sábado, 24 de maio de 2008

Antropologia Vetero-Testamentária: o Ser do Homem

Segunda Parte
HOMEM FORTALECIDO. O termo hebraico "ruah" é usado 398 vezes e distingue-se de "napas" e de "basar" em dois aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, "ruah" designa principalmente uma força natural, o "vento", em 113 casos dos 389 casos em que é usado. Em segundo lugar, "ruah" é atribuído mais a Deus (136 vezes) do que aos homens, animais e ídolos, enquanto "napas" se refere a Deus somente em três por cento dos casos, e "basar" em nenhum caso. Isto significa que "ruah" é um conceito teo-antropológico.
No Antigo Testamento, "ruah" é o termo usado para significar "vento", "alento", "força vital", "espírito", "ânimo" e "força de vontade". No seu sentido meteorológico, "ruah" significa não o ar como tal, mas o ar em movimento, mais precisamente a força que produz mudanças e, neste sentido, é um instrumento de Deus. Quando surge em paralelismo com "basar", "ruah" é o divinamente forte, por oposição ao humanamente débil ("basar"): um fenómeno poderoso que depende da disposição de Deus. O "vento" do homem é o seu "alento" que, como força da vida, lhe é dado por Deus. É Deus que "forma" o "alento" no interior do homem, do qual dependem a vida e a morte. O "alento" do homem não pode ser separado do "ruah" de Deus. Este último não é somente o "vento" que dá vida e faz "alento" do homem, mas também indica a "palavra": o "vento" de Deus é força vital criadora que dá uma qualidade extraordinária ao homem "prudente e sábio". Pode também indicar um ser independente e invisível colocado à disposição de Deus.
O sopro de alento produz mudanças de ânimo e, por isso, o termo é usado para indicar a disposição anímica do homem: onde há "ruah", há também sabedoria. Além dos movimentos anímicos, "ruah" é usado para indicar o veículo das acções energéticas da vontade. A força e a liberdade da vontade humana dependem da actividade da energia de Deus. Elas conduzem ao caminho do conhecimento cuja meta é a sabedoria. Neste caso, "ruah" pode significar "espírito". Compreendido como "ruah", o homem revela-se a partir da comunicação de Deus com o homem. Isto implica que os "ventos" de Deus e do homem se encontram numa relação dinâmica: o espírito vivo do homem bom e obreiro vem-lhe de Deus.
HOMEM RACIOCINANTE. "Leb" é o termo hebraico mais importante do vocabulário antropológico do Antigo Testamento, geralmente traduzido por "coração", sendo usado 858 vezes.
No Antigo Testamento, "leb" é o termo usado para significar "coração", "sentimento", "desejo", "razão", "decisão" e "coração de Deus". Israel captou, especialmente nas doenças, a importância do coração como órgão vital central e definitivo da vida. Contudo, a sua concepção de coração ultrapassa o seu aspecto anatómico e as suas funções psicológicas: as actividades essenciais do coração humano são de natureza espiritual-psíquica. O "coração" indica, na maior parte dos casos, o inexplorável, o profundamente oculto, tudo aquilo que se contrapõe ao homem exterior. As actividades atribuídas ao coração referem-se à sensibilidade e à emocionalidade e correspondem às que nós atribuímos ao sentimento e ao afecto. O coração indica a disposição ou o temperamento do homem e constitui a sede de determinadas disposições de ânimo, tais como a alegria e a preocupação, a coragem e o medo. Tal como "napas", o coração também deseja e anseia, mas os seus desejos são os mais internos e ocultos. Um coração que perdeu o alento pode ceder à soberba e a altivez de coração é a ousadia.
Tudo aquilo que hoje atribuímos à "cabeça" e ao cérebro era atribuído pelos hebreus ao coração: a maior parte das funções intelectuais ou racionais. O coração era visto como o órgão do entendimento: a abundância de conhecimento que é tirada do coração procede de um escutar que sabe aprender. O coração só é sábio e instruído quando está disposto a ouvir ou a escutar. O conhecimento realiza-se no coração: "roubar o coração" significa privá-lo de conhecimento, enganá-lo. A "irreflexão" é a "falta de coração". O conhecimento deve conduzir a uma consciência duradoura. A expressão "subir ao coração" ("alah al-l") equivale a tornar-se consciente. O coração converte-se, pois, no tesouro do saber e das recordações: as palavras devem ser retidas e meditadas no coração. "Abrir o seu coração" significa comunicar todo o seu conhecimento e partilhá-lo. Ao coração são atribuídos o pensar, o considerar, o reflectir e o meditar: o "homem sábio" é o "homem de coração". Porém, os judeus dificilmente distinguem entre "conhecer" e "escolher", entre "ouvir" e "obedecer", entre "teoria" e "praxis": o coração é não somente o órgão do entendimento mas também o órgão do querer. Biblicamente, a consciência chama-se "leb", porque é um órgão que escuta. "Golpear o coração" não indica um palpitar no sentido fisiológico ou a razão emocional, mas a reacção ao juízo ético da consciência. "Falar ao coração" é fundamentalmente "falar à consciência", procurando levá-la a decidir, a escolher o seu caminho. Na entrega consciente da vontade, descobrimos a correlação entre os aspectos consciente e voluntário da acção humana que possibilita compreender a obediência total e incondicional: o que é próprio do coração, sobretudo quando representa o ser do homem, é o chamamento a pensar, em especial, a escutar a palavra de Deus. O "coração de Deus" reside na sua livre decisão para o amor e para o cuidar da criatura, e, sem o conhecer, não se pode compreender a verdadeira situação do homem.
O homem veterotestamentário é o ser que escuta a palavra de Deus: a sua essência revela-se no escutar. Ora, no "rosto" ("panim") estão reunidos os órgãos da comunicação (olhos, boca e ouvidos), que permitem ao homem comunicar com os outros e escutar o chamamento (ouvidos) e responder-lhe (boca) na promessa que lhe foi feita. A capacidade de falar ("sapa") revela a humanidade do homem: o homem que recusa escutar renuncia, nesse mesmo acto, à vida.
O pensamento veterotestamentário, isto é, hebraico, não é dualista, mas realista: apresenta o corpo em interacção orgânica com a vida psíquica. Portanto, afirmação total da existência corporal do homem! O corpo é o veículo de uma vida pessoal e espiritual, devedora de uma vocação de Deus, que descobre a sua nobreza no facto de ser "imagem de Deus". O homem hebreu não via a pessoa humana como "alma encarnada" mas como "corpo animado": um corpo cuja vida era o resultado do alento de Deus. O pecado não é visto como "desejo de carne" e a redenção deve realizar-se num acontecimento corporal. A dicotomia entre "nefes" ("napas") traduzido como alma e "basar" como carne é posterior e reflecte a imagem do homem da filosofia grega: o cristianismo deve ser visto como "judaísmo helenizado" que abandona "ruah".
J Francisco Saraiva de Sousa

11 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

A Expulsão dos Judeus de Portugal.

Um ataque ao luso-espírito có-có: a expulsão dos judeus de Portugal! Só um povo sem qualidades e profundamente invejoso como o português podia expulsar aqueles que traziam o pensamento para Portugal. A periferia de Portugal na Europa não é somente geográfica; é essencialmente espiritual. Os portugueses são "nazis" e muito burrecos. Daí a expulsão do Espírito que germinou noutros países europeus. Portugal é inimigo visceral e genético do pensamento superior e da vida competitiva honesta. O cunhismo é a estratégia nacional dos medíocres: aqueles que sabem valer ZERO.

Fernando Dias disse...

O vento meu filho?
Está dentro de ti.
Ouve,
Encosta-te ao teu ouvido
e ouve.
O que ouves meu filho?
As ondas do mar, meu pai!
Vai então meu filho,
vai ao Cabo do Mundo
entra pela areia,
entra pelo mar
e traz-me um búzio.
Quero sentir o mar.
Neste terno envelhecimento
Neste estranho estranhamento
vou-me desapegando
vou-me morrendo
Vivo.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Um belo poema que casa com a temática exposta neste post: Fiquei com vontade de estudar hebraico e reler os textos. Uma concepção deveras interessante!
Obrigado pelo poema!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O Salmo preferido de Horkheimer:

«Quem habita na protecção do Altíssimo
pernoita à sombra de Shaddai,
dizendo a Iahweh:
Meu abrigo, minha fortaleza,
meu Deus, em quem confio!
É ele quem te livra do laço
do caçador que se ocupa em destruir;
ele te esconde com as suas penas,
sob as suas asas encontrarás um abrigo.
Sua fidelidade é escudo e couraça.
Não temerás o terror da noite
nem flecha que voa de dia,
nem a peste que caminha na treva,
nem a epidemia que devasta ao meio dia.
Caiam mil ao teu lado
e dez mil à tua direita,
a ti nada atingirá.
Basta que olhes com os teus olhos,
para o salário dos ímpios,
tu, que dizes: Iahweh é o meu abrigo,
e fazes do Altíssimo o teu refúgio.
A desgraça jamais te atingirá
e praga nenhuma chegará à tua tenda:
pois em teu favor ele ordenou aos seus anjos
que te guardem em teus caminhos todos.
Eles te levarão em suas mãos,
para que os teus pés não tropecem numa pedra;
poderás caminhar sobre o leão e a víbora,
pisarás o leãozinho e o dragão.
Porque a mim se apegou, eu o livrarei,
eu o protegerei, pois conhece o meu nome.
Ele me invocará e eu responderei:
"Na angústia estarei com ele,
eu o livrarei e o glorificarei;
vou saciá-lo com longos dias
e lhe mostrarei a minha salvação"» (Salmo 91(90))

Este Salmo condena a corrupção portuguesa e os seus corruptos centralizados na Babilónia de Portugal...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

quem viu o Festival da Canção? Eu não vi, mas sei que Portugal mais uma vez ficou mal retratado, embora tenha conseguido passar desta vez à final. Os apresentadores estavam convencidos que iriam vencer e que no próximo ano o festival seria em Lisboa. Tadinhos, será que ainda não perceberam que Lisboa é muito saloia?!
O problema reside nesse facto: Lisboa não é respeitada no estrangeiro! Não há nada a fazer mas essa é a verdade: os saloios que nos representam fora dão cabo da ambição nacional. É preciso perceber isso para que Portugal não seja vezes sem conta arrastado para a lama saloia! Pelo menos, nós no Porto estamos a salvo da triste figura feita pela Lisboa saloia. Rendam-se à verdade e a verdade é essa: quem aceita ser tratado como "escurinho" é muito saloio! Que tristeza ver todo o país arrastado para a lama... :(((

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Aqui são todos muito voluntaristas e opinam sempre, mas lá fora são medrosos e submissos. Os saloios que representam Portugal são mesmo burrinhos mas malvados e invejosos cá dentro. Tanto falam do "governo de Lisboa" que felizmente (para nós portugueses da oposição e do orgulho nacional) Portugal acaba por ser reduzido a Lisboa... e a capital feia fica identificada com a zona saloia. Rendam-se a esta verdade. Quem critica não deseja o mal nacional que os saloios protagonizam dentro e fora das fronteiras... Tenham vergonha na cara...

E. A. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Obrigado pelo comentário, Papillon. Bem sei que o eliminou, mas li-o na mesma... :)

E. A. disse...

De nada. Sabe q é um prazer comentar num blog de alguém tão inteligente e educado.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ui Por momentos senti um regresso ao Carnaval e à máscara felina... :)

E. A. disse...

Não, porque eu sou felina todo o ano: gosto de cravar as unhas e morder durante o todo o ano litúrgico.