«A circularidade do consumo pelo consumo é o único procedimento que caracteriza distintivamente a história de um mundo que se tornou um não-mundo».
«O mundo surge agora como um objecto aberto aos ataques do pensamento calculista (...). A natureza torna-se uma bomba de gasolina gigante, uma fonte de energia para a tecnologia e a indústria moderna».
«A cada hora e a cada dia estão presos à rádio e à televisão. O cinema transporta-os semanalmente para os domínios invulgares, frequentemente apenas vulgares, da representação que simula um mundo que não o é. (...) Tudo aquilo com que, hora a hora, os meios de informação actuais excitam, surpreendem, estimulam a imaginação do Homem, tudo isso está hoje mais próximo do Homem do que o próprio campo à volta da quinta, do que o céu sobre a terra, do que o passar das horas do dia e da noite, do que os usos e costumes da aldeia, do que a herança do mundo da terra natal».
Estas e outras afirmações de Martin Heidegger parecem indicar que o filósofo da "mitologia do Ser" desejava abolir o consumismo, a exploração da terra e os meios de comunicação de massas e, como foi sugerido por Adorno, Lyotard ou mesmo Derrida, regressar ao mundo dos gregos pré-socráticos ou dos bons velhos camponeses de Schwarzwald. Os ecologistas profundos, em especial Michael E. Zimmerman e Thomas Berry, viram neste ataque ao consumismo e ao poder nivelador da comunicação social, bem como nalgumas banalidades antitecnológicas, motivos suficientes para aproximar a ecologia profunda ou o ambientalismo radical das filosofias da natureza e da técnica elaboradas pelo último Heidegger, sem se darem conta de que, segundo este filósofo, o discurso da perda e da destruição é também tecnológico. A este propósito Heidegger é peremptório: «Todas as tentativas de reconhecer a realidade existente (...) em termos de declínio e perda, em termos de fatalidade, catástrofe e destruição, é mero comportamento tecnológico. (...) A concepção instrumental da tecnologia condiciona todas as tentativas de conduzir o homem à relação correcta com a tecnologia. (...) O desejo de domínio torna-se tanto mais urgente quanto mais a tecnologia ameaça escapar ao controlo humano.» «Nenhum homem individual, nenhum grupo de homens, nenhuma comissão de estadistas proeminentes, cientistas e técnicos, nenhuma conferência de líderes de comércio e indústria, pode travar ou dirigir o progresso da história na era atómica».
Heidegger não anuncia mais uma rebelião romântica contra a tecnologia e o domínio da natureza, nem sequer propõe uma forma de colocar a tecnologia sob controlo para que ela possa servir os nossos fins racionalmente escolhidos: a sua visão do mundo tecnológico eficientemente ordenado procura revelar a essência da tecnologia, sem «nos restringir a uma compulsão absurda de avançar cegamente com a tecnologia» ou «revoltarmo-nos desesperadamente contra ela». O homem moderno enfrenta uma situação perigosa causada pelo entendimento tecnológico do ser. Segundo Heidegger, o «maior perigo» é que «a maré que se aproxima da revolução tecnológica na era atómica pode assim cativar, enfeitiçar, ofuscar e iludir o homem de que o pensamento calculista pode um dia vir a ser aceite e praticado como a única maneira de pensar». O perigo reside não tanto na devastação da natureza mas fundamentalmente no nivelamento do nosso entendimento do ser. Este perigo tecnológico não é um problema para o qual devemos encontrar uma solução, mas a condição ontológica que exige uma transformação do nosso entendimento tecnológico do ser. Isto significa que Heidegger, ao repensar a história do ser no Ocidente, não vê no nosso entendimento tecnológico do ser uma fatalidade, mas uma oportunidade de libertação: a abertura a uma transformação da nossa clareira cultural actual.
Heidegger descarta-se das definições instrumental (a técnica como meio para um fim) e antropológica (a técnica como actividade humana) da tecnologia, porque a sua tarefa é explicitar a essência da técnica moderna, a qual é procurar ordenar tudo de maneira a adquirir maior flexibilidade e eficiência: o ordenamento tecnológico do mundo converte a natureza e o homem em meros recursos ou reservas que são utilizados para aperfeiçoar a eficiência do sistema de controlo e de mobilização totais. Contudo, a compreensão da clareira tecnológica como a causa da nossa angústia provoca a transformação no nosso sentido da realidade, isto é, a necessidade de superar o pensamento predominante em termos de valores e de cálculos. O perigo apreendido como o perigo torna-se naquilo que nos salva: ele pode libertar-nos face às coisas e abrir-nos ao mistério. Se a tecnologia ameaça o enraizamento do homem, colocando-o em "fuga do pensamento", a libertação que desencadeia dá-nos uma possibilidade e uma promessa de «habitar no mundo de uma maneira totalmente diferente». Mas, para alcançar essa mudança de atitude face ao mundo, é necessário salvar a "natureza essencial do homem" e manter o "pensamento meditativo vivo". As práticas marginais devem ser preservadas, de modo a evitar que sejam mobilizadas como recursos disponíveis e a promover a retirada de importância das práticas centrais para o nosso auto-entendimento cultural. Para Heidegger, só um "novo deus" pode salvar e garantir essa mudança no nosso entendimento do mundo: o objectivo ou o acontecimento capaz de fundamentar "um novo enraizamento" do homem nas suas relações com o mundo no âmbito da "quadratura" mortais, deuses, terra e céu. Ou segundo estes versos de Hölderlin:
«Cheio de méritos, mas poeticamente
o homem habita esta terra». J Francisco Saraiva de Sousa
22 comentários:
Esta análise breve do pensamento de Heidegger privilegia "Gelassenheit" e "A Questão da Técnica". tendo como pano de fundo "Holzwege", onde Heidegger procede à crítica da modernidade ligada ao destino da técnica. "Der Feldweg" foi omitido dado ser muito rústico.
Evitámos a linguagem da "mitologia do ser", de modo a clarificar o pensamento de Heidegger.
Temos consciência que esta questão deve ser compreendida em função da filosofia da natureza exposta pelo último Heidegger, mas Serenidade é peremptória: o perigo reside no facto do pensamento calculista vir a ser o único pensamento admitido e exercido. Por isso, é fundamental salvar a essência do homem e manter desperta a reflexão.
Para facilitar o entendimento e o diálogo, acrescentos dois comentários feitos no post anterior:
"A ética ambiental é distinta da ética de utilização do ambiente. O utilitarismo, a deontologia e a axiologia estão prisioneiros da instrumentalização da natureza, externa e interna, e esquecem que a ética ambiental genuína implica uma compreensão genuína do próprio ambiente, portanto uma nova ecologia.
"A atitude adequada é a do respeito admirador e esta reside na "morada": o homem é ser da/na natureza, isto é, ser que habita a natureza e, por isso, cabe-lhe a tarefa de zelar pela sua salvação, cuidando dele e protegendo-a.
"Marx falava da "apropriação humana" da natureza, não no sentido de a tratar como objecto (o horizonta da modernidade, segundo Heidegger), mas no sentido de a deixar ser nas suas potencialidades...
"A valorização ou avaliação "objectiva" (torna o ente objecto disponível), ao mesmo tempo que exclui: algo que é valorizado torna-se objecto para um sujeito que de algum modo o instrumentaliza. Por isso, não alinho com as problemáticas dos valores, embora tenha consciência que a técnica é o nosso modo de ser na natureza, através da qual criamos o nosso ambiente."
"No seu ensaio "O Caminho Rústico", no qual inicia a reflexão estruturada sobre o ser da natureza e a sua relação connosco, Heidegger mostra que a essência da técnica não é técnica, porque, se o fosse, não nos libertariamos do pensamento calculista. Daí a necessidade de pensar a essência da técnica que reside no perigo: não só a devastação da natureza, mas sobretudo a perda de enraizamento do homem que abdica do pensamento meditativo. Se eliminarmos a mitologia do Ser, Heidegger diz coisas interessantes, embora não nomeie os outros mestres que já tinham ou estavam a pensar nesses assuntos, talvez por serem "judeus"..."
Outro comentário pertinente é este: Heidegger associa o humanismo à moderna imagem do mundo (a representação). Porém, apesar de rejeitar o humanismo, não abdica do antropocentrismo: afinal, o homem é "o pastor do Ser".
Outra curiosidade é a omissão dos animais na sua quadratura dos mortais/deuses, terra/céu.
Olá, Francisco! Gostei muito deste texto.
Algumas previsões de Heidegger a respeito do entendimento técnico do ser se concretizaram. Este trecho é de uma atualidade assustadora: «O maior perigo» é que «a maré que se aproxima da revolução tecnológica na era atómica pode assim cativar, enfeitiçar, ofuscar e iludir o homem de que o pensamento calculista pode um dia vir a ser aceite e praticado como a única maneira de pensar». Além de o perigo residir no nivelamento do nosso entendimento do ser, como vocêm afirmou, ele também reside na crescente "coletivização" do ser. Parece-me que o Dasein é cada vez mais convocado para a execução de atividades técnicas e de um aparato que o distanciam de um modo autêntico de vida. Como diz Marcel Conche, o "homem coletivo" é aquele que se exime da responsabilidade pelo seu próprio Ser. É o homem estagnado, cujo fuxo criativo permanece engessado. Em contraposição ao homem coletivo, de que fala Conche, existe a espécie rara dos homens filosóficos (ou filósofos,não sei qual termo é mais fiel ao termo original), que se caraterizam pelo modo de ser criativo. Segundo Conche (vou citá-lo no original, pois temo, com a minha tradução, subverter o sentido genuíno): "J'entends par 'homme philosophe' celui qui mesure qu'il n'appartient qu'à lui-même de décider de ce qui signifie 'être' et de façon, pour lui, d'être 'vraiment'. L'homme philosophe a une sorte de sentiment infaillible de ce à quoi il est appelé, de la façon dont il lui revient d'exprimer l'humain". Talvez, condiderando-se o reinado da técnica, fica cada vez mais difícil reconhecer o conteúdo deste "à quoi" para o qual somos chamados.
Não tinha atentado para a omissão dos animais na quadratura desenvolvida por Heidegger.
Uma excelente reflexão. Apesar de Heidegger não ser fácil e por isso muito controverso, não podemos deixar de lhe reconhecer o seu valor. Somos um ser para a morte e isso é que nos dá a inteligência reflexiva e a possibilidade de meditar a Natureza.
Fernando, é impressionante como o homem, sendo um ser para a morte muitas vezes perde um tempo precioso com ocupações inúteis e querelas desagradáveis.
A Natureza merece a nossa gratidão.
Olá André
Nunca tinha meditado muito nessa distinção estabelecida por Marcel Conche entre o homem colectivo e o homem filosofante ou criativo, até porque não conheço bem o pensamento de Conche. Sim, é necessário pensar o Humano novamente.
Fernando Dias
Com tempo prometo decifrar a linguagem difícil dos Mestres e entregá-la às pessoas. Aliás, tenho procurado fazer isto. A questão da técnica em Heidegger sufoca todos, mas penso ter dito numa linguagem mais comum.... embora tenha omitido outras conexões para outros posts.
A "viragem" em Heidegger acaba por alterar substancialmente o seu pensamento exposto em Ser e Tempo: Basta ler O Fim da Filosofia para a verificar, bem como a leitura que faz de Hölderlin, a qual está ligada ao pensamento (nazi) do sangue e da terra.
Francisco, Marcel Conche é um autor interessante, sobretudo para quem quer se aprofundar em filosofia antiga. Ele escreveu obras muito importantes sobre Lucrécio, Heráclito, Epicuro, Pirro, Anaximandro, etc. Há apenas algumas obras dele traduzidas para o nosso idioma.
André
Estava a pensar se essa distinção não reconduz à figura do impessoal (inautêntica) de Heidegger e à "gente" de Ortega y Gasset: o homem perdido nas malhas do colectivo visto como impessoal/anónimo.
O termo individualismo é infelizmente encarado num sentido negativo, como se fosse sinónimo de egoísmo. É certo que existe esta raíz económica do termo associada ao liberalismo económico, mas há outro sentido: o da defesa do Indivíduo. O efeito manada de que falo pretende reflectir essa perda de individualidade: o atomismo cinzento e nivelado, portanto o oposto de individualismo real.
Vou pesquisar as obras de Conche!
E esse homem colectivo deve ser distinguido do homem público, o que nem sempre acontece em Ortega y Gasset, embora o público actual engrosse as fileiras do colectivo. :(
Um ensaio muito interessante!
No entanto, tenho uma questão:
Num tempo sem deuses, ou seja, sem sentido, esperam-se pelos deuses novos, mas a existência poética, antes de ser uma transformação, é uma dádiva, isto é, nos antípodas da tecnologia - o domínio dos entes que rodeiam o homem. Ou seja, a minha pergunta é: como é que se dá essa libertação através da tecnologia?
Se a tecnologia nos pode provocar angústia* - disposição fundamental, segundo Heidegger - não significa por si só libertação: pois perante a revelação do ser, podemos renegá-la e entregarmo-nos de novo à quotidianeidade repetitiva e impessoal. Daí, que seja fundamental a anamnesis de que tem vindo a falar: recordar esse momento de reconhecimento da verdade. (No caso de Heidegger, do ser enquanto ser a acabar, até à sua derradeira possibilidade, a morte).
*Gostaria de perceber essa relação causal entre tecnologia e angústia, pois as descrições fenomenológicas heideggerianas acerca da angústia apontavam para a ereignis - um acontecimento sem causas interna ou externa, em que somos apropriados, e nós, por sua vez, devemos apropriar-nos dessa oportunidade, uma espécie de "es denkt" de Nietzsche - pensa-se ou pensam-me.
Francisco, creio que esta distinção reconduz à figura do impessoal de Heidegger ( as Man) e à "gente" de Ortega y Gasset.
Oi, Papillon!
Leia-se: "das Man".
A minha dúvida é semelhante a da Papillon.
Não consigo compreender como Heidegger, "ao repensar a história do ser no Ocidente, não vê no nosso entendimento tecnológico do ser uma fatalidade, mas uma oportunidade de libertação: a abertura a uma transformação da nossa clareira cultural actual".
Como o entendimento tecnológico do ser no Ocidente pode abrir uma oportunidade de libertação, possibilitando a transformação da nossa clareira cultural atual?
Sim, André, o Das Man, traduz-se como "a gente" ou "o pessoal".
André, sexta fui a uma consulta médica, a uma médica q n conhecia, e ela tinha sotaque brasileiro e eu perguntei se ela era do Brasil e ela disse q não, mas q tinha vivido lá (aí!) durante bastante tempo e depois devolveu-me a pergunta, se eu era brasileira e eu disse q não, nada disso, e perguntei-lhe porquê e ela disse que eu tinha a mente aberta q os portugueses são muito fechados. :)))
Boa questão a sua Papillon: há diversas interpretações dadas a sua questão
"Como é que se dá essa libertação através da tecnologia?"
Neste texto recorri ao "novo deus", conceito lançado por Heidegger na sua entrevista ao Der Spiegel, a propósito do seu alinhamento com o nazismo. O "novo deus" é um acontecimento. Que acontecimento? A resposta está dada nos escritos políticos. A tecnologia planetária não liberta no sentido normal do termo; possibilita deixar as coisas serem e preservar as práticas tradicionais; portanto uma mudança de paradigma em curso, do tecnológico para um novo paradigma de entendimento da quadratura. Habitar, morar, na terra é salvá-la...
Contudo, oponho-me à interpretação da ecologia profunda: destruir as fábricas, embora Heidegger faça claramente nesses escritos a apologia da vida campesina por oposição à vida citadina ou urbana.
A tecnologia tem a sua essência no "perigo" ou na ameaça: não somente a devastação da natureza mas sobretudo a destruição da essência do homem que é meditar. Heidegger opõe dois tipos de pensamento: o calculista, aquele que domina na era da técnica, e o pensamento que escuta a fala da natureza, o pensamento do sentido, aquele que é ameaçado pela compreensão tecnológica do ser, o culminar da metafísica. A Filosofia foi substituída, diz ele nessa entrevista, pela "cibernética"... A erudição está condenada à devoração. Aqui reside o que é preciso mudar: conservar o pensamento do sentido.
Papillon, costuma-se dizer que a mente dos brasileiros é aberta. Questiono apenas a qualidade desta abertura, :)
Numa interpretação mais livre: a libertação é liberar as coisas, deixá-las ser na sua manifestação e no seu ritmo. O jogo do próximo /distante mostra isso: o que está próximo (nós) torna-se distante e vice-versa, devido à técnica.
Porém, a transformação exige muito mais para se tornar uma política do ambiente genuína, nomeadamente a recordação, como frisou a Papillon.
Isso lança-nos à pergunta: como travar/abrandar o vórtice tecnológico, sem ser por demérito? Ou seja, sem obstruir a razão infinita do Homem?
Porque a "vida campesina" é uma falácia - a cidade é um fenómeno da natureza, porquanto nós somos da natureza.
(Desconheço os seus escritos políticos!)
Mas essa compreensão é fulcral: a tecnologia ameaçando a natureza, ameaça o nosso modo de ser originário, destitui-nos de memória e de sentido.
Papillon
No fundo, Heidegger despido da sua linguagem essencialista diz pouco e o que diz já tinha sido elaborado pelas escolas marxistas, com projectos de mudança. Contudo, a filosofia da natureza dele é pertinente e, por isso, não cedi à tentação da ecologia profunda de o açambarcar. :)
Francisco, a perda da capacidade de contemplar o numinoso que se manifesta em tudo que existe, leva o homem contemporâneo a um desenraizamento que o distancia de tudo, tornando-o um estrangeiro em terra própria. A respeito desta atitude do homem contemporâneo, o funcionário da técnica, como dizia Heidegger, diante do sagrado, afirma Umberto Galimberti que vivemos:
"Um hoje que é tempo de pobreza extrema porque, como diz Hölderlin, 'não mais existem os deuses que fugiram, e ainda não existem os que devem vir'. O lugar que o sagrado deixou vazio é hoje ocupado por palavras religiosas que, fechadas no cálculo dos valores, limitam-se a circunscrever o recinto do agir. Assim a essência do homem empobrece quando, à sombra de religiões cuja única preocupação parece ser a dimensão ética, procura dar sentido à dor, educar para o amor, preparar-se para a morte, esquecendo o apelo de Rilke: As dores são desconhecidas, o amor não se aprende, a injunção que nos chama a entrar na morte permanece obscura. Somente o canto sobre a terá consagra e celebra".
André
O programa Prós e Contras de hoje dedicado aos combustíveis mostrou que todos são funcionários do sistema de ordenamento técnico que é comandado pela economia capitalista e as suas grandes empresas, neste caso pelas companhias petrolíferas e a sua especulação.
Este é um dos aspectos que Heidegger desprezou nos autores que leu e que não nomeou, a começar por Lukács: a tecnologia está ao serviço do capitalismo e é esse facto que a torna perigosa. Negligenciar o capitalismo na questão da técnica é submeter-se aos imperativos do sistema de mobilização total: tudo é funcionalizado, incluindo o homem. Aliás, o homem é substituído pela técnica e entregue ao sistema capitalista do consumo: está a surgir um novo proletariado, os empregados das grandes áreas comerciais. Eles são hoje aquilo a que Marx chamava o lumpen-proletariado.
A noção de valor em Marx ajuda a clarificar as transformações que o André refere. Afinal, os valores são de certo modo criações burguesas.
Mas temos outro inmigo: os direitos. Neste programa, um empresário disse que tem direito ao carro; paga para o ter e não se interessa em gastar dinheiro para se deslocar para onde quiser. Portanto, não ao transporte público como solução para fazer face à crise dos preços elevados dos combustíveis, porque ter carro é um direito. Eles pensam a partir do umbigo e estão a marimbar-se para a crise ecológica: conforto e luxo; o planeta que se lixe depois de morrerem após uma vida confortável e de terem endividade as gerações futuras para manter os seus luxos.
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