O programa "Prós e Contras" de hoje (3 de Março de 2008) foi novamente dedicado à educação e contou com a presença de João Lobo Antunes (neurocirurgião), António Câmara (novas tecnologias), Luís Palha (ramo empresarial) e Manuel Villaverde Cabral (sociólogo), todos professores universitários, com excepção do terceiro, e, na plateia, Estevão Moura (recursos humanos), Pedro Mil-Homens (Academia de Alcochete) e Carlos Coelho (criativo ligado à comunicação). Fátima Campos apresentou-os como «personalidades de referência» nacional. Este programa foi minuciosamente planeado por Fátima Campos e sua equipa e o título escolhido marca uma diferença em relação ao anterior programa dedicado à educação. O anterior contava com a presença da Ministra da Educação, mas este teve a presença de «personalidades de referência», aquelas que Fátima Campos gosta de publicitar e apresentar como a «massa crítica» nacional. A ironia que acabo de usar abundantemente constitui já uma desmistificação política do estilo de jornalismo praticado por Fátima Campos, que está a ser penalizada pelo público, ou melhor, pelos portugueses que desejam ser tratados como cidadãos e que querem participar na vida pública, de modo a acabar com o seu monopólio por parte destes rostos das pseudo-elites nacionais. Os professores mais atentos devem ter compreendido a mensagem: todos estão de acordo com as reformas da educação, nomeadamente com a avaliação do desempenho dos professores (1), criticam o actual sistema de ensino (2), encaram esta «revolta» dos professores como não aconselhável (3) e não desejam a demissão da Ministra da Educação (4). Comparando os dois programas, detecta-se uma diferença demasiado evidente: a «educação» destes intervenientes, os consensos negociados, o silêncio da audiência, que só bateu palmas a pedido de Fátima Campos, enfim «tudo gente bem educada». Etologicamente, esta é a mensagem principal: os professores são "mal educados" e os pais devem participar na escola, porque esta é, como tenho dito frequentemente, uma "escola para a cidadania". Apesar de não concordar com este estilo pseudo-elitista, devo dizer que os intervenientes deste último programa têm razão e, por isso, aconselho os "professores revoltados" a pensar seriamente na sua situação e, sobretudo, a fazer uma análise objectiva da situação social geral do país, aquilo que deveriam ensinar aos alunos. Se pararem um pouco e deixarem passar o momento do «encharcamento hormonal», demasiado emotivo e irracional, começarão a pensar que, afinal, não têm razões para estarem "revoltados". O diploma da "avaliação do desempenho" (ou mesmo o modelo de gestão) não pode ser avaliado por um "diagrama", aliás bem elaborado. Como sabe quem pensa em termos científicos, um diagrama funciona como um «mapa» ou um «esquema» que facilita a compreensão do texto de que faz parte. Tal como qualquer outra profissão, os professores têm de ser avaliados e esta proposta é, como disse Estevão Moura, exequível e quase-perfeita, embora possa vir a ser melhorada, como reconheceu a Ministra da Educação no programa anterior. Se os professores pensarem um pouco mais, concluirão que não têm o apoio dos portugueses em geral. Isto significa que estão sozinhos nesta luta, de resto manipulada por forças político-partidárias e sindicais, que, se tomassem o poder, iriam reproduzir uma cópia bastarda da Ex-União Soviética. Contra factos não há argumentos e muito menos argumentos racionais! Os "ilustres" convidados de Fátima Campos disseram aquilo que tenho dito repetidamente nos meus blogues e que voltei a tratar em posts recentes durante esta semana. Muito esquematicamente defendo estas teses que passo a formular seguindo uma via "selvagem" (não elaborada teoricamente): Tese 1: Depois do 25 de Abril de 1974, a escola portuguesa, em especial a escola pública, entrou num processo de degradação acelerada, fortemente agravada pelas políticas da educação dos governos de Cavaco Silva. Todos os presentes, em especial Lobo Antunes, António da Câmara e Villaverde Cabral, confirmaram esta tese, alegando a sua experiência pessoal. Os antigos liceus onde estudaram foram boas escolas. Guardam boas recordações desse período e dos seus professores, mesmo dos maus professores que gralmente criam nos alunos o senso de injustiça. (Sei o que isso significa porque a maior parte dos meus professores foram péssimos!) E os curriculos eram excepcionais, dada a sua profundidade, o esforço exigido e o rigor das diversas disciplinas, desde o latim à matemática, passando pela língua portuguesa e a literatura. Estudaram em Universidades estrangeiras e não se sentiram diminuídos diantes dos outros colegas. Tinham uma boa formação! O mesmo já não pode ser ditos dos actuais alunos que prestam pouca atenção aos professores, dado estarem mais interessados em enviar mensagens via telemóvel. Tese 2: A escola deve estar dirigida para os alunos e para a sua formação. Todos reconheceram que o que os impressionou no programa anterior foi o facto dos professores não terem falado dos alunos e da educação, como se a escola fossem "eles" e não "nós" todos, incluindo todos os cidadãos. Até um artigo de Miguel Judice foi repetidamente referido para mostrar que esta "escola dos professores" (eles) constitui um "problema" e não parte da "solução desse problema". Em suma: os cidadãos estão mais preocupados com o ensino do que os próprios professores e, o que é ainda mais grave, consideram que os actuais curriculos estão desactualizados, como tenho dito frequentemente. Esta constitui a crítica mais grave e preocupante feita (justamente) contra os professores e estes, em vez de pensar com a cabeça na dignificação da sua profissão, seguem passivamente as forças sindicais obscuras e fazem reivindicações corporativistas, sem se aperceberem que, como corporação, perderam toda a credibilidade. Tese 3: As ciências da educação e a mania das pedagogias destruiram completamente o ensino e, de certo modo, converteram os professores em meros "burocratas". Este modelo foi terrível e os professores e os alunos foram as suas principais vítimas. Contudo, os próprios professores, em vez de terem denunciado estas ciências burocráticas assentes num princípio absolutamente errado, o qual procura resolver tudo com mais "educação", deixaram-se aprisionar, aceitando acrítica e passivamente a sua redução a meros escriturários, sem competências científicas e pedagógicas, sem autonomia e autoridade. Mais outra crítica grave dirigida (justamente) contra os professores. Mais outra razão para deixarem o falso orgulho de lado e dialogarem directamente com o Ministério da Educação, sem os intermediários sindicalistas, talvez contando com a ajuda de "mediadores de prestígio e de confiança", como foi proposto por Lobo Antunes. Tese 4: Por último, foi proposto um novo modelo de escola: a escola para a cidadania ou, como também lhe costumo chamar, a escola como instituição crítica, centrada sobre a formação dos alunos e a sua preparação gradual para o mundo dos adultos, o mundo comum de Hannah Arendt. Mais outra lacuna do discurso dos professores, que, dito de modo mais claro, foram diplomaticamente retratados como estando profundamente "alienados e alheios" àquilo que constitui a essência da escola ou o seu principal problema: a "natalidade" (Hannah Arendt). Diante destes factos concretos, os professores devem parar para pensar que, neste momento de crise nacional, devem ser solidários com todos os outros portugueses e fazerem também as suas cedências para o bem público comum, sem verem nessa atitude uma perda de dignidade ou um recuo. Aliás, só desse modo poderão recuperar a dignidade e a autoridade perdidas. Mas, se continuarem a fazer estas manifestações, as câmaras de televisão gravam e difundem imagens de professores grisalhos que fumaram "erva" nos anos 60 e lutaram contra os poderes instituídos, para mudar o sistema vigente, mas que agora se manifestam para garantir os seus privilégios adquiridos sem mérito e a sua carreira destituída de prestígio. Por favor, deixem corajosamente de ser o problema e passem a ser parte da solução desse terrível problema que é uma escola inútil. J Francisco Saraiva de Sousa
16 comentários:
Sim...é claro que os professores estão a "dar o flanco" nesta polémica. Falta-lhes a autoridade moral de quem, confortávelmente, deixou que os problemas da educação se avolumassem por troca com os seus interesses corporativos. E é óbvio que do ponto de vista da educação não têm alternativas. São "contra" e é tudo, quando na prática e mesmo dentro dos condicionalismos existentes têm efectiva margem de manobra.
Bom dia!
Subscrevo todas as suas "teses", à excepção, talvez, da 4ª, pois, tal como da outra vez o referi, o bem comum deve estar em permanente equilíbrio com as idiossincrasias do indivíduo. E a adultez é apenas um estado com determinadas responsabilidades como outro qualquer, n é o ponto de vista da verdade. Portanto, uma coisa é a vida em comunidade ou a cidadania, outra é a verdade, caminho solitário que deve ser motivado, também, na escola.
De qualquer maneira, o que interessa salientar é que a escola vai mal, a avaliação dos professores é um problema menor e os professores devem todos meditar sobre isto: o novo papel da escola, o novo papel do educador. Vamos discutir isto, senhores professores?
Manuel
Infelizmente, os professores estão alheados da escola e do ensino: são "estranhos" dentro do processo educativo. Dentro da escola, mas fora do "ensino". Triste destino!
Papillon desafia:
"Os professores devem todos meditar sobre isto: o novo papel da escola, o novo papel do educador. Vamos discutir isto, senhores professores?"
Concordo! :)
«Em suma: os cidadãos estão mais preocupados com o ensino do que os próprios professores e, o que é ainda mais grave, consideram que os actuais curriculos estão desactualizados, como tenho dito frequentemente.
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Contudo, os próprios professores, em vez de terem denunciado estas ciências burocráticas assentes num princípio absolutamente errado, o qual procura resolver tudo com mais "educação", deixaram-se aprisionar, aceitando acrítica e passivamente a sua redução a meros escriturários, sem competências científicas e pedagógicas, sem autonomia e autoridade.»
Sabe o que me dói, Francisco? É ser acusado de nunca ter dito o que eu e outros professores andamos a dizer há mais de vinte anos, sem que a mensagem alguma vez tivesse «passado».
Se você for ao meu blogue, como tem ido, encontrará lá precisamente as duas preocupações que acusa os professores de não ter: a centralidade do ensino e do aluno e a recusa da tecnoburocracia educativa com as suas experiências delirantes.
E não sou só eu. Somos muitos a pensar assim. Se estamos em maioria ou não, não sei: mas lá falar, falámos, e falámos durante décadas. Não é culpa nossa que nunca tenhamos sido ouvidos; nem é nosso mérito que comecemos a sê-lo agora graças à existência da blogosfera.
O «novo» papel da escola? Quando o problema da escola está em já não conseguir cumprir a sua velha, e cada vez mais necessária, missão - a de ensinar? Quando já não consegue desempenhar o seu velho e indispensável papel - o de mediadora entre as gerações?
Precisamente, caro F.! Os professores perderam a dignidade porque perderam a autonomia (diferente da tónica na autoridade, porque n creio que a autoridade por si só resolva o problema, aliás até o agravaria, porque descontentes e frustrados como estão tornavam-se carrascos)! Eles estão desalojados! Uma profissão com tanta responsabilidade, alheia desta mesma, são fantoches! E por isso n são levados a sério!
J. L. Sarmento
Sabe que frequento o seu blogue e sei que existem professores que sempre defenderam isso. Não foram escutados, até pelos próprios colegas! Penso que o melhor agora seria dialogar com o ministério, sem intermediários "estranhos", e tentar reconquistar a dignidade perdida! A escola é uma instituição fundamental e deve ser reformada de modo a constituir-se como parte da "solução do problema". E o ensino público deve reconquistar a sua posição central!
Papillon
Quanto à tese 4, devo dizer que penso, em parte, a escola como um espaço que fomenta gradualmente os rituais de passagem: passagem da infância para a vida adulta! Uma visão romântica? Talvez... Mas o sistema capitalista actual é demasiado flexível e criou uma "indústria juvenil" que explora indecentemente as crianças e os jovens, adiando perversamente a sua passagem à vida adulta ou, como diz Arendt, à responsabilidade pelo mundo.
Isto não significa que as crianças não devam brincar. Devem brincar mas até as brincadeiras ajudam-nas a assimilar "papéis" e a interiorizar a sociedade.
Adiar a vida adulta e as responsabilidades não faz bem a ninguém! Perda de tempo! É bom ser autónomo! :)))
Sarmento,
Novo, porque actualizado. Faz parte da definição de escola, o ensino. Agora a questão é como ensinar, diante da frenética concorrência deste admirável novo mundo imagético e tecnológico!
Francisco,
Concordo consigo, já tivémos oportunidade de falar sobre isso. Eu sou uma vítima desse sistema, como uma vez lhe disse, acrescido à generosidade da natureza e à fortuna da vida. Mas aprendi que a vida n é facilidade e que a escola deve ser o sítio priveligiado para demonstrar este princípio indelével.
Quando reforço a minha resistência à tese 4 é porque acho que o sentido do bem comum é necessário, mas não exclusivo. Ser adulto é autonomia, tal como ser criança é criatividade e espontaneidade e ser adolescente é rebeldia e experimentação; nenhuma das fases é completa. Nem a velhice ou a 3ª idade é o esplendor do ser humano! Todas as fases têm a sua plenitude e devem ser vividas com a disponibilidade e liberdade possíveis. Por exemplo, os artistas e os filósofos são indispensáveis à sociedade, ao contrário do q disse ontem no programa, e o espanto do filósofo ou a inspiração do criador, assemelha-se muito ao ponto de vista da criança, é uma eterna rememoração deste! Claro que só somos artistas e filósofos quando autónomos, mas ser criança não é um estado em potência para se ser adulto, mas é factivo.
Estamos de acordo, Papillon
Eu ainda gosto de "brincar" e "brinco" muito. :)
Papillon
Ainda a propósito dos "nórdicos". Nós podemos lembrar-lhes que já eramos civilizados quando eles ainda eram barbáros. Tudo começou na Grécia e depois Roma. A nossa língua é profundamente erudita, as deles são pobres, como o mostra o inglês!
O inglês é pobre, mas o alemão é rico! Tem casos, como o latim e o grego antigo.
De resto, concordo. Por isso, gosto de dizer que sou mediterrânica, qd me perguntam qual a minha ascendência, (por n parecer portuguesa).
Os bárbaros... os gregos chamavam-nos assim por causa da sua língua que lhes era inintelegível, e que soava a um "ba-ba-ba"... :)
O alemão é como as línguas clássicas e integrou-as. O inglês tb integrou muitas palavras. Mas os nórdicos mesmo têm uma mitologia linda! Thor!
Claro... fala de Thor! Se falasse das Valquírias é que era de estranhar. :)))
Mas n conheço profundamente a mitologia escandinava. :(
O chinês? Simples! Acredito mas não o quero aprender! Como diria o tal ministro: JAMAIS! :)
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