O programa «Prós e Contras» dedicado às «Vidas Electrónicas» (24 de Setembro de 2007) foi muito interessante e rico em ideias ainda não compreendidas pelos portugueses ou até mesmo por muitos dos intervenientes e participantes, muitos dos quais ilustres engenheiros e, simultaneamente, professores universitários e empresários. Esta incompreensão ou, se preferirem, incapacidade de dominar os novos conceitos da sociedade em rede, servirá de fio condutor da nossa análise do tema em debate: a sociedade em rede, de resto confundida literalmente com as »Vidas Electrónicas».
A estrutura que preside a este programa de Fátima Campos exige que os participantes sejam escolhidos de molde a que haja um confronto de ideias e de posições em relação a um determinado tema ou problema. Hoje o tema em debate era a sociedade em rede e nenhum dos quatro convidados especiais (Carlos Zorrinho, Diogo Vasconcelos, Paulo Nordeste e Borges Gouveia), bem como os restantes participantes, com exclusão do blogger/jornalista, apresentou argumentos ou teses contra a sociedade em rede e as novas tecnologias. Todos mostraram-se satisfeitos com o facto da comissão europeia ter dito que Portugal era o 3º país melhor classificado no ranking dos serviços electrónicos e, com o mote introduzido por Fátima Campos - José Mourinho, special one, os presentes revelaram um optimismo muito pouco frequente nas terras portuguesas, reanimado e reforçado pela apresentação de uma série de empresários que falaram das suas empresas de novas tecnologias.
Diante deste cenário triunfal, o blogger tentou dizer que era necessário olhar para os contras, alegando que a maior parte dos portugueses, aquilo a que chamou Web social, estava excluída desse mundo das novas tecnologias e da Internet: a chamada infoexclusão. Embora tenha ainda contado com a ajuda de José Salcedo ou mesmo de Borges Gouveia, a sua voz foi mergulhada no silêncio e o optimismo continuou a dominar até ao fim do programa. Hoje Portugal era ou foi o maior, tal como José Mourinho, que quando treinador do Porto era o »convencido».
Não tenho absolutamente nada contra o optimismo, mas fiquei com a impressão que o programa não esclareceu o tema em debate, devido provavelmente ao uso de terminologia conceptual confusa e pouco rigorosa. Assim, por exemplo, o blogger afirmou que ali estava a ser defendido o ponto de vista dos criadores e produtores da rede, em detrimento do ponto de vista dos utentes ou da Web social. Esta ideia percebe-se mas não é compatível com a noção aberta, participativa e fluída da rede, que, de resto, foi tratada como mera ligação de milhares de pessoas umas às outras, usando uma diversidade de componentes das novas tecnologias exibidas pelos seus empresários ou representantes de empresas ditas de sucesso. Esta confusão recheada de ambiguidades do género atingiu o seu limite quando entram em cena empresas de biotecnologias, o tema de plataformas sociais, tais como Second Life (Portugal está em 2º lugar per capita), e a telemedicina, aliás temas deveras importantes (Este último é tratado no nosso blogue «Cyberbiologia e CyberMedicina». As «Vidas Electrónicas» já mereceram a nossa atenção no blogue «CyberPhilosophy»).
Ora, num programa alinhavado nestes moldes, o vencedor já tinha sido previamente dado e esse vencedor foi o «plano tecnológico», brilhantemente apresentado por Carlos Zorrinho, que destacou as suas duas grandes frentes de luta: as «Novas Oportunidades», em torno das quais houve algum cepticismo, e a qualificação. O próprio Diogo Vasconcelos considerou-se como um precursor deste plano do governo socialista e deu efectivamente um contributo brilhante ao programa, bem como os restantes convidados. As ideias-força foram o «governo electrónico», que possibilita a desmaterialização da informação e maior participação, e as escolas ligadas em Banda Larga, projecto que conta com a colaboração da PT Inovação/Universidade de Aveiro. Os professores universitários aproveitaram a ocasião para denunciar a má qualidade do ensino secundário e afirmar o excelente trabalho realizado pelas Universidades de Braga, Aveiro e Coimbra neste campo, com a ajuda e/ou em colaboração com as empresas ou mesmo autarquias. O consenso foi, portanto, generalizado. Portugal deve apostar nas novas tecnologias.
Apesar disso, a sociedade em rede coloca problemas que não foram objecto de reflexão e esses problemas não se limitam apenas à infoexclusão, provavelmente a nova variante da exclusão social. Os participantes eram predominantemente engenheiros e, como tais, são bons a criar coisas mas muito maus a pensar. Ora, os pensadores não estavam presentes e isso talvez porque não existam verdadeiramente pensadores em Portugal. Este é o lado negro não da Internet mas da mentalidade de engenheiro, magnificamente criticada por Max Weber, os teóricos críticos e Peter Berger, para referir um conjunto de pensadores muitos diferentes teórica e politicamente. Se Portugal tem bons engenheiros e não duvido disso, aliás bem visível, tem maus intelectuais e os engenheiros/professores universitários, bem como o ex-reitor da Universidade do Porto, sabem bem a razão disso acontecer, mas para não quebrar a onda de luso-sucessos optaram por dar menos voz a essa «vergonha nacional», que faz carreira naquelas faculdades que deveriam promover o Espírito Humano, mas, em vez disso, albergam os maiores criminosos da humanidade portuguesa: os seus pseudo-intelectuais, cujas obras revelam publicamente a dimensão reduzida dos seus cérebros.
Sobre outros temas aqui aflorados falaremos deles no nosso blogue «CyberPhilosophy» ou mesmo no blogue «CyberBiologia e CyberMedicina». Além disso, Fátima Campos prometeu realizar outros programas sobre esta mesma temática.
J Francisco Saraiva de Sousa
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