domingo, 6 de novembro de 2011

Marxismo e a Boa Sociedade

Rua das Aldas
Centro Histórico da Cidade do Porto
«Estar alienado significa em geral não ser o que se poderia ser e o que se deveria ser: um ser socializado, criador, plenamente desenvolvido» (Markovic). Em Portugal, a inveja e a malvadez dos portugueses impedem o pleno desenvolvimento das pessoas dignas de mérito. Portugal é assim o seu próprio coveiro: os portugueses devem reconhecer a sua própria malvadez essencial, se quiserem construir no futuro uma sociedade boa.

A Esquerda traiu o espírito e a letra da teoria de Marx, fazendo o jogo do capitalismo. A Jugoslávia - barbaramente desmantelada pela Nato - assistiu ao aparecimento de uma versão independente, crítica e humanista do marxismo, cujo conceito nuclear é o de Praxis. Daí que o grupo de filósofos da Universidade de Belgrado que promoveu esta interpretação do marxismo tivesse sido chamado Grupo Praxis. (Prefiro chamar-lhe Escola de Belgrado, porque a noção de praxis também foi reformulada pela Escola de Budapeste, entre outras escolas do pensamento marxista.) A revista Praxis e a Escola de Verão de Korcula foram fundadas em 1964. No entanto, a história do marxismo da praxis recua até aos anos 50, sendo possível delimitar três períodos de desenvolvimento. No primeiro período (anos 50 e os primeiros anos da década de 60), os marxistas da Praxis deram início ao seu trabalho teórico recusando o materialismo dialéctico ortodoxo: a nova perspectiva que adoptaram perante Marx inspirava-se na ontologia existencial de Heidegger. Os textos de Marx foram lidos e interpretados à luz dos conhecimentos proporcionados pela ontologia fundamental de Heidegger. Dessa leitura resultou a publicação da obra de Gajo Petrovic - Marx in the Mid-Twentieth Century: a Yugoslav Philosopher Reconsiders Karl Marx's Writings (1965, 1967). No segundo período, os filósofos da Praxis procuraram elaborar uma teoria crítica da sociedade: o seu interesse teórico deslocou-se da exegese dos textos de Marx e da antropologia filosófica existencialista a-histórica para a nova tarefa de desenvolver uma teoria social capaz de compreender as sociedades contemporâneas e de enfrentar os seus dilemas sociais. A crítica dos filósofos da Praxis concentrou-se - durante esse período - em aspectos específicos da sociedade jugoslava, em especial no socialismo de mercado e no carácter burocrático e tecnocrático das suas instituições políticas. Esta crítica da sociedade jugoslava foi ampliada até incluir a crítica das instituições não-democráticas da sociedade capitalista avançada e do socialismo burocrático de tipo soviético. Desta crítica alargada resultou a formulação de um modelo original e normativo de socialismo democrático: o socialismo integral de auto-gestão e de autogoverno. O último período do grupo Praxis foi talvez o seu período mais fértil e é aquele que nos interessa destacar aqui: Mihailo Markovic e Svetozar Stojanovic deram um novo rosto filosófico à crítica da sociedade do grupo Praxis, pensando uma ética para o marxismo. (O governo jugoslavo proibiu, em 1975, a publicação da revista Praxis. Mas, em 1981, apareceu a sua edição internacional: Praxis International.) A teoria crítica da sociedade - a filosofia crítica - foi articulada de modo a assumir duas tarefas: compreender uma configuração social e contribuir para a sua humanização. Só a compreensão do que é permite esboçar o desenho da realização do que deve ser: a ética global ocupa aqui uma posição central. A obra destes dois filósofos jugoslavos - desde logo descoberta pelo pensamento de esquerda alemão e anglófono - inclui um projecto para a vida moralmente boa, válida em todas as culturas, no qual há um equilíbrio entre a autonomia kantiana e a solidariedade cívica aristotélica. Este empreendimento filosófico jugoslavo merece ser estudado, até porque evita o beco sem saída do relativismo moral e do convencionalismo, propondo o modelo da sociedade boa e do governo democrático responsável. Mas, em vez de realizar uma análise crítica da ética global do grupo Praxis, prefiro destacar as obras mais importantes dos dois filósofos jugoslavos. Prometo voltar a escrever sobre o grupo Praxis noutra oportunidade, grupo este que, mesmo depois da Queda do Muro de Berlim, não trocou o socialismo democrático pelo neoliberalismo. Um exemplo admirável de resistência teórica e política que devia envergonhar os vendidos-vencidos da esquerda europeia! Eis a bibliografia em inglês ou alemão, como é evidente:

Mihailo Markovic: Dialektik der Praxis (1968), Humanismo e Dialéctica (1968), The Contemporary Marx: Essays on Humanist Communism (1974), From Affluence to Praxis (1974), Democratic Socialism: Theory and Practice (1982), e The Dialectical Theory of Meaning (1961, 1973).
Svetozar Stojanovic: Between Ideals and Reality: a Critique of Socialism and Its Future (1973), e In Search of Democracy in Socialism: History and Party Consciousness (1981).

J Francisco Saraiva de Sousa 

10 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Há semelhanças entre a sociedade boa de Markovic e o mundo melhor de Bloch, mas as respectivas filosofias são diferentes.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Há por aqui uma maluca invejosa que anda a dizer que troquei o marxismo pelo pensamento conservador. Claro, ela é um aborto que venceu à custa da turbulência do 25 de Abril. Cobra venenosa, intriguista e invejosa - ela é!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bem, se leres este comentário, ficas a saber o que penso de ti! E sei que vais ler!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Acho que és uma fraude e devias reduzir-te à tua mediocridade! És má e invejosa e já todos toparam o teu jogo sujo!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ah, e não tentes ser mais "popular" do que eu na minha presença. Hoje, ninguém esteve do teu lado: és o objecto do desprezo de todos. Basta saíres para todos te chamarem pelos teus verdadeiros nomes.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ah, já estou cansado de aturar malucos/as!

Simão disse...

Muito interessante esse teu texto! Infelizmente, parece não haver nada desses filósofos em português. Mesmo assim, agradeço as indicações. Agora é procurar na internet. Com um pouco de sorte, acabo achando alguma coisa. Forte abraço!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Olá

Em português, pode haver 2 artigos no Humanismo Socialista de Fromm.

Abraço

Jorge Willian da Costa Lino disse...

Também acho uma pena que não exista disponível em língua portuguesa uma quantidade maior de textos dos autores citados por ti. tentarei encontrar em espanhol.
Aqui no Brasil também ocorreu a queda livre de alguns intelectuais ditos marxistas (sic). Caíram no solo do neoliberalismo atraídos que foram pelas leituras neo-sofistas dos pós-modernos. É o velho fenômeno que Gramsci chamou de transformismo. Mas aqui também alguns resistiram e há uma produção textual muito boa e crescente.
Colocarei esta tua postagem no meu perfil to facebook, o teu CyberCultura já recomendo no meu blog, onde tento levantar algumas questões, mas sem aprofundá-las, devido a minha proposta de induzir à criticidade leitores não acostumados com os temas.
Um abraço.
Jorge Willian

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Jorge Willian

Somos poucos a lutar mas vamos conseguir! :)