«A premissa fundamental de uma revolução é que a estrutura social se tornou incapaz de resolver os problemas urgentes do desenvolvimento do país. Uma revolução só se torna possível, porém, no caso de haver na sociedade uma nova classe capaz de tomar a liderança dos problemas apresentados pela História. O processo de preparação de uma revolução consiste em fazer que os problemas objectivos existentes nas contradições da indústria e das classes cheguem à consciência das massas humanas vivas, consiste em modificar essa consciência e em criar novas correlações de forças humanas». (Leon Trotsky) Francisco Louçã, o líder do Bloco de Esquerda, reclama a herança filosófico-política de Leon Trotsky, mas esta herança do eixo bolchevique rejeita-o categoricamente: Francisco Louçã não é um marxista revolucionário, mas sim um "fariseu da social-democracia" parlamentar mascarada com a roupagem do "aventureirismo individual da intelectualidade" saloia de Lisboa. Talvez devido à influência de Descartes, para quem a infelicidade do homem deriva do facto de ter sido primeiro uma criança, a filosofia política não aprecia o espírito aventureiro, sobretudo quando está impregnado de infantilismo ou de puerilidade: Lenine viu no esquerdismo uma doença infantil do comunismo. Simone de Beauvoir definiu o aventureiro como o contrário do niilista: a aventureiro é o indivíduo que permanece indiferente ao conteúdo, ou seja, ao sentido humano da sua acção política. Francisco Louçã pertence ao grupo dos aventureiros políticos que recusam envelhecer: ele acredita que pode afirmar a sua própria existência sem levar em conta a dos outros, em especial a das peixeiras. O aventureiro só se preocupa com o seu prazer ou a sua glória e, tal como o niilista, despreza os outros homens. O aventureiro não se sente inibido para sacrificar os seres insignificantes - na sua perspectiva inumana - ao seu próprio desejo de poder, sendo impelido a tratá-los como instrumentos ou mesmo a destruí-los no caso de constituírem obstáculo. Os outros encaram-no como um inimigo, o que o força a tornar-se um carrasco para vencer o combate. O aventureiro tende a mostrar-se de acordo com os regimes autoritários e com o fascismo. Os totalitarismos de direita e de esquerda fundam-se neste mesmo espírito aventureiro que sacrifica os outros ao seu próprio desejo de poder e à sua necessidade de fortuna, lazer e prazer. A teoria de Marx foi implementada pela acção política, tornando-se a base primordial de todas as actividades e de todo o pensamento de esquerda. Porém, desde cedo, a sua influência fez-se sentir em duas direcções opostas: a via reformista protagonizada pela social-democracia, da qual o Partido Socialista Português faz parte, e a via revolucionária seguida pelo eixo bolchevique. Os social-democratas, tais como Karl Kautsky, Eduard Bernstein, Rosa Luxemburgo, Rudolf Hilferding, Karl Renner, Max Adler e Otto Bauer, defendem que os partidos socialistas ou social-democratas podem realizar o socialismo dentro de um Estado constituído democraticamente, utilizando os meios constitucionais, sem recorrer a uma revolução. Os bolcheviques, tais como Lenine e Trotsky, advogam a necessidade de criar e usar um pequeno partido de revolucionários, rigidamente organizado e disciplinado, como a vanguarda consciente da classe operária: o objectivo dos bolcheviques é a conquista do poder político. A divisão política do marxismo pode ser vista noutra perspectiva: a social-democracia ocupou-se e ainda se ocupa do processo de construção do socialismo nos países ocidentais capitalistas avançados e dotados de sistemas políticos parlamentares, enquanto o bolchevismo se ocupou da promoção da revolução num país economicamente atrasado e dotado de um governo despótico, como a Rússia czarista. A Revolução de Outubro de 1917 é obra magnífica do bolchevismo: os seus líderes políticos tiverem êxito porque souberam, no momento oportuno, unir "a política da revolução com a técnica da insurreição". Lenine, Trotsky e os seus companheiros criaram a República dos Sovietes. O contributo decisivo de Trotsky para a teoria marxista reside na sua teoria da revolução permanente. Retomando o conceito de revolução permanente de Marx, Trotsky usa-o para designar "uma revolução que não faz concessões a qualquer forma de dominação de classe, que não se detém na fase democrática, que passa às medidas socialistas e à guerra contra a reacção exterior, isto é, uma revolução na qual todas as etapas estão ligadas à anterior e que só pode terminar na liquidação completa de toda a sociedade de classes". A teoria da revolução permanente de Trotsky articula, unindo-as, três linhas de pensamento. O primeiro aspecto da teoria de Trotsky afirma que a revolução deve ocorrer numa só tirada, sem passar por um período mais ou menos longo de democracia burguesa. O segundo aspecto diz respeito à revolução socialista como tal. Finalmente, o terceiro aspecto propõe a inevitabilidade do levantamento imediato da revolução internacional resultante do estado da economia e da estrutura social da humanidade. (:::) Trotsky partilhava o desprezo de Lenine pelo sindicalismo puramente reivindicativo, mas censurava-lhe o jacobinismo centralizador ou, nas palavras de Rosa Luxembourg, o seu blanquismo - a concepção do partido como um escol fundada numa centralização rigorosa e numa unanimidade monolítica, a repulsa pela liberdade de crítica e pluralidade das opiniões, o princípio burocrático de nomeação dos responsáveis pelo centro: "O método de Lenine conduzia a isto: a organização do partido (uma pequena comissão) começa por se substituir ao conjunto do partido, depois a Comissão Central substitui-se à organização e, finalmente, um «ditador» substitui-se à Comissão Central". A crítica do centralismo leninista levará mais tarde Trotsky a criticar severamente a burocracia invasora de Estaline e a denunciar aspectos fundamentais da sua política interna, tais como a burocracia, o nascimento de uma nova classe dirigente, o terror, a colocação dos sindicatos sob tutela e o desaparecimento da multiplicidade dos partidos soviéticos, e da sua política externa. Estas críticas aproximam Trotsky da linha da social-democracia europeia: o partido de massas deve funcionar democraticamente como os partidos socialistas ocidentais. Tal como Rosa Luxembourg, Trotsky considera que a omnipotência do poder central do partido comunista está em oposição com a democracia e a liberdade: "A liberdade é sempre a liberdade daquele que pensa de maneira diferente" (Rosa Luxembourg). Se a liberdade não é dada, mas sempre conquistada, a teoria da revolução permanente encara o futuro como um horizonte aberto e é neste aspecto que reside a sua actualidade. A Queda do Muro de Berlim simboliza o fracasso político do eixo bolchevique na sua tarefa de construir o socialismo. A via revolucionária com a qual o PCP e o BE se identificam sofreu uma derrota histórica estrondosa, mas a via reformista não foi completamente poupada. O desmoronamento do comunismo colheu toda a esquerda de surpresa: o seu alicerce teórico sofreu um terrível abalo sísmico. O neoliberalismo cantou vitória, a globalização consagrou em todo o mundo o pensamento único, e o fundamentalismo de mercado eclipsou durante longos anos sombrios o marxismo. A teoria de Marx - que alimenta o verdadeiro pensamento de esquerda - é uma crítica radical do capitalismo cujos conceitos exigem a superação da totalidade da ordem social vigente. Com o triunfo do neoliberalismo, os socialistas reformistas, que já tinham abandonado a tarefa de construir o socialismo, abdicaram da própria crítica do capitalismo, limitando-se a proteger as instituições de bem-estar social e o Estado-Providência, perante as tensões a que ficaram sujeitas após o colapso da União Soviética. Deste modo, o socialismo reformista abdicou da sua visão da História e da sua tarefa política de provocar a mudança e de a controlar no sentido de fazer avançar a história, acomodando-se completamente ao capitalismo e fazendo o jogo errático das forças de mercado. Ora, se "a realidade não perdoa um único erro teórico", como escreveu Trotsky, então o socialismo reformista que se acomodou ao capitalismo deve assumir o seu erro e inflectir o sentido da sua orientação política. Desistir da tarefa de dar uma direcção à história é entregar o mundo e o homem à deteriorização e ao jogo destrutivo das forças de mercado. A actual crise financeira e económica mostra claramente que o verdadeiro lugar do socialismo democrático se situa entre um passado que merece ser salvo e um futuro construído pelo homem. O socialismo democrático não pode abdicar da sua própria tradição, abandonando-a ao jogo errático das forças irracionais de mercado. Ora, quando nos posts anteriores rememorei as posições teóricas e políticas dos grandes pensadores da esquerda que vão votar nestas eleições legislativas em José Sócrates, fi-lo para exorcizar a amnésia histórica da esquerda em geral e do PS em particular: a crise financeira e económica mundial veio reforçar a teoria de Marx, mostrando que ela continua a preservar a verdade mesmo quando a práxis política socialista se desvia do seu próprio caminho, sendo tentada pelo neoliberalismo. O marxismo ocidental nunca deu a sua adesão incondicional ao marxismo soviético e o fracasso deste último deu-lhe razão. O fracasso conjunto das duas grandes ideologias - o comunismo e o neoliberalismo - abre caminho a uma nova via: a via já aberta pelos grandes filósofos da esquerda que, sem abdicar da utopia concreta de Marx, recusam a tese hegeliana do fim da história. (:::) A melhor biografia de Leon Trotsky é a de Isaac Deutscher. J Francisco Saraiva de Sousa
7 comentários:
Bom post! :)
n tou é a ver q tenha ficado demonstrada a incompatibilidade Louça-Trosky. Q ela existe hoje é evidente, so q isso acontece pela sua aproximação ao espirito PS originário ahah
http://jn.sapo.pt/Opiniao/default.aspx?content_id=1369482&opiniao=Manuel%20Ant%F3nio%20Pina
Sao poucos os q tão atentos a varios exemplos destes, sendo q o Pina é, nowadays, o nosso maior oráculo a nivel nacional ^^
Lembra-se do nosso Foucaulzinho?
http://dn.sapo.pt/bolsa/interior.aspx?content_id=1339066
tire as suas conclusoes de tantos exemplos como este...
Ah, ainda não cheguei aí - incompatibilidade entre Louçã-Trotsky, mas já abri caminho, embora eu próprio tenha sido apanhado de surpresa a pensar numa nova política para o marxismo. :)
Ah, sabe que nunca rejeito o contributo de Foucault ou de qualquer outro pensador de esquerda. São todos bem-vindos! :)
Sr
Mas existem incompatibilidades já visíveis:
1 - Louçã abandonou a via da revolução, integrando-se na lógica parlamentar, tal como já tinham feito os partidos socialistas e comunistas na Europa Ocidental.
2 - Louçã não aprendeu com o fracasso do comunismo: a sua proposta de nacionalizações globais e integrais não constituem uma alternativa ao capitalismo.
3 - Louçã abandonou a economia marxista, aderindo às armadilhas da cartilha económica dominante, o que reforça o segundo aspecto. Capitalismo de Estado continua a ser capitalismo, aliás muito propenso à corrupção.
4 - Louçã não critica a Direita: toda a sua raiva é dirigida contra o PS. Ora, o seu arqui-inimigo devia ser o neoliberalismo protagonizado pelo PSD. E, na questão do BPN, tomou posição a favor dos corruptos contra o regulador. Ora, a figura do regulador deve ser reforçada numa perspectiva de esquerda, retomando poderes que lhe foram negados pelo cavaquismo. Uma contradição na postura de Louçã!
5 - Louçã não é claro em política mundial.
6 - Trotsky foi assassinado por ter denunciado os crimes de Estaline. Louçã não denuncia nada de jeito - ataca o PS, protegendo a direita ultraconservadora.
7 - Louçã e seus seguidores apostam na bolsa ou em acções. Ora, esta aposta desmente cabalmente o que defendem, tirando-lhes crédito.
Enfim, a lista de incompatibilidades é enorme!
VOTA BAADER-MEINHOF
http://ipsons.forumeiros.com/geral-open-f1/em-dia-de-eleicoes-nacionais-cinema-o-grupo-baader-meinhof-der-baader-meinhof-komplex-2009-t115.htm
:D
Bom domingo! 0/
Vou votar agora! :)
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