«A maior mentira, repetida com suficiente frequência, pode ser aceite como certa». De facto, a repetição constante imposta pelos mass media a audiências mais ou menos subjugadas pode ser destrutiva: «destruindo a autonomia mental, a liberdade de pensamento, a responsabilidade, e conduzindo à inércia, à submissão e à renúncia da mudança. A sociedade estabelecida, maestra da repetição, converte-se no grande claustro materno dos seus cidadãos». (Herbert Marcuse) O Primeiro-Ministro, José Sócrates, diz ter lido Eduard Bernstein e «assimilado» o seu "socialismo reformista", justamente criticado por Rosa Luxemburgo. A célebre frase de Bernstein, «Os chamados objectivos finais do socialismo não são nada, mas o movimento é tudo», parece elucidar o discurso proferido pelo PM José Sócrates no "Comício do PS" que decorreu hoje no Porto (15 de Março de 2008). José Sócrates falou das reformas e das "mudanças" (novidade teórica!) realizadas pelo seu governo nestes três últimos anos, mas quase não falou do Futuro de Portugal, mais preocupado em tentar mostrar que estava a cumprir as promessas eleitorais do que a «sonhar» (outra novidade teórica!) para a frente. Embora já tenha deixado transparecer noutras ocasiões que considera a crítica «quase sempre destrutiva», José Sócrates parece ter finalmente tomado consciência de que, «para um partido que tenha de acompanhar uma evolução verdadeira, (neste caso o PS,) a crítica é indispensável» e, contrariamente à tendência "oportunista" de Bernstein, foi mais apelativo em relação à "tradição do PS", não vendo necessariamente nela «uma cadeia opressora». Foi neste movimento de abertura aos militantes do PS que defendeu a "via reformista" do seu governo, acentuando que o número e o ritmo acelerado das reformas e das mudanças se deve ao facto de ter constatado que Portugal estava a ficar muito atrasado em relação à Europa. O seu projecto para Portugal é executar todas as reformas necessárias para o seu desenvolvimento económico, entre as quais destacou a educação e o plano tecnológico.
Num outro post avancei com a tese meramente académica de que a obra de Marx que poderia ter influenciado remotamente o plano tecnológico deste governo socialista era «Miséria da Filosofia», onde encontramos esta frase tão citada tanto pelos marxistas como pelos adversários de Marx: «As relações sociais estão intimamente ligadas às forças produtivas. Adquirindo novas forças produtivas, os homens mudam o seu modo de produção, e mudando o modo de produção, a maneira de ganhar a vida, mudam todas as suas relações sociais. O moinho manual dar-vos-á a sociedade com o suserano; o moinho a vapor, a sociedade com o capitalismo industrial». Com esta frase de Marx, está estabelecido o fundamento filosófico de todos os planos tecnológicos. Ao apostar «nas novas oportunidades, na qualificação e na inovação», o plano tecnológico visa transformar a sociedade portuguesa e dinamizar o seu desenvolvimento científico e tecnológico, de modo a tornar a nossa economia futuramente mais produtiva e competitiva.
Deste plano arquitectado pelo governo parece resultar uma nova noção de socialismo, a que podemos chamar socialismo tecnológico: planear e acelerar a mudança tecnológica e, pelo seu impulso intrínseco, modificar a sociedade e a economia portuguesas. Há aqui um objectivo claro, simples mas claro: sem mão de obra qualificada e inovação tecnológica, não é possível mudar os rumos da sociedade portuguesa e muito menos garantir um Estado com preocupações sociais. Com efeito, as novas tecnologias são intrinsecamente democráticas e parecem trazer no seu bojo a promessa de uma sociedade mais justa, livre e autónoma; mas, para que essa "promessa tecnológica intrínseca", se realize, é necessário implementar outras políticas que salvaguardem a "qualidade da democracia" (outra novidade teórica!), à qual convém acrescentar as políticas educativas, a formação cultural (ausente!) e a cidadania (ausente!), dirigidas no sentido da valorização do "mérito", da individualidade e da "qualidade", o único sentido capaz de nos salvar da "aliança negra" entre o "tecnologismo tecnocrático" e o economicismo. Esta "direcção qualitativa das novas políticas de mudança" escapou novamente a José Sócrates, mas não a um homem superiormente inteligente e distinto como Marx: «Os mesmos homens que estabelecem as relações sociais em conformidade com a sua produtividade material produzem também os princípios, as ideias, as categorias, em conformidade com as suas relações sociais. Estas ideias e categorias são tão pouco eternas quanto as relações que exprimem. São produtos históricos e transitórios». Marx sugere um conceito que temos defendido recorrentemente neste blogue: Sem a aposta na formação humanística para a cidadania, o plano tecnológico carece de alma: José Sócrates está certo quando «abandona» certos preconceitos atávicos da tradição socialista, sempre respeitando e procurando reforçar a democracia política, mas ainda não avançou com uma concepção (mesmo que negativa) de socialismo que esteja em conformidade com as mudanças radicais que o seu governo pretende estar a executar. O governo "socialista" e o PS precisam urgentemente de um modelo regulador (no sentido kantiano) de "sociedade socialista" e, sem o impulso das humanidades (no sentido ocidental), tuteladas pela Filosofia, esse modelo corre o risco de nunca chegar a ver a luz do sol. "Sonhar para a frente" (Bloch) é aquilo que sempre definiu o socialismo democrático e que distingue a Esquerda Socialista da Esquerda Conservadora e da Direita. Só a crítica pode galvanizar esse "sonhar acordado" e obrigar o Partido Socialista a acompanhar a verdadeira evolução do mundo global, sem se descaracterizar ou sem esquecer a sua tradição, ela própria uma tradição crítica, bem visível nas obras de Marx. Ainda não foi desta vez que José Sócrates introduziu verdadeiramente o "pensamento" na política (Hannah Arendt), optando corajosamente pelo "discurso que diz a verdade" em detrimento do "discurso demagógico eleitoralista". Face às campanhas que os mass media montaram contra a sua imagem, a sua psicologia e a sua real competência, o pragmatismo de José Sócrates não é publicamente convincente, sobretudo quando o acusam de "viver num Portugal irreal". As reformas correm o risco de sacrificar os "objectivos" ao puro movimento de uma "máquina tecnológica de propaganda de má política", mais preocupada com a conservação do poder do que com a mudança social qualitativa. Neste movimento ilusório e narcisista, o PS esquece que o pensamento e o combate à corrupção são tudo aquilo que o pode distinguir, em termos de política de qualidade, dos outros partidos, à Direita o PSD e à Esquerda o PCP. Se José Sócrates deseja um futuro qualitativo para Portugal, como disse, então não pode adiar a mudança de fundo sem a qual as reformas carecem de sentido: a formação cultural e a "cultura do mérito" amordaçadas pela corrupção nacional. Populismo e trapalhada já bastam os do PSD de Menezes e Santana Lopes, abundantemente difundidos e legitimados pelos seus canais da SIC, a repetição das mesmas mentiras! Viva o PS! Viva o Porto!
J Francisco Saraiva de Sousa
9 comentários:
Alienação partidária, é aquilo de que o Francisco sofre e de que urgentemente precisa de libertar-se se quer ter a pretensão de combater a corrupção e a mediocridade!
Esta alienação revela-se em tudo aquilo que afirma àcerca das promessas de Sócrates, àcerca das suas «reformas», àcerca da sua abertura à critica, àcerca do seu plano tecnológico e de desenvolvimento, àcerca das políticas educativas, àcerca do seu discurso «que diz a verdade».
As promessas de Sócrates passaram por coisas como não aumentar os impostos, criar 150000 empregos e referendar o tratado (ou a constituição) europeu
Nenhuma destas promessas foi cumprida, mas a propaganda do PS procura transmitir o contrário dando o dito pelo não dito, e não dito pelo dito. A manipulação é isto mesmo. Isto já para não falar do desvio ideológico do PS, que você tenta negar pela tranfiguração de Marx num «socialista» neoliberal, seja lá o que isto seja.
A dita «abertura à critica» não passa de abertura à campanha eleitoral que, pelos vistos, já se iniciou: com as eleições a aproximarem-se convém dar uma imagem dialogante e não autoritária, pluralista e mais humana e não tecnocrática e arrogante. Se os portugueses têm memória curta, esperemos que não sejam estúpidos ao ponto de se deixarem enganar por essas pseudo-aberturas.
O plano tecnológico e de qualificação dos portugueses resume-se ao que se sabe (mas que convém esconder ou deturpar): que ser-se mais qualificado significa ter um diploma na mão (que não resulta de qualquer estudo, mas apenas da inscrição em programas tipo «novas oportunidades), e que o desemprego de pessoas mais qualificadas tem vindo a crescer como nunca durante este governo, enquanto que os poucos empregos criados (e que este governo reclama como cumprimento da sua promessa!) são empregos pouco qualificados e precários.
Assim, o dito discurso que «privilegia a verdade» é antes um discurso que privilegia a mentira, a manipulação de números e a repetição de chavões vazios e sem qualquer correspondência com a realidade. Surpreendente (ou não) é você dizer que os mass media lançaram uma campanha contra Sócrates, quando o que se vê é as televisões (sic, rtp) assim como os jornais (JN, DN, Expresso, etc - a feliz excepção é o Público) em campanha activa a favor de Sócrates e das suas políticas.
Enfim, o pragmatismo de Sócrates mais preocupado com «resultados» do que com «principios», é ele mesmo um falso pragmatismo. Porquê? Porque, precisamente, está desligado de princípios, e nessa medida só se preocupa com as estatíticas e com os números, com «resultados» que não reflectem nenhum desenvolvimento ou qualificação - porque não há qualquer intenção em os promover (a verdadeira intenção é apresentar os números pelos números).
Este governo e Sócrates reduzem-se à política de espectáculo e de plástico feita para as televisões (que «perseguem» o «grande líder»): o que lhes interessa é «entreter», iludir, os potenciais eleitores. O que lhes interessa é não falar das «poucas» coisas más que fizeram, como disse o Vitalino. Resta-lhes falar das «muitas coisas boas», isto é, de nada ou do mesmo de sempre (como o controlo do défice - feito à custa dos portugueses, ou dos «privilegiados» segundo o discurso demagógico), e fazer festas para um rebanho de velhinhos trazidos de diversos pontos do país. É para isso mesmo que servem os comícios ou contra-manifestações, como a deste sábado. Qualquer semelhança com a União Nacional não é mera coincidência...
De facto, considero-me a-partidária porque não me são claras as doutrinas políticas dos partidos, e isso é observável nas medidas que tomam (os partidos que entretanto têm estado no poder), que não obedecem aos seus fundamentos, pelo menos de maneira essencial.
Gostaria que fosse possível, como ouvi outro dia a Maria Filomena Mónica a dizer, eleger deputados, de modo a que a representação fosse mais directa e expressiva. Talvez fosse uma maneira de os cidadãos se tornarem mais atentos e participativos nas lides políticas.
lp
«Alienação partidária»? Não, sou livre e independente. E, no partido socialista, há liberdade de pensamento. :)
Não revejo as minhas posições naquilo que me atribui. Sabe que a marcha foi um mero episódio de libertação de stress e a maior parte dos professores não "alinham" à esquerda do PS. Mas o governo responde com o diálogo...
Acusa o governo de muitas coisas que não são da responsabilidade do governo: o emprego, por exemplo. Quem deve criar emprego são as empresas e a economia. Um Estado Gordo é insustentável neste mundo global. Não sei que modelo económico alternativo opõe à economia de mercado! E não vê que até Lenine dizia que o maior inimigo da "revolução" era a burocracia! Deseja um Estado mais burocrático e pesado?
Coloquei revolução entre aspas, porque Lenine não via a revolução de Outubro de 1917 como uma revolução do proletariado. Aguardava a revolução alemã nesse sentido! Convém fazer justiça aos "mestres". :)
Não qual é o seu Marx, mas não é o Marx que escreveu as obras que continuamos a ler. Já leu o que Marx diz sobre o colonialismo, nomeadamente o inglês? Já leu o que Marx dizia do mundo islâmico? E, já agora, onde tem uma crítica de Marx à democracia e à liberdade? Ele apenas dizia que a democracia devia ser alargada a todos e sonhava com o reino da liberdade: administração em vez de Estado burocrático. De certo modo, Marx tem uma costela tecnocrática.
Lenine criticou sempre a luta sindical. Dizia que os sindicatos contribuem para o aburguesamento do proletariado, apagando o seu espírito revolucionário. Acha que os professores "satisfeitos" estão preocupados com a liberdade e a justiça social? Eles querem é reforma garantida. O PCP já devia ter aprendido que os "oprimidos" saciados alinham logo à Direita.
Lp, é a vida animal a falar mais alto!
Cumprimentos
Papillon
Esse modelo só poderia funcionar numa muito pequena (demograficamente) sociedade! Os partidos não podem ser entregues a si mesmos: são capturados por ambiciosos e oportunistas. Convém estarmos atentos! :)
Rousseau dizia, de facto, que o regime democrático sé era viável num estado pequeno demograficamente.
Não sei, mas os partidos põem lá os deputados que querem (por compadrio) e o povo fica sem representatividade! :(
Papillon
Basta combater a corrupção: esta é que está a degradar tudo. Pelo menos, vejo a situação a partir desse prisma. Mérito, competência, igualdade de oportunidades, ..., tudo isso que o sistema nacional de favores mina.
Mas erradicar a corrupção, não é mesma coisa que a erva daninha do jardim. Equivale a dizer que deveríamos erradicar o crime sob todas as formas..., ora isso é uma impossibilidade da humanidade enquanto tal.
Além disso, acredito que um indivíduo deva ter sempre espaço para expor as suas ideias e razões, independentemente de estar sujeito à linha ideológica de um partido! Se quer a tutela da Filosofia, tem de concordar cmg! :)
Todas as formas? Isso é impossível! Vencer pequenas metas, uma de cada vez: somos mortais! E a filosofia só existe porque somos mortais! :)
LOL! Sócrates se viesse aqui ler não perceberia metade! não o inventes culto... nem o Marx todo leu.
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