Estamos na Primavera e, para festejar a sua chegada recente, deixo aqui mais dois poemas de Georg Trakl: Frühling Der Seele e Im Frühling, ambos traduzidos por Paulo Quintela.
Primavera da Alma
«Grito no sono; por vielas negras despenha-se o vento,
O azul primaveril acena através de ramos que quebram,
Purpúreo orvalho da noite e apagam-se em volta as estrelas.
Esverdeado o rio alvorece, prateadas as velhas aldeias
E as torres da cidade. Ó suave ebriedade
No barco que desliza e os escuros gritos do melro
Em jardins infantis. Já se abre o véu róseo.
«Solenes sussurram as águas. Oh as húmidas sombras da várzea,
O bicho a andar; verdura, ramagem florida
Toca a fronte cristalina; reluzente barco balouçante.
Baixinho ressoa o Sol nas nuvens rosadas no outeiro.
Grande é o silêncio do pinhal, as graves sombras junto ao rio.
«Pureza! Pureza! Onde estão as veredas terríveis da morte,
Do pardo mutismo de pedra, os penedos da noite
E as sombras sem paz? Refulgente abismo do Sol.
«Irmã, quando eu te encontrei em clareira solitária
Do bosque e era meio-dia e grande o silêncio dos bichos;
branca sob o carvalho bravo, e de prata floria o espinheiro
Poderoso morrer e a chama cantante no coração.
«Mais 'scuras cercam as águas os belos jogos dos peixes.
Hora do luto, contemplar silente do Sol;
A alma é um estranho na terra. Espiritual alvorece
O azul sobre o bosque abatido e ouve-se o dobre
Longo de escuro sino na aldeia; acompanhamento pacífico.
Calma floresce a murta sobre as pálpebras brancas do morto.
«Baixinho soam as águas na tarde cadente
E verdeja mais 'scuro o mato da margem, alegria no vento rosado;
O canto suave do irmão no outeiro vesperal».
Na Primavera
«Baixo cede a neve a escuros passos,
Na sombra da árvore
Erguem pálpebras róseas os amantes.
«Sempre segue aos brados 'scuros dos barqueiros
Astro e noite;
E os remos batem baixo compassados.
«Breve florescem junto à parede em ruínas
as violetas,
Tão calma verdeja a fronte ao solitário.» J Francisco Saraiva de Sousa
10 comentários:
Boa Páscoa! Aleluia!
Hoje estou com a alma cheia de Primavera, pois apanhei flores com uma linda menina!
Amanhã comento o texto abaixo...
Francisco, este belo poema me deixou nostálgico, com saudades de lugares que ainda não conheci!
Que cena bucólica, Papillon!
Sim, André! :)
O F. apagou o seus votos de boa Páscoa à Papillon. :(
André
Aí perto, na Argentina, há um filósofo chamado Hugo Mujica que escreveu uma bela obra "La Palabra Inicial: La mitologia del poeta en la obra de Heidegger", muito na peugada de Heidegger: uma excelente obra de leitura criativa da grande poesia. :)
Papillon
Já tinha feito esses votos muito antes, diversas vezes, e ontem já era tarde: a Páscoa já tinha sido e por isso achei o comentário redundante.
André
Uma bela peça de teatro sobre esta temática é "O Despertar da Primavera" de Wedekind.
Via-a aqui no Porto no Teatro Nacional Carlos Alberto, duas vezes ou três. Contudo, numa sessão inaugural, num debate com o seu responsável, provoquei uma discussão sobre a adolescência! A leitura feita sobre a peça pelo próprio encenador era muito "comunista": só "imperialismo", como se a adolescência fosse uma "invenção burguesa". :(
Francisco, vou procurar a obra de Hugo Mujica que vc mencionou. Estou lendo os Caminhos da Floresta (Holzwege), uma coletânea de textos de Heidegger lançada pela Fundação Calouste Gulbenkian. Aliás, esta tradução portuguesa é infinitamente melhor do que aquelas realizadas aqui, "em brasileiro", como bem disse a Papillon certa vez. :)
Boa Páscoa, Papillon!
Obrigada André e igualmente :)
André
E mesmo assim ainda há um ou outro lapso de tradução. Aí no Brasil saitam duas traduções interessantes, as de "A caminho da linguagem" e "Ensaios e Conferências" de Heidegger. Se houvesse mais colaboração entre portugueses e brasileiros, as obras poderiam ser vertidas para língua portuguesa em excelente "estado".
Por exemplo, as obras de Walter Benjamin estão a ser bem traduzidas para português por João Barrento, que criticou severamente as traduções brasileiras existentes.
Oi Papillon: já não estou triste!
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