Ontem, na Quadratura do Círculo, Jorge Coelho afirmou que era necessário pensar em acabar com os cursos superiores que formavam ou licenciavam pessoas para o desemprego e, como parece evidente, referia-se aos cursos administrados pelas Faculdades de Letras ou de Ciências Sociais e Humanas. É evidente que esses cursos tinham como saída profissional o ensino e este ano milhares de professores foram para o desemprego. Entende-se perfeitamente a ideia subjacente: diversos cursos sempre foram e são efectivamente desnecessários, sobretudo aqueles que aparecem com designações apelativas ou mesmo estúpidas, nomeadamente no ensino universitário ou superior privado.
No entanto, é preciso ter cautela e pensar no futuro, não em termos de sobrevivência metabólica desigual e profundamente injusta, mas em termos da perpetuação da civilização ocidental e da vida humana com dignidade. A economia e as finanças ou mesmo a mentalidade de engenheiro não são boas conselheiras. A crise da política e, portanto, da palavra, está intimamente ligada à crise que a filosofia política vive desde que o pensamento do último grande mestre da filosofia política, Karl Marx (Hannah Arendt), foi «abandonado» ou, pelo menos, vulgarizado pela ascensão das chamadas ciências sociais e humanas, que, sem originalidade e perseguindo objectivos pseudo-profissionais, estão a destruir sistematicamente a matriz filosófica que alimenta e alimentou a Civilização Ocidental. Aliás, com a graça dos diversos governos constitucionais, esses cursos foram promovidos e usados para garantir postos de trabalho e estatuto social aos mais «burricos» entre todos os portugueses, todos aqueles que estão associados aos partidos políticos, à Igreja Católica e suas delegações ou mesmo à governação, quer no ensino público, quer no privado.
Além dos efeitos intrinsecamente nefastos dos relativismos inerentes às abordagens desses cursos, devemos acrescentar o luso-oportunismo já referido (o ensino pensado não para promover o desenvolvimento e a cultura, mas para garantir empregos aos luso-protegidos burricos nacionais) e a incompetência visível dessas criaturas pardacentas.
As reformas relativas ao ensino superior e universitário devem levar tudo isto em conta e uma outra ideia fundamental: se o governo afirmar ser pragmático, no sentido económico do termo, e fechar as portas ao ensino da filosofia, da história e das línguas e literaturas, está a cometer uma espécie de homicídio. Destrói a própria matriz de que se alimenta a Cultura Ocidental e descaracteriza ainda mais Portugal, rendendo-se nesse acto ao terrorismo anti-ocidental.
Esta geração de novos políticos, muitos dos quais foram beneficiados por passagens administrativas ou coisa do género, é muitíssimo ignorante e não tem consciência de pertença a uma matriz civilizacional. Aliás, eles não são políticos: são indivíduos que usaram e abusaram da política para garantir uma profissão, isto é, emprego fácil. A sua formação filosófica é nula e, como no Ocidente a política bebe na filosofia de Platão, podemos associar o descrédito da política à ignorância filosófica destes políticos metabolicamente reduzidos e rodeados de pseudo-cientistas sociais.
Não pretendo analisar esta situação complexa e preocupante em termos filosóficos e, portanto, políticos. Limito-me, de momento, a colocar o problema e chamar a atenção para ele. A política é assunto da esfera pública e diz respeito a todos e não apenas aos chamados políticos. Embora a sociedade metabólica não promova o mundo comum e a esfera pública, mas o metabolismo privado de cada um, todos deveriam empenhar-se nestes assuntos públicos e trocar opiniões, no sentido a abrir as portas ao futuro... Em Portugal, a situação é ainda mais grave, porquanto nunca houve uma boa tradição de pensamento genuinamente filosófico, liberta da Igreja Católica, que nem a patrística soube traduzir em língua portuguesa erudita.
(Em Portugal, só há um político que lê tudo, Marcelo Rebelo de Sousa, mas que, apesar disso, ainda não nos conseguiu convencer de que tem um pensamento político genuíno.)
J Francisco Saraiva de Sousa
1 comentário:
Se os cursos de Humanidades fossem bem administrados, o choque tecnológico teria a vida facilitada. O problema não reside na natureza dos cursos, pelo menos dos clássicos, mas no modo como são administrados. Um licenciado nessa área pode encontrar emprego em diversas áreas profissionais, como sucede nos USA. Mas as empresas e a economia portuguesas não sabem aproveitar essa oportunidade. Como sucede sempre, os luso-burricos precisam associar o nome da licenciatura com o nome da área profissional, embora depois impere a luso-cunha.
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