terça-feira, 1 de abril de 2008

Prós e Contras: Educação: O Fim da Autoridade?

Fiz intencionalmente uma antecipação irónica do programa "Prós e Contras" de hoje (31 de Março de 2008), Crise da Educação em Portugal, e, conforme a expectativa expressa nesse post anterior, o debate e os seus «resultados» foram deveras frustrantes. A programação da RTP1 apresentou um título inicial que foi correctamente alterado, "Educação: O Fim da Autoridade?", centrando o debate em torno do problema da perda da autoridade na escola. Porém, como observou Carlos Abreu Amorim, quase todos os convidados presentes deram por assente uma solução: "fingir que o problema não existia". Curiosamente, foram dois ou três alunos que alertaram para o problema da perda da autoridade.
Esta nuance é fundamental por várias razões, uma das quais é possibilitar uma avaliação da qualidade do debate e dos seus intervenientes (Tese 1). Desta vez os convidados do palco (José Luís Pio de Abreu, João Sebastião, João Palma e Paulo Guinote) estavam num nível de qualidade de participação e de competência muito abaixo do nível exibido pelos convidados da plateia. Isto significa que o debate iniciou muito mal e Fátima Campos deve ter percebido isso, porque, logo na primeira parte, deu a palavra aos convidados da plateia: José Gil (filósofo), Joana Amaral Dias (psicóloga) e Carlos Abreu Amorim. Com estas intervenções ocorreu a clivagem de opiniões necessária para animar um debate (Tese 2): Joana Amaral Dias, posteriormente secundada por João Sebastião (Observatório de Segurança no Meio Escolar), defenderam tudo aquilo que está na base da crise da educação em Portugal, enquanto Carlos Abreu Amorim e, de modo menos «marcante», José Gil defenderam a perspectiva da mudança do sistema de ensino, embora o primeiro tenha feito uma defesa sofistica e injusta do ensino privado em detrimento do ensino público, de resto criticada por José Luís Pio de Abreu (psiquiatra), que, apesar de ter sido professor de Joana Amaral Dias, fez uma defesa final brilhante da escola pública como "o lugar da utopia" (Tese 3).
A mudança de rumo do debate foi acompanhada por um acréscimo de mais-valia qualitativa e igualmente incentivada pelas palavras desconectadas e surrealistas proferidas por um "pai cinzento", cuja mensagem reproduz um slogan absolutamente falso: os jovens de hoje são diferentes dos jovens de ontem (sic) e sabem mais do que os adultos. Coube a uma professora de matemática, Isabel Fevereiro, demolir este slogan: sem a carta de condução (dada pelo professor) os alunos não podem conduzir o Ferrari (calculadora gráfica) que lhes foi oferecido. Os alunos presentes deram-lhe, de certo modo, razão e recolocaram o problema da autoridade suspenso pelas intervenções anteriores na ordem do dia (Tese 4).
Conclui-se, portanto, que, no debate de hoje, o poder da palavra estava na plateia, e, de todos os participantes, o que merece a nota mais negativa foi indubitavelmente João Sebastião do tal Observatório de Segurança, logo seguido pela psicóloga faladora Joana Amaral Dias. Porém, a conclusão mais importante foi verificar a dificuldade de encontrar consensos através do diálogo, sobretudo quando os seus participantes não apresentam as devidas competências, entre as quais o «conhecimento no terreno» merece algum destaque, como foi sugerido por um aluno e por Isabel Fevereiro, mas não o destaque principal, o qual pertence à competência racional, à capacidade conceptual, à ausência de coerção e à participação desinteressada (Habermas). Por isso, no final, José Luís Pio de Abreu podia contar que, quando esteve em São Paulo, perguntou a um taxista como os habitantes viam o papel da polícia no combate à criminalidade e este respondeu que, depois da manifestação realizada, a polícia perdeu a autoridade, tal como os professores portugueses a perderam após a "marcha da indignação" (Tese 5).
Ora, na ausência de competências, de bom senso e de uso do juízo, os portugueses tendem a debitar os seus títulos em vez de apresentar as suas perspectivas racional e/ou empiricamente apoiadas (Tese 6). Este foi o caso de Joana Amaral Dias e de outras intervenientes que não merecem ser mencionadas, dada a mediocridade medular das suas opiniões. Apenas um homem de uma escola pública (Escola da Ponte?) de Vila das Aves se apresentou, talvez ironicamente, como não sendo licenciado, portanto, sem títulos a recorrer para justificar o seu direito à palavra. Embora não tenha resistido a não apresentar o seu curriculum vitae, Isabel Fevereiro referiu um facto importante: nos rankings europeus o Sul da Europa, portanto, os países mediterrânicos, situam-se infinitamente abaixo dos países do Norte. Esta referência foi usada para mostrar que as mudanças exigem tempo, são vagarosas e têm raízes sociais profundas que só podem ser combatidas em duas ou três décadas e não em três anos como deseja o governo, visando a introdução do modelo finlandês em Portugal. Já Teixeira de Pascoaes, de resto antecedido por Sampaio Bruno, tinha dito que os portugueses são pouco propensos a pensar em termos racionais e conceptuais ou metafísicos, sendo profunda e negativamente emotivos como os restantes «latinos». Falta saber se esta incapacidade para pensar com conceitos não tem uma origem biológica mais profunda e, nesse caso, estaríamos condenados a ser eternamente os últimos nos rankings europeus (Tese 7).
Esta dificuldade em esclarecer o conceito de autoridade ou de apresentar uma noção de autoridade minimamente consensual foi tentada apenas por José Gil, cuja sugestão parece apontar para uma base afectiva das relações entre professor/aluno, capaz de levar o último a respeitar a autoridade do primeiro, e por Carlos Abreu Amorim, que optou por uma "aproximação negativa ao conceito de autoridade". Ao contrário da perspectiva anarquista e autodestrutiva apresentada por João Sebastião e por Joana Amaral Dias, para ele, a autoridade não é domesticação dos alunos, nem negociação com os alunos, como sugeriu Guinote, os alunos e outros professores, mas, de certo modo, imposição: qualquer autoridade precisa de assentar num quadro institucional e o modelo de gestão ou o reforço do poder dos conselhos directivos parecem, segundo Isabel Fevereiro e Pio de Abreu, ser necessários para dar apoio aos professores, bem como a promoção da autonomia das escolas e aprovação de regulamentos internos ou códigos de regras escolares. Um conceito "musculado" de autoridade, provavelmente legitimado e garantido pelo magistério público (PGR), ao qual José Gil se opôs terminantemente, só aceitando a intervenção da polícia em casos extremamente graves (Tese 8). É claro que os defensores da não-mudança, os anarquista já mencionados, afirmaram que os alunos menores não podem ser punidos e, no caso do liceu Carolina Michäelis, a responsabilidade deve ser imputada aos adultos, porque afinal os menores que pretendem negociar as regras de jogo com os professores, como se fossem autónomos, iguais e responsáveis, não podem ser responsabilizados e punidos pelo Código Penal sem que cometam actos de indisciplina e de violência física, verbal, emocional, social e psicológica. Têm direitos e não obrigações, portanto, um contrasenso que mina o tipo de negociação democrática e igualitária que defendem (Tese 9)
Paradoxalmente, chego à conclusão derradeira de que estas pessoas já são o fruto da crise da educação: todos opinam voluntariamente, como se tivessem a reinventar aquilo que já deviam ter aprendido na escola, se esta ainda ensinasse ou educasse para o conhecimento, a emancipação e a cidadania (Tese 10). Afinal, a História da Filosofia apresenta todas esses conceitos no seu devir histórico e epistemológico. Bastaria ter estudado e já saberiam do que se trata. Tal como os alunos, preferem opinar em vez de estudar, como se sem conhecimentos previamente assimilados fosse possível fazer um uso público responsável do direito à palavra. A sofistica parece reinar sobre a dialéctica e, enquanto isso for assim, todas as reformas estão condenadas ao fracasso.
J Francisco Saraiva de Sousa

36 comentários:

Manuel Rocha disse...

Salvo melhor opinião a escola pública serve para uma de duas coisas: para perpetuar o sistema que a paga, ou para o modificar naquilo que o sistema entende conveniente.
Os Professores são instrumentos dessa finalidade legitima, tal como os policias são instrumentos da ordem pública que o sistema determina.
Qualquer sub-sistema inclui sempre elementos melhor adaptados que outros à função. Haverá sempre aqueles que irão produzir réplicas mais ou menos perfeitas do modelo-padrão que serve de paradigma ao sistema,e os outros que usarão a liberdade marginal que o sistema tolera para semear as margens e potenciar a mudança.
Parece-me natural que a escola dos nossos dias ande desencontrada porque a sociedade que a usa e constitui anda completamente perdida. No geral as pessoas revelam-se insatisfeitas ( afinal o “paraíso” continua a não ser para todos ), materializam a insatisfação no governante de serviço ou noutro bode expiatório conjuntural. Mas quando se lhes pergunta que alternativa e como, calam-se ou deambulam por ideias gerais sem réstia de ligação entre elas, tão opinativas quanto inconsequentes.
Não sei se isso terá a ver com a história da nossa jovem prática democrática, que se tem desenrolado em moldes tais que democracia e consensualidade têm sido tidas por sinónimos. Por isso, aos órgão de soberania eleitos pelas maiorias não é depois reconhecida autoridade democrática se não decidirem consensualmente. Ora os consensos tendem normalmente para os menores denominadores comuns.
A escola que temos hoje, resulta desse processo: é o menor denominador comum de todas as discórdias. Isso, e a confusão que se faz entre direito de oposição e não reconhecimento da autoridade democrática dos eleitos para o exercício do poder, trazem para dentro da escola os princípios da ingovernabilidade que gangrena o tecido social desde a sua célula base tradicional – a família. Neste contexto a escola será duplamente inútil: ao sistema, porque produz réplicas defeituosas do modelo pretendido; à eventual alternativa, porque não tem com que ( conhecimento) a edificar.
Neste contexto, aos marginais do sistema resta o que sempre restou: cultivar as margens! Afinal, das escolas dos totalitarismos também saíram inúmeros democratas…

Manuel Rocha disse...

Há um outro aspecto que foca no seu post e que é recorrente em Portugal ( provavelmente tb noutros países ), que é a comparação entre modelos e resultados de modelos entre países. Considero-os magnificos exercicios de retórica que esquecem o "detalhe" a meu ver fundamental de que as "pessoas" não são as mesmas.
Além disso os rankings que todos tanto gostam, respondem a equações formatadas por quem e baseadas em que pressupostos ? É que nestas coisas convém não esquecer que os resultados também dependem dos instrumentos de medida. E eles foram "calibrados" para medir o quê e onde ?
Há uns anos largos, em Reading, foi pedido a um turma de extensionistas em mestrado a construção de um biodigestor. Enquanto os nórdicos faziam consultas ao mercado para reunir o equipamento os do sul foram a um sucateiro e no dia seguinte tinham os biodigestores operacionais...;)

Valter Boita disse...

Francisco,

Quando afirma que "chego conclusão derradeira de que estas pessoas já são o fruto da crise da educação: todos opinam voluntariamente, como se tivessem a reinventar aquilo que já deviam ter aprendido na escola" está a tomar como princípio, a bem da coerência, algo que também a si lhe aplica. Perdoe-me a franqueza, mas a sua décima tese é insustentável. Seria tão absurda considerá-la verdadeira como afirmar que da saúde nem os médicos entendem. A posição mais acertada, a meu ver, foi a dos professores. E olhe que nem sou professor. A escola não é deles, mas são eles que mais tempo passam na escola. São os professores que lidam diariamente com indisciplina, desmotivação, desinteresse, ainda que se ouse responsabilizá-los por algo que pertence à mentalidade desta geração de jovens que sao indisciplinados, desmotivados e desinteressados por tudo o que toca à escola, porque é a "onda" da nossa época.
O único desafio aos teóricos da educação é o de reverem a noção de "autoridade" (pouco conseguida por José Gil, mas ele nem sequer é teórico da educação), evitando o discurso entupido de uma Joana Amaral Dias que nada percebe de educação, mesmo que seja professora, de "disciplina" e de "motivação". Esse acerto conceptual, lamentavelmente, não foi feito. E proliferou o discurso do costume: importaçao de modelos pedagógicos, analogias com os EUA e o norte da Europa, a busca de tacho do presidente da Confap, as virtualidades pós-modernas que têm sido as promotoras deste estado de deseducação. E por este estado não entendo o aumento da indisciplina, práticas de "bulling", transporte de armas na escola, uso de estupefacientes, etc., mas a relativização de valores morais que têm impedido a formação de seres humanos.
Um abraço

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Manuel

Os seus comentários são excelentes e ajudam a clarificar aspectos fundamentais da questão da educação ou mesmo da questão nacional, dado que mostra os (a)busos da democracia, como se esta fosse consenso, e, ao mesmo tempo, o não respeito pelas regras democráticas.

Paradoxo de Zenão

Parece-me que, de certo modo, o Manuel antecipou uma resposta em relação à sua suspeita dirigida à última tese. De resto, parece não haver divergências entre as nossas perspectivas.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Paradoxo de Zenão

Compete aos professores ensinar e aos médicos cuidar da saúde, mas isso não implica que o ensino (educação) e a saúde não devam ser debatidos na esfera pública. Afinal, a educação e a saúde são "coisas públicas" e todos devemos participar nelas. Não são feudos ou corporações: fazem parte integrante do mundo comum, do NOSSO mundo. E são assuntos em que o Estado tem a palavra decisiva a dizer...

Manuel Rocha disse...

O Zenão usa uma comparação interessante: "....tão absurda...como afirmar que da saúde nem os médicos percebem".

Os médicos são antes de mais técnicos de medicina. Haverá melhores e piores, como em tudo. Se todos percebem de saúde como conceito compreensivo de bem estar é que já não sei.

Ainda assim a comparação é tremenda. Melhores ou piores os técnicos de mediciana t~em uma formação satandart. Os professores, nem isso!

Conv~em conhecer de perto a "matéria prima" que não vai à TV para sabermos do que falamos....

Fernando Dias disse...

Na sequência do excelente comentário do Manuel, o qual subscrevo, acabei por desenvolver na mesma linha a minha opinião/comentário, mas como acabou por ir longe de mais, decidi colocá-la na fisga.

Aqui, direi apenas que Joana Amaral Dias e Carlos Abreu Amorim são extremos do espectro que não me convencem. Confesso que gostei de ouvir Isabel Ferreira. É certo que nunca sabemos onde é que começa o luxo e acaba a necessidade, mas a possibilidade dos extremos serem prejudiciais é enorme, mesmo que sejam bons.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Para evitar equívocos, vou ver se consigo editar ainda hoje um post sobre a autoridade, mediante o estudo do seu perfil ao longo da história da filosofia, embora já tenha avançado por diversas vezes a noção de autoridade como assumir a responsabilidade pelo mundo, de modo a evitar o estranhamento do mundo e da própria tradição.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bem, estive a reler os meus mestres e fiquei encantado: a teoria crítica elaborada antes da "Dialéctica do esclarecimento" é deveras actual: faz uma denúncia do economicismo reinante e da corrupção, acompanhando o pensamento de Engels e de Lenine, como também mostra que a teoria de Marx não é avessa à autoridade e à tradição, como pretendem fazer crer os anarquistas da Esquerda bakuninista.
Marx elaborou um conceito positivo de autoridade que opõe ao "autoritarismo" (a má autoridade). E não possibilita que a autoridade do professor seja questionada.
Aliás, o PM José Sócrates devia ler a obra de Engels: "Über das Autoritatsprinzip" (Sobre o Princípio de Autoridade).

Valter Boita disse...

Manuel,

A analogia feita com os médicos não é assim tão descabida. Hoje, o que não aconteceu há uns 20 anos, os professores são recrutados no processo de profissionalização integrado nas universidades. Há umas duas décadas atrás, qualquer engenheiro era professor de matemática. Isso nunca incomodou ninguém, porque pensa-se que ensinar é tão fácil como comer uma maçã. Mas acredito que não seja. Tal como um médico, o professor tem de lidar com pessoas, daí a minha comparação. O médico, ou o bom médico, não se limita a cuidar da saúde, nem os professores se podem limitar a ensinar.

No seu primeiro comentário, usa um argumento que a meu ver se torna falacioso, na medida em que pretende resolver o problema de um modo mais simplista: o problema que a escola publica atravessa é um problema da sociedade. O problema da escola pública é mais do que isso, porque problemas sociais sempre os houve, fazer com que os professores tenham mais autorização, e nem falo em autoridade, para poderem tomar medidas correctivas, as quais no actual estatuto do aluno estão, segundo se consta, eliminadas. Não se ensina afagando, nem os alunos precisam de muitos afagos. Eles precisam de ordem, respeito, autoridade que em nada contribuem para pôr em causa a democracia em que vivemos, tenha ela 30 ou 40 anos.

Concordo inteiramente consigo quando se afirma:
«Mas quando se lhes pergunta que alternativa e como, calam-se ou deambulam por ideias gerais sem réstia de ligação entre elas, tão opinativas quanto inconsequentes.» É o que estamos a fazer se não somos professores. E, por isso, ainda ponderei se deveria comentar ou não este post, porque todo ele está viciado pela "opinionite" e os nossos comentários também. O mal-estar da educação é qualquer um julgar-se no direito de discutir educação, tornando este tema tão subjectivo como falar de futebol. Nunca ninguém discute, em espaço pública, o mal-estar da saúde, porque se respeita os médicos e os técnicos de saúde. E tanto na saúde como na educação, o que está em causa são pessoas, famílias, a ... sociedade.

Francisco, para dar credibilidade à sua última tese, não escreva nada sobre autoridade. Certamente que vai falar de Foucault, Deleuze, ... acho desnecessário. A autoridade dos professores não é da mesma ordem que a autoridade do estado.
Um abraço

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

De certo modo, Marx defende um certo "conservadorismo", não na esfera pública ou política, mas na esfera escolar. A escola é vista como aquela instituição que apresenta à criança o passado, portanto, a tradição. Ora, como o mundo social está em constante devir, essa missão sofre constantemente oscilações. Tal como os homens, as diversas formas do mundo são mortais, mas esse facto exige esse conservadorismo escolar. A educação deve ser protegiada e conservada, precisamente para estar a salvo das transformações sociais aceleradas. Marx está cada vez mais actual... :)))

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Paradoxo de Zenão

Isto que escreveu:

"É o que estamos a fazer se não somos professores. E, por isso, ainda ponderei se deveria comentar ou não este post, porque todo ele está viciado pela "opinionite" e os nossos comentários também. O mal-estar da educação é qualquer um julgar-se no direito de discutir educação, tornando este tema tão subjectivo como falar de futebol."

é demasiado antidemocrático. Parece que encara o ensino ou a saúde como CORPORAÇÕES, cujos interesses estão acima da transparência e da discussão pública.
Além disso, raramente omito "opiniões", até porque sou responsável. O futebol também é digno da nossa atenção!

Valter Boita disse...

Francisco, desculpe-me pelo Foucault e pelo Deleuze. Afinal é mais Marx. Ainda não conheço suficientemente bem os seus textos para saber quais as tendências filosóficas que propaga, daí a ignorância do meu último comentário.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Conheço Foucault e Deleuze mas prefiro ir mais atrás, aos pensamentos seminais e edificantes. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Paradoxo de Zenão

Já reparou que o ensino esteve durante todos estes anos entregue aos professores? E o que aconteceu? Degradação da educação... Isto significa que os professores não souberam gerir a escola, até porque não têm competências reais, nem nas matérias que supostamente deviam ensinar; e muito menos no conhecimento do mundo comum.

Valter Boita disse...

A democracia sedimenta-se na liberdade de expressão e acho que estamos a fruir desse direito. Embora eu assuma que estou a cometer o mesmo erro, o tema educação, por dizer tanto a todos nós, parece que nos dá o direito de opinar. Eu não opino física quando há físicos, ouço-os e aprendo com eles. Com a educação é a mesma coisa. Ora, como os princípios pos-modernos estão na moda em POrtugal, e a tendência para relativizar determinados temas também, faz com que debates como os de ontem sejam um fracasso. Eu nem tiro uma virgula ao seu post, apenas acrescentei algo que faltava à sua décima tese. A leitura que fez do programa é a mesma que a minha, embora eu seja mais exigente com o José Gil, parecendo-me que não disse nada de relevante, apenas fez o que os pós-modernos fazem, proferem trivialidades ocultadas pelo ensejo de se ser profundo, ainda mais notório quando não se entende de educação. É desta filosofia da educação somada às posições psico-pedagógicas de J. Amaral Dias que o estado da educação se irá manter.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

E discuto muito a situação da saúde!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Mas o facto de não estarmos de acordo com a perspectiva da educação da Joana Amaral Dias não lhe tira o direito de ter a sua visão sobre a coisa. Além disso, é professora, segundo sei. José Gil também é professor. Mas não é essa característica que lhes dá direito à palavra, mas sim porque têm algo a dizer sobre o assunto.

Denise disse...

Caro Francisco,
Quando afirma que "o ensino esteve durante todos estes anos entregue aos professores", parte do pressuposto errado, porque durante todos estes anos a tutela da educação foi entregue a vários especialistas que não da educação...
Quanto à permissa de que a Joana Amaral Dias e o José Gil são professores, devo relembrar-lhe que são docentes do ensino superior em tudo muito diferente do ensino básico e secundário. Para além do mais, se me permite, o facto de dar aulas não nos torna necessariamente professores.
Sobre este assunto, há uma troca de ideias muito interessante aqui: http://tiadoptada.blogspot.com/2008/03/ainda-avaliao.html

Manuel Rocha disse...

Caro Zenão,

Vou meter a foice em seara alheia ( e ser confessadamente opinativo ) para dizer que salvo erro os médicos não exercem sem experienciar os conhecimentos que adquirem, sendo nesse processo sistematicamente avaliados pelos seus partes. De resto a sua formação envolve essa componente de contacto directo com o objecto de estudo, coisa que não se passa na formação teórica de um professor e dos estágios não falemos porque é triste. E aqui sei do falo porque já dei ( e dou ) aulas a muitos deles.

Tenho para mim que a saúde não se esgota na medicina da mesma forma que a educação não se esgota no ensino.

Mas desde logo em termos estritamente de ensino as coisas andam mal. Há dias um conselho de turma de um nono ano “bloqueou” por inteiro no apoio a um trabalho de grupo em área de projecto porque “decidiu” que era “impossível calcular (mesmo aproximadamente) o volume de uma banheira por se tratar de um sólido irregular” (sic ). Do grupo faziam parte um professor de matemática e um de físico-quimicas, atenção!

Já percebeu, deduzo, que o que se passa dentro da escola não me é de todo estranho, espero.

Quanto ao mais, percebo que gostaria que a minha análise enveredasse pela regulamentação existente. Não vou por aí, e sabe porquê? Porque não vejo que nos últimos trinta anos os regulamentos do que quer que seja tenham sido capazes de fazer com que a função pública deixe de fazer o que bem entende. Saído decreto regulamentar, a primeira leitura é para colocar defeito e a segunda para determinar como lhe “dar a volta”. Mas entre um regulamento perfeito e a disponibilidade de um colega para fazer parelha dentro de uma sala com problemas disciplinares o que lhe parece mais profícuo ? No entanto dentro das escolas reina o “cada um por si”! Há dias escutei mesmo a uma professora que saía da escola de portátil ( desses distribuídos ) debaixo do braço,” que não ficava na escola as horas determinadas porque não tinha condições de trabalho” concretizando que na “sala de professores só existem três computadores”!

Problema social ? Sim, mantenho. Sê-lo-ia ainda que fosse exclusivo da escola porque ela não tem sido capaz de responder ao que se lhe pede. Mas neste caso é mais do que isso, uma vez que essa “falha” decorre também de factores sociais que lhe são externos e que são sociais, como a organização do mercado de trabalho, o ordenamento do território, a desagregação da família, a ausência de paradigma, a diluição de valores éticos elementares.

Desculpem o "post" mas hoje não sei o que fiz da minha capacidade de sintese...:)

Valter Boita disse...

Eles são professores do ensino superior. Como o debate se circunscreve ao ensino básico e secundário ministrado nas escolas públicas, em boa verdade, não sabem do que estao a falar, como eu também não sei. Naturalmente que eles têm e devem, como cidadãos, reflectir sobre este problema. Agora seja honesto, as suas contribuições em algum coisa contribuíram para resolver o assunto?

Valter Boita disse...

Caro Manuel,

Assim caímos na velha, e muito portuguesa, regressão infinita, de tentar responsabilizar os que nos antecederam. Se um professor, contrariamente a um médico, está mal formado é porque a formação de professores e os responsaveis pela educação superior são incompetentes. Tenho lido pela blogosfera textos de professores do ensino secundário a queixar-se frequentemente dos seus professores e métodos. Na verdade, se a escola pública está em crise, ela não é senão o sucedâneo do que acontece, mas mal se fala, nas universidades. E julgo que com o Plano de Bolonha, os problemas da falta de instrução e do analfabetismo funcional dos portugueses licenciados vai aumentar. Assim, a máquina de produzir incompetência continua irreparável.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Denise e Paradoxo de Zenão

Contribuir mais para a mudança da educação? Ok, vou continuar a contribuir, porque a educação é uma questão política! Diz respeito a todos! E quem toma decisões sobre a educação é o poder político, não os professores!
Estranho não detectar nas vossas declarações algo de "Científico" (matéria leccionada), a menos que aquilo que o Manuel denuncia seja toda o grupo!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Paradoxo de Zenão

Afinal, reconhece que os professores são incompetentes e analfabetos funcionais, porque escreveu:

"E julgo que com o Plano de Bolonha, os problemas da falta de instrução e do analfabetismo funcional dos portugueses licenciados vai aumentar. Assim, a máquina de produzir incompetência continua irreparável."

Manuel Rocha disse...

Caro Zenão,

Perfeitamente de acordo em que há responsabilidades divididas. Por isso mesmo disse lá acima que se trata de um problema social porque transversal à sociedade.A burocracia académica não está de todo isenta de responsabilidades neste processo.

Mas ainda assim penso que há no processo de crescimento pessoal de cada um momento em que a procura de alguma maturidade importa e em que o aperfeiçoamento do desempenho profissional se sentido como necessario deveria ser levado a sério.

Ora é exactamente neste dominio que reside boa parte da minha perplexidade porque vários dos problemas "disciplinares" de que os professores se queixam são exactamente idênticos aos que eles próprio reproduzem em contexto de formação: atrasos inopinados, conversas cruzadas, atendimento de telemóveis, não tomam notas, abandonam a sala de acordo com a sua própria agenda.

Valter Boita disse...

Caro Manuel, concordo. Esse seu comentário levar-nos-ia a outros assuntos. Eu também entendo que o professor deve ser o exemplo vivo do que pretende transmitir aos alunos: se quer que os alunos saibam, entao tem de saber ainda mais; se quer que os alunos o respeitem, entao tem de ser o primeiro a respeitar; se quer que os alunos não usem telemóvel, então não entrem com um telemóvel do bolso; se querem que os seus alunos não copiem textos integrais da internet, então construa textos com os alunos, produza ele mesmo os seus materiais, sem se colar plenamente ao manual ou aos materiais pre-fabricados disponíveis online. Sócrates ensinou-nos grandes lições de pedagogia: creio que se fossem bem empregues, todas as teorias pedagógicas subsequentes, sobretudo as defendidas por Rosseau, seriam desnecessárias.

Caro Francisco, por que insiste em querer que os professores sejam incompetentes? Nem todos o são, nem todos o foram enquanto estudantes. Não podemos ser assim tão pessimistas. Apenas me limito a especular que com a renovação dos curricula dos cursos superiores e o modelo de Bolonha pode ainda, à portuguesa, produzir mais pessoas indiferentes, com espírito de "chico-espertismo" e laxista.
Por outro lado, ainda que a educação, tal como a saúde, digam respeito a todos nós, não podemos por assim considerarmo-nos superiores a quem vive na educação. E quem vive na educação são os professores e não são os pais ou encarregados de educação, porque estes vão à escola quando convocados pelos professores, a não serem que queiram disputar as avaliações.

Um abraço

Fernando Dias disse...

Francisco,
Não deixando de considerar que o último comentário de Zenão é balançado de bom senso, é claro que os profissionais quando visados, defendem-se como podem, tal como os médicos. Mas concordo com o Francisco quando pensa que os professores precisavam de mais sentido da “civitas”, que implica sempre uma honesta auto-crítica. E isso é de facto raro ver-se.

Deviam proclamar uma oração algo do género: Queres ser professor hoje? És ou aspiras a uma alma generosa, e a um espírito ávido de saber? Desejas que os alunos te tenham em boa conta e te respeitem, estás disposto a iluninar-lhes a mente e a aliviá-los das trevas da ignorância? Já pensaste bem no que há-de ser a tua vida?

E. A. disse...

Bem, tantos manifestos!

Vi o programa curiosa e acho que se afloraram aqui e ali coisas interessantes, mais do que ter-se destacado uma figura. (À excepção da patetice ostentada pela Joaninha Amaral Dias, mas nada que não fosse expectável da senhora).

Destaco essencialmente uma crise enunciada que considero ser a causa para a crescente agressividade dos alunos sobre os professores: falta de empatia, de cuidado com o outro. Ora, isto ensina-se e é sobretudo vital para a sustentabilidade de uma democracia. Sem empatia, não há negociação, sem negociação, não há aceitação da vontade do outro, logo impossibilidade de liberdade.
A falta de empatia, de compaixão, é nitidamente observada no fatídico vídeo e foi sentida por mim (I used to be a bitchy bitchy girl!) durante o meu percurso académico integral. E porque é que os meninos/as não têm empatia? Porque têm tudo. Ou seja (e, caro Francisco, dirijo-me ao que escreveu) os jovens são diferentes dos jovens de há 30 anos. E este é um dado essencial que nos permitirá avançar para o restante: ao contrário do que Amorim propõe contra as pedagogias românticas e construtivistas de Rousseau e Piaget, vulgo "eduquês", que se revelaram falhadas, sugerindo um regresso à autoridade indubitável, ao professor como contentor e transmissor de conhecimentos, etc., isto é crassamente desfasado. Não digo que o seja intencionalmente, porque pelo menos ele reconhece a crise, ao passo que outros elementos vagamente a nomearam..., mas se queremos superar problemas (porque há problemas de várias ordens na educação) de desrespeito intensivo, de analfabetização - simulada - alarmante, e ainda os queremos educar criativos e políticos, é logicamente insuportável tal "regresso" - suspeitado através do título "da plamatória a ...qq coisa", evidenciando a falácia do falso dilema.
Quando o F. diz que os próprios estudantes sublinharam a tónica da autoridade, demonstra que a autonomia só pode advir de um anterior constrangimento. Esta é a primeira fase e primária, possibilitante da liberdade e da "utopia".O homem cria regras para as trangredir, diz Bataille, e disse alguém ontem no programa. Para educarmos cidadãos de várias etnias, de várias condições sócio-económicas, até de vários níveis psicológicos e mentais, precisamos de ser orientadores (à semelhança do que se disse, a propósito da Escola da Ponte e de outras experiências a nível privado no concelho de Lisboa). Orientadores preocupados em educar acima de tudo: pessoas boas, que distingam o bom e o mau de formal racional, que consigam imaginar, que saibam argumentar, que tenham auto-estima e coragem a defender as suas ideias, que saibam ser diplomáticos, que saibam admitir erros. E, isto só é possível quando Sócrates vai até à ágora e ao ginásio, ou seja: quando o professor desce do seu pretenso pedestal. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Papillon, Manuel e Fernando Dias

Só cheguei agora da Livraria. Tinha previsto o tal post sobre autoridade e, usando as obras de Marx em alemão e suas traduções em português, cheguei à conclusão que estas últimas são lixo traduzido do francês sem rigor. A teoria de Marx sobre a autoridade é muito complexa e difícil de sintetizar dada a necessidade de hermenêutica mais subtil.
Marx foi distorcido pela maior parte dos marxistas, sobretudo pelos comunistas. Não percebo porquê?! Porque Marx incomoda o poder? Mas vou ver se faço algo nesse sentido.
Estou cansado dos professores que só reivindicam! E, por isso, não posso ir na onda da apologia dos "jovens" ou dos professores! O eduquês deve ser outra treta que encobre a verdadeira realidade e esta revela-se na fisionomia!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Papillon

No fundo, ataca a "pedagogia bancária" que deu resultados interessantes ao longo de milénios. As novas pedagogias já não têm nada para despejar na cabeça dos alunos. São estas que dominam há 30 anos.
Há uma diferença entre os jovens de ontem e os de hoje: ontem havia projecto; hoje não sei bem o que existe: bebedeira?!
Mais vale acabar com as escolas..., já que não se pode ensinar e educar. A escola foi imaginada para essa função. Se a TV e a Internet "educam" e se os alunos são assim tão "cultivados" e "sabidos", com o dinheiro dos pais, então a escola não faz sentido e, pelo caminhar da onda, grandes partes do cérebro também podem ser removidas, já que não são usadas. A neuroremoção iria criar espaço livre dentro do crânio para ser enchido por... Alguém sabe...? :)

E. A. disse...

Claro que a escola faz sentido. Porque o Francisco parte do princípio errado que ter conhecimentos é ser educado. Ora, não é. Porque eu posso ser muito culta e ser uma cretina.
Educar é passar conhecimentos, o legado, a tradição, mas é muito mais que isso! E o resto, neste momento, é o fundamental, porque é o que fará a diferença. Uma educação afectiva, que nos termos do prof. José Gil significa uma educação na empatia entre prof e aluno e entre alunos. Senão tudo se desfragmenta e o próprio conhecimento é vão!
O seu discurso, se n acredita nos jovens, auto-refuta-se. Porque n tem insurreição possível.
Eu n defendo a pedagogia construtivista a 100%, porque a sua ortodoxia levou a proliferados desastres em todo o mundo Ocidental. Mas tb n tolero a "salvação" numa figura que tem autoridade porque "sabe muito de muita coisa". Desista! Isso já se perdeu irremediavelmente! Se quer viver num país livre, democrático, capitalista e globalizado, essa é uma ideia arcaica e anacrónica! Os professores são outros. Os jovens são outros. Limite-se a partir do que lhe é dado, para então criar soluções. Forçar dados, impicam falsas conclusões.
Senão onde tem a sua fuga? Nas Universidades? Com a patética da Joana A. D. e com a "profundidade" do prof José Gil (um "olá" para ele se nos estiver a ler!)?

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Eu não desisto, Papillon, mesmo quando sei que vou nadar contra a corrente. Porque acredito na minha perspectiva e sei que o mundo anda terrivelmente enganado!

E. A. disse...

Eu também acredito na minha perspectiva, mas n tenho essa presunção terrível de julgar os outros cegos (e julgar os jovens burros).
De qualquer maneira, as suas notas de autoridade, antecipam a sua "martirização" - morra honrado, se esse o seu desejo! Só que em vez de ser às portas de Pompeia, é às portas do futuro!

Unknown disse...

"Marx elaborou um conceito positivo de autoridade que opõe ao "autoritarismo" (a má autoridade). E não possibilita que a autoridade do professor seja questionada."

At last a Portuguese (Mr. Saraiva de Sousa) who seems to understand the importance between "authoritarian", and "authoritative".

Unknown disse...

"Marx elaborou um conceito positivo de autoridade que opõe ao "autoritarismo" (a má autoridade). E não possibilita que a autoridade do professor seja questionada."

At last a Portuguese (Mr. Saraiva de Sousa) who seems to understand the importance between "authoritarian", and "authoritative".

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

C

De facto, em inglês é mais fácil fazer a distinção: "autoritário" e "autoritativo". Os brasileiros usam este último termo mas não soa lá muito bem!