O governo socialista de José Sócrates está a governar bem e conseguiu desfazer um equívoco terrível: a ideia de que só os governos de direita governam bem, como se tivesse havido algum bom governo «social-democrata» (custa-me aplicar esta expressão aos membros do PSD) ou em coligação com o CDS.
Esta é uma grande vitória de José Sócrates. Os partidos da Direita foram desacreditados e a sua propaganda e má-fé foram desmistificadas. A crise deve-se fundamentalmente à má governação desses partidos, nas fileiras dos quais circulam as maiores luso-moléculas gordas.
No entanto, esta vitória foi mais alcançada a partir da acção política do governo socialista (finanças, economia, saúde, educação, plano tecnológico...) do que através da clarificação do eleitorado e da opinião pública. O governo tem demonstrado dificuldade em explicar muitas medidas e em enquadrá-las num projecto global de mudança social qualitativa e sustentável. Este é o aspecto mais criticável deste governo e susceptível de ser usado pela oposição para minar a confiança, alegando que, apesar do seu pragmatismo, o governo socialista não tem um «projecto de futuro» para Portugal. Aliás, este argumento tem sido utilizado, quando se critica a reforma da segurança social ou a reforma administrativa. Sócrates é sistematicamente acusado de não quer reformar o Estado e repensar as suas funções e competências. De facto, os socialistas parecem temer esta tarefa de repensar o Estado e o seu sector público, como se temessem uma descaracterização do socialismo, de resto condenado a assegurar algumas regalias do estado social. Chamar-lhe «socialismo moderno» não acrescenta nada de substancial ao conceito e também não ajuda a repensar o socialismo num mundo global e ameaçado pelas catástrofes naturais ou pelo terrorismo islâmico.
Ora, é necessário repensar completamente o socialismo e a social-democracia e saber lidar com os desafios globais e locais, sem entregar os destinos dos mortais à irracionalidade de uma economia de mercado absolutamente auto-destrutiva. Qualquer governo competente, seja de direita, seja de esquerda, safa-se bem nas políticas ligadas à economia, mas falha quase sempre naqueles aspectos fundamentais ligados à continuidade da civilização e da vida humana. Aqueles que julgam que o socialismo e as suas políticas de mudança social qualitativa foram enterrados com a queda do muro de Berlim estão redondamente enganados e não percebem nada de filosofia da história: a economia de mercado não tem alternativa viável à vista, mas entregue a si mesma não resolve nada; muito pelo contrário, torna urgente a tarefa de repensar o socialismo, se não quisermos assistir a um colapso total da nossa civilização ocidental e do nosso estilo de vida.
Esta tarefa de repensar o socialismo deve retomar as suas fontes e essas fontes são os clássicos do marxismo, a partir dos quais, com os quais e contra os quais podemos estabelecer um diálogo frutífero com toda a nossa tradição de filosofia política. Os adversários de Jorge Coelho no programa «Quadratura do Círculo» sabem isso e, neste último, o ilustre membro do CDS (terminologia luso-ilustre) fez questão em repintar o «papão do comunismo», como se essa versão de socialismo fosse a única. Eles temem o germinar de um novo socialismo que saiba assumir inteligentemente toda a sua história, que, no fundo, é a história da nossa civilização.
Esta visão de fundo parece faltar a José Sócrates e aos socialistas, mas de uma coisa ninguém pode duvidar: os portugueses comuns são inteligentes e ambiciosos e espontaneamente fazem com que o plano tecnológico se materialize. Os portugueses precisam de novas elites e sobretudo de igualdade de oportunidades. Se José Sócrates conseguir comunicar com os portugueses e explicar-lhes os seus planos, terá prestado um grande serviço a Portugal e a si mesmo. Caso contrário, vence por falta de oposição credível.
J Francisco Saraiva de Sousa
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