuro já está determinado; na verdade, o seu curso já está escrito num livro celestial. E o seu resultado será diverso de tudo o que havia sido indicado pela profecia clássica. Haverá um julgamento final. Haverá uma vida após a morte na qual os seres humanos, inclusive os mortos ressuscitados, irão receber as recompensas e as punições justas. E se alguns seres humanos serão transformados em anjos, outros serão condenados ao tormento eterno». (Norman Cohn)

Mas Deus alienou-se quando criou o mundo e, como perdeu o seu poder na criação, aguarda o seu resgate! Hoje é a impotência de Deus que nos revela o Apocalipse sem redenção possível: «Oh, os caminhos primaveris das meditações crepusculares do solitário. /Oh, filhos de uma ensombrada estirpe. /Oh, os filhos da noite. Oh, os malditos. /Estranhos são os caminhos nocturnos do homem. /Um morto vem visitar-te. Do coração corre-lhe o sangue que ele próprio verteu, e no sobrolho negro aninha-se um instante indizível. Encontro lúgubre. Tu - uma lua de púrpura, quando o outro aparece na sombra verde da oliveira. Segue-o a noite eterna» (Georg Trakl). Amigos da noite eterna, anjos de rosto negro, enterremos a soteriologia, porque já não precisamos de ilusões para viver!

Adoro as escadarias da Cidade do Porto e, sob o signo das escadas da Sé-Catedral do Porto, proponho a revisitação de alguns textos sobre Filosofia da História. A filosofia apocalíptica da História tem claramente um propósito político: preencher o vazio político deixado pelo marxismo. O seu conceito nuclear - o Apocalipse sem salvação possível como sentido derradeiro da história - visa minar a doutrina burguesa do progresso que move o capitalismo na sua marcha triunfal e que o conduzem à destruição da vida sobre a terra. A teoria de Marx é completamente depurada da presença de elementos ideológicos que lhe são estranhos e adversos: travar a marcha triunfal do capitalismo que mergulha o mundo no abismo é a tarefa de uma nova prática política marxista. Porém, ao rejeitar a doutrina do progresso, a nova teoria crítica abandona qualquer tipo de colonização do futuro: a sua função prática é iluminar uma prática política capaz de salvar o sofrimento passado do esquecimento, de modo a que ele não possa repetir-se no tempo de agora. Garantir a restituição integral da história em cada uma das sucessivas conjunturas políticas até ao fim do mundo do homem é resistir ao fluxo do tempo que ameaça aniquilar o mundo e adiar heroicamente a catástrofe final. A história deve ser lida e feita à luz deste final trágico da humanidade.

Apocalipse significa revelação antecipada da destruição do mundo: o homem pode tentar adiar por tempo indeterminado a catástrofe final, mas não pode evitá-la. A caducidade do homem não lhe permite sonhar uma vida futura garantida aqui na terra ou noutro lugar ou não-lugar qualquer: a Grande Política convida o homem a produzir sentido para aquilo que está condenado à destruição - o sentido derradeiro de toda a existência. Nada neste mundo caduco e entrópico está a salvo da aniquilação total, incluindo a própria alma do homem. O fim de todas as ilusões atiça a luta revolucionária contra as mentiras milenares das classes dominantes: nenhum homem tem direito a apropriar-se daquilo que pertence a todos por direito de nascimento. O capitalismo que gera continuamente pobreza e miséria não tem justificação possível: ele deve ser destruído para que o homem possa ter direito à dignidade humana. O sofrimento das vítimas da dominação e da crueldade só será resgatado quando os homens assumirem a caducidade da sua vida e tomarem coragem para sacrificar os carrascos e derramar o seu sangue sobre os altares das Catedrais. Nesse dia libertador até Deus será salvo da sua mentira milenar. (Os portugueses, os gregos e os irlandeses não precisam submeter-se aos caprichos da banca ladra e do FMI, desde que aceitem a sua condição de seres estranhos neste mundo caduco, vivendo livremente vidas austeras e, tanto quanto possível, sem angústia. O Poder que nos rouba essa vida efémera pode e deve ser destruído. Tem coragem e pensa que não nasceste para ser explorado e oprimido: esmaga e liquida os poderes opressores. Só depois desse acto rebelde poderás renegociar um novo "contrato social". Aliás, até hoje não houve verdadeiramente contrato social...)

1. A concepção apocalíptica da história foi esboçada nestes dois textos:

2. Há duas influências filosóficas determinantes que deixaram marca profunda no meu pensamento filosófico, mas com as quais me debato para formular e desenvolver a nova filosofia apocalíptica da História:
2.1. A Filosofia Messiânica da História de Walter Benjamin: Walter Benjamin Revisitado (6 textos sobre o pensamento filosófico de Walter Benjamin).
2.2. A Filosofia da Esperança de Ernst Bloch: Ernst Bloch Revisitado (7 textos sobre a filosofia de Ernst Bloch).

3. O confronto necessário com o pensamento conservador:
3.1. Oswald Spengler Revisitado: A Introdução e os 2 primeiros textos expõem a tese da decadência do Ocidente. A filosofia da História de Spengler exerceu uma grande influência sobre mim, até porque quando li a sua obra era ainda adolescente.
3.2. Pensamento Conservador Revisitado: Abomino a filosofia da História de Eric Voegelin, bem como a política que ela implica.

4. Uma paixão juvenil: as afinidades da concepção apocalíptica da História com o pensamento mexicano, em especial Maia, Tolteca e, sobretudo, Asteca.
4.1. Civilizações Pré-Colombianas Revisitadas. A Introdução expõe a ideia nuclear da cosmologia asteca que a concepção apocalíptica da História retém numa fórmula filosófica e científica desembaraçada da sua matriz religiosa e mitológica.

5. A matriz originária do meu pensamento filosófico:
5.3. A Redescoberta de Georg Lukács: 1 e 2.

Como é evidente, a selecção de textos aqui apresentada não esgota todos os textos dedicados à filosofia da história, bastando clicar sobre a etiqueta (tag) Filosofia da História para o constatar. Porém, os textos escolhidos são suficientes para testemunhar o nascimento da Filosofia Apocalíptica da História.

J Francisco Saraiva de Sousa

5 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

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J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Como podem ver, a nova teoria da história implica uma revisão profunda de todo o pensamento filosófico. O poder fica nu - sem justificação possível, e a sociedade surge a uma nova luz. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Obrigado, amigos/as do Chile e da Bélgica! Bem-vindos!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Hello Nietzsche! Mas eu nem sequer sou o Nietzsche português! Eu já sou eu, simplesmente Eu, só e sem escudos protectores! :))

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Porém, outra influência que nunca nomeei: chamam-se Fichte e Schelling.