«Coração negro, oh noite cerrada,
Quem espelha vossos sacros recantos,
Do vosso mal os derradeiros antros?
A nossa dor deixa a máscara gelada -
A nossa dor, o nosso prazer,
E esse riso de pedra da máscara sem fundo,
Que fez ruir as coisas deste mundo
E escapa a quem o queira conhecer.
Mas ele aí está, inimigo de fora,
Rindo das coisas por que nos arriscamos,
Ensombrando as canções que cantamos
E deixando no escuro o que em nós chora». (Georg Trakl) O cérebro homossexual, masculino ou feminino, diferencia-se do cérebro heterossexual, masculino ou feminino, aproximando-se, nalguns aspectos, do cérebro heterossexual feminino no caso da homossexualidade masculina, e do cérebro heterossexual masculino no caso da homossexualidade feminina. Assim, quando adultos, os indivíduos homossexuais e heterossexuais diferem em mais aspectos do que simplesmente a escolha do parceiro sexual. Algumas destas diferenças apoiam a ideia de que os cérebros dos indivíduos homossexuais se desenvolvem de forma sexualmente atípica, enquanto outras destas diferenças podem simplesmente reflectir as circunstâncias de vida muito diferentes enfrentadas pelos indivíduos homossexuais e heterossexuais.
O cérebro humano é, portanto, um órgão sexualmente dimórfico. Diversos estudos mostraram que existem diferenças entre indivíduos homossexuais e heterossexuais no que diz respeito às estruturas química e anatómica do cérebro, as quais estão provavelmente concentradas num local-chave, o hipotálamo, com conexões com o córtex cerebral. Destacaremos neste post duas estruturas neurais sexualmente dimórficas: o núcleo supraquiasmático e a amígdala.
Existe um núcleo hipotalâmico — o núcleo supraquiasmático (SNC) que, como demonstraram Swaab & Hofman (1990, 1995), é maior nas mulheres e nos homens homossexuais do que nos homens heterossexuais. Responsável pela regulação dos ritmos circadianos dia-noite e sazonais e pelos ritmos diários da secreção de corticóides suprarenais, o SNC recebe eferentes da área preóptica medial, da amígdala medial e do núcleo do leito da stria terminalis (BST). Bakker et al. (1993) trataram ratos com o inibidor da aromatase (ATD) e observaram que os animais exibiam uma preferência sexual por fêmeas na fase escura tardia e por machos na fase escura precoce. Este núcleo é dotado de muitos neurónios produtores de vasopressina.
Ainda não é clara a importância desta diferença para efeitos de orientação sexual. Hall & Kimura (1993) mostraram que os homens homossexuais, que integraram uma determinada amostra de estudantes de licenciatura, manifestaram um padrão de acordar-e-deitar mais semelhante ao das mulheres heterossexuais do que ao dos homens heterossexuais. Em média, as mulheres deitam-se e acordam mais cedo do que os homens e os homens homossexuais tendem a fazer o mesmo. Este padrão não foi observado durante a nossa pesquisa de terreno, a qual decorreu principalmente de noite: os homens e as mulheres homossexuais observados tinham uma vida nocturna intensa. (O poema de Georg Trakl ajuda talvez a iluminar este padrão, se for lido à luz da condenação do heterosexismo.)
Hines, Allen & Gorski (1992) mostraram que, na ratazana, a amígdala é sexualmente dimórfica: o núcleo medial, bem como o núcleo do leito da estria terminal. Goldstein et al. (2001) mostraram que, no cérebro humano adulto, a amígdala masculina é significativamente maior do que a amígdala feminina, levando em consideração o tamanho total do cérebro. Estas diferenças estruturais devem-se provavelmente aos níveis de testosterona que ocorrem durante o desenvolvimento do cérebro, porquanto a amígdala contém elevadas concentrações de receptores das hormonas sexuais e está fortemente conectada com o hipotálamo, e estão associadas a diferenças funcionais e responsivas do cérebro (Baird et al., 2004).
Com efeito, a amígdala desempenha um importante papel na memória emocional (Hamann, 2005) e nas respostas sexuais (Leutmezer et al., 1999). A lesão bilateral da amígdala e áreas corticais adjacentes resulta na chamada síndrome de Klüver-Bucy nos macacos, caracterizada por comportamentos sexuais atípicos e indiscriminados. Nas ratazanas, as lesões da amígdala masculina estão associadas aos comportamentos sexuais apetitivo (envolvendo motivação para alcançar uma recompensa sexual) e consumatório (envolvendo a copulação), como demonstrou Everitt (1990). Embora ainda não haja evidência empírica, supõe-se que a amígdala medial apresente também diferenças em função da orientação sexual.
J Francisco Saraiva de Sousa
24 comentários:
Apesar, certamente, das muitas diferenças entre os cérebros dos seres humanos, restam ainda muitas semelhanças, mesmo que só fossem meia dúzia, para aceitar uma universalidade humana à qual um poema é suficiente para sensibilizar e levar a dizer que afinal somos todos irmãos biológicos, independentemente de cultura, ideologia ou religião.
“Imagine all the people living life in peace.
You may say I’m a dreamer,
but I’m not the only one.
I hope someday you’ll join us,
and the world will be as one.”
John Lennon
Fernando Dias
Não estamos sozinhos: isso é bom.
Este "cântico da noite" de Georg Trakl é um sonho: zela pelo advento daqueles que ainda não nasceram, a nova humanidade, talvez (assim se espera) mais una e única.
Um ramo que me fascina é a cronobiologia, mas não tenho tempo para processar toda a informação recebida. É necessário reconstruir uma nova biologia do organismo, caso contrário, perdemo-nos num oceano de informação, o qual não conseguimos converter em conhecimento. Não consigo tematizar uma hipótese que ajude a compreender esta diferença sexual.
Olá,
Não me agrada muito essa hipótese de sexualidade dimórfica, consequente de um cérebro dimórfico, mas se é a sua assunção, tente-a percorrer até ver onde é que ela o leva.
Achei graça à diferença dos ritmos circadianos, porque o meu cérebro corresponde ao meu sexo - trabalho ou estudo muito pouco à noite. Para mim noite é dispersão, e luz concentração. Mas tb n percebi o que quer dizer com "intensidade", intensidade de quê?
Papillon
Não tinha meios para controlar esse padrão: vida intensa significa muita concentração e agregação de pessoas que perseguem objectivos sexuais, segundo Mauss.
Sim, essa diferença sexual está assente; o que ainda está por explicar é porque os homos têm um padrão feminino, portanto, sexualmente atípico.
Eu prefiro a noite para trabalhar, embora tb trabalhe de dia sem qualquer esforço.
A única coisa que insinuei a partir do poema de Georg Trakl é que eles são obrigados a viver de noite a sua vida sexual devido ao silêncio e clandestinidade a que o heterosexismo (ou homofobia) os condena. Vida nocturna é assim vida clandestina.
Retomando o modelo dos ratos, a brincar, diria que os homo casados heterossexualmente prefere o anoitecer (entardecer) para fazer sexo ocasional com pessoas do mesmo sexo, e talvez muito mais à noite tenham alguma energia para pôr a escrita em dia com as mulheres. :)
Ah! Então, segue o que eu tinha dito: porque sexo é dispersão ou diversão. As mulheres heterossexuais e os homens homossexuais efeminados tb se "dispersam" e se divertem à noite, até porque está assim socialmente convencionado.
Ok, a questão é se os homo (efeminados) têm esse comportamento padronizado feminino por determinação do núcleo supraquiasmático ou se o têm por mimese ou contágio?
Pois, sobre os horários dos gays não-assumidos, desconheço.
Exacto, essa é a questão, porque o núcleo é neles hiperfeminino. Quais são as diferenças funcionais?
Hummm..., vejo que a Papillon está atenta, porque adivinhou que o modelo prevê um tamanho diferente, mais masculino, para os homo hipermasculinizados! Daí a necessidade da tipologia, portanto, da diferenciação interna: o fenómeno é plural; muita variação!
Claro há homens super masculinos que são gays. Aliás lembro-me de uma tipologia que tem para aqui no seu blog algures, sobre heterossexuais... em que havia um tipo de heterossxual hiper-masculinizado que tinha, potencialmente, grandes hipóteses de ser ou se tornar gay, n é assim?
Nas espécies dimórficas, isto é, em que os sexos se encontram em indivíduos separados e diferentes, podem aparecer indivíduos hermafroditas. Mas a ciência canónica diz que isto se deve a malformação embrionária resultante de teratologia, ou acidental ou mutacional. Em muitas espécies de peixes o hermafroditismo é normal e até podem alternar o tipo de sexo conforme as necessidades ou circunstâncias.
Agora, se seguirmos a dúvida de Papillon quanto ao dimorfismo, ou seja, se virarmos isto tudo de pernas para o ar e reformularmos as tipologias, então aqueles biólogos que distinguem 50 espécies de lagartixas, também eram capazes de distinguir várias espécies de humanóides.
Prolongando o raciocínio, um hermafrodita é um animal que possui órgãos sexuais dos dois sexos. Estes constituiriam uma nova espécie de humanóide, tal como os biólogos fazem para os peixes ou para as lagartixas. Por outro lado, um híbrido é um animal ou vegetal procriado por duas espécies distintas. Assim, os mulatos seriam híbridos, e voltaríamos ao século XIX…:(
Fernando Dias
Por procurar construir tipologias, isso não significa que o meu pensamento seja tipológico, mas sim populacional.
Sim, esses peixes têm uma determinação sexual diferente da dos mamíferos: alguns, como disse, mudam de sexo em função das "necessidades". E nós humanos não somos dimórficos?
Sim, Papillon, é como diz. Aliás, no estudo genético de Hamer et al. (1993) esses indivíduos estão bem "demarcados". :)
Sinceramente não vejo porque razão a biologia tenha de ser vista do ponto de vista da ideologia conservadora! Os mulatos são mulatos; resultam de um cruzamento e, ao contrário de outros casos animais, são fertéis: reproduzem-se.
O caracol é hermafrodita e existem outras espécies hermafroditas; os humanos não; pelo menos, não conheço nenhum humano que tenha os dois sexos e se reproduza. Pseudo-hermafroditismo, como por exemplo as raparigas com hiperplasia adrenal congénita.
Fernando Dias
Se o interpretei mal, peço desculpa, mas não vejo na biologia um pensamento racista. Viva a biodiversidade! Um mundo único exige diferença, não identidade (ideológica, logo, falsa).
Ya, eu tenho amigo tal e qual como o descreve nesse seu texto, por isso memorizei. :)
Fernando Dias,
A mim interessam-me mais as consequências filosóficas e éticas que as tipologias comportam! Daí a minha desconfiança, legítima me parece, perante as dimorfias das expressões sexuais. Nem tudo o que é, é inteligível e calculável. A sexualidade é realmente plural, mas a ciência não pode caracterizar 50 espécies, tem de ser funcional e progressista.
Na paleontologia, cometeu-se o erro de classificar dois fósseis em espécies diferentes, por não se ter levado em conta o dimorfismo sexual: ramapitecos são indianos, não africanos.
As tipologias são construções dinâmicas. Por exemplo, em genética do comportamento, este deve ser bem "demarcado" para que a associação com determinados genes tenham credibilidade. Mais: actualmente já não se diferencia somente entre sexos, mas também se leva em conta a orientação sexual.
Fico feliz por estarmos de acordo e por não vermos o crescimento do conhecimento com "olhos desconfiados", como se o dimorfismo e as diferenças pudessem justificar alguma "ideologia obscura". :)
Pois, mas como filósofo deveria ter sempre "olhar desconfiado", fé no conhecimento sim, mas é a dúvida que nos garante o caminho da verdade.
Não disse que os dados que afirma se suportam em "ideologias obscuras", digo sim que as diferenças sexuais e as diferenças na orientação sexual, sujeitas a uma classificação dual quase-determinista, neuronal, têm implicações erróneas, e daí que devam sempre ser sujeitas à falibilidade.
ah! e n deve ficar "feliz por estar de acordo", isso parece-me muito patológico para macho.
olhe, Francisco, resolvi ler mais um pouco do que andou a escrever, mas já estou outra vez a «jokar»: isto é muito especulativo; afinal, está aqui a querer uniformizar os homossexuais e os heterossexuais?! Quem o leu e quem o lê...
E com que critéroio foram classificados estes «exemplares»? Um homem dizer-se heterossexual é suficiente para o considerarmos como tal???
bem, vou ler mais um pouquinho; fui atacada por uma joketite aguda...
ai, francisco, francisco...
«atípico» :-))) que curioso eufemismo para «anormal»; daí a doente... vai pouco, não lhe parece?
Francisco, diga-me, com toda a sinceridade (claro que é retórica, sei que não lhe posso pedir sinceridade) não se apercebe mesmo do quanto é conservador, homofóbico, cego?
Está mesmo convencido dessas «verdades absolutas» que para aqui deita?
ó francisco, que tal espreitar também a antropologia?
dicas:
1. durante o dia os homens trabalham pouco por isso ainda conseguem ir para a tasca, à noite, para conversar uns com os outros. As mulheres estão estafadas e têm de se levantar mais cedo para... preparar o pequeno-almoço para os maridos... mais todos os etc que eles continuam a não fazer.
2. encontrar parceiro ou parceira, no caso das pessoas homossexuais, é mais fácil à noite; por isso, uns e outros têm de fazer noitadas...
Mas se for às discotecas da capital, já encontra de tudo até de madrugada - pois se só às 4h começa a chegar gente....seja ele, seja ela, seja homo, seja hetero...
Lá se vai a sua teoria...
f. dias, esse seu conceito de espécie, subjacente à referência aos mulatos inquieta-me...
Por outro lado, TODOS somos hermafroditas; uns mais que outros... só. Hoje já se pode fecundar uma fêmea sem a participação do macho; teoricamente isso é também possível para os humanos; diremos, então, que a mulher é mais hermafrodita que o homem? Pensando bem, é verdade: a mulher tem o mesmo que o homem, mais o útero...
Mas tem dois x e o homem um x e um y...
estou baralhada...
(and I'm joking)
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