«José Pereira de Sampaio (1857-1915), natural do Porto, onde, com excepção de um período de exílio (1981-93) por motivos políticos, se processou toda a sua vida, adoptou aos 14 anos o pseudónimo de Bruno, a que sempre se manteve fiel e do qual provém a denominação de Sampaio Bruno, por que é mais conhecido. Autor de obra vasta, de indole política, religiosa e filosófica, na qual se salientou o Brasil Mental (1898), e A Ideia de Deus (1902), por duas razões - escreve Joel Serrão - figura neste Dicionário (de História de Portugal): 1) a sua acção de propangadista da República e o papel que a sua obra de pensador (de raízes esotéricas) desempenhou na cultura portuguesa dos fins do século (XIX) e primeiro quartel do (século XX); 2) a bibliografia, que também nos legou, de temas históricos» (Joel Serrão, 1985).
Sampaio Bruno legou-nos uma obra vasta que, com excepção do estudo de Joel Serrão («Sampaio Bruno: O Homem e o Pensamento»), ainda não foi seriamente avaliada, quer pela sua novidade e erudição, quer pelos seus contributos especificamente filosóficos nos domínios da teoria política, da teoria estética, da teoria da história e da teoria da religião. E isto devido sobretudo ao facto de ser mais um pensador ilustre do Porto e, por isso, marginalizado pelo luso-pensamento dominante, o de Lisboa.
Com estas breves considerações, pretendemos resgatar o pensamento de Sampaio Bruno e insuflar-lhe uma rajada de ar fresco vivo, apesar da sua linguagem ser um pouco rebuscada. Além do seu pensamento político republicano, destacamos o seu contributo nos domínios da estética e da filosofia da história.
1) Estética de Sampaio Bruno. Este pensador portuense ilustre escreveu uma das maiores obras em língua portuguesa sobre a «evolução do romance» no Ocidente, destacando o romance português, e entrando em confronto com grandes filósofos e literatos mundiais, num tempo tão indigente como seria o seu. Com efeito, «A Geração Nova» (1885) deve figurar na história da estética e da teoria literária, juntamente com a «Teoria do Romance» de Georg Lukács e os escritos de Walter Benjamin, e, em muitos aspectos, antecipa a «sociologia do romance» tal como a elaborou Lucien Goldmann. É preciso reler esta obra que confronta as estéticas de Kant e de Hegel, sem esquecer Marx, que exerceu um fascínio sobre Sampaio Bruno.
2) Filosofia da História. Se nada foi feito no domínio estético aberto por Bruno, muito foi feito para destruir a filosofia da história de Sampaio Bruno. Joel Serrão afirma que a sua filosofia da história portuguesa «é de matriz esotérica (sic) e messianista, na qual se destaca, no primeiro dos livros referidos («O Encoberto», 1904), a sua crítica à concepção predominante na época, e defendida por Antero de Quental e Oliveira Martins, da decadência nacional, após a empresa dos Descobrimentos». De facto, os pensadores do Porto sempre foram mais optimistas do que os restantes pensadores portugueses, até porque a burguesia era mais forte no Porto do que noutras cidades de Portugal. As obras referidas são, além de «O Encoberto», «Portuenses Ilustres» (1907-1908), «O Porto Culto» (1912) e a obra póstuma «Os Cavaleiros do Amor» (1960).
Consideramos que a teoria da história atribuída a Sampaio Bruno é absolutamente errónea e que o Encoberto ainda continua à espera de ser revelado em nova chave hermenêutica, uma chave que faça justiça à Cidade do Porto, contra as injúrias inventadas por cérebros perversos e mal intencionados. António Quadros (1982) é um dos paladinos dessa concepção obscura da história de Portugal, o sebastianismo, que desenvolve fora de uma matriz filosófica. Contra ela, Sampaio Bruno escreveu: «Dissipe-se a nuvem que encobre o herói. O herói não é um príncipe predestinado. Não é mesmo um povo. É o Homem». Pouco mais adiante, Sampaio Bruno acrescenta: «Ora, a humanidade é irresumível, e o carácter da sociabilidade reside precisamente em sua extensibilidade. Civilização quer dizer integração. Não são devaneios políticos; são factos corroborados. Considere-se o acesso recente do Japão à nossa cultura ocidental» (p.332-333). A própria estrutura da obra não permite uma leitura sebastianista da história de Portugal, apontando claramente numa direcção mais «global» e aberta, como diríamos hoje. O Encoberto só pode ser revelado numa outra chave hermenêutica: a da globalização sempre em marcha e aberta.
J Francisco Saraiva de Sousa
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