domingo, 9 de março de 2008

Democracia, Educação e Mass Media

A "marcha da indignação" dos professores de hoje (8 de Março de 2008) mostrou a pertinência da análise política que faço da situação da democracia em Portugal e do seu futuro: a democracia portuguesa está internamente corrompida, pelas razões que expus noutros posts.
Os professores gritavam: "ai, ai, não gosto desta mulher; quero vê-la longe de mim; que vá para onde ela quiser." Os comunistas e restante oposição (Bloco de Esquerda, PSD) deram a cara à marcha, distribuíram cartazes, slogans, enfim canções, afiaram os dentes e alguns deram à língua, produzindo no Terreiro do Paço o discurso «vitorioso». Mesmo que a maior parte dos professores presentes não fosse comunista, a sua marcha foi claramente manipulada pelo PCP e pelo seu braço sindical. É certo que alguns professores disseram que eram «a-partidários» e contra esta «colagem» partidária, mas isso não muda o sentido político da marcha da indignação, até porque os que falaram para as televisões mostraram ausência de pensamento e de racionalidade.
Uma das classes que devia ser ilustrada mostrou publicamente incapacidade cognitiva e crítica, que se transmite, qual vírus super-infeccioso, aos alunos há cerca de três décadas. A incompetência da maior parte dos professores de todos os níveis de ensino é o maior problema da educação nacional, agravado por políticas da educação absolutamente irracionais. E, neste aspecto, é preciso reconhecer que os professores não são os únicos culpados. Existem outros que são e foram os maiores responsáveis pela destruição do ensino após o 25 de Abril de 1974: o cancro infiltrado nas estruturas de decisão nacional.
A democracia deve defender-se das forças anti-democráticas, anti-liberais e anti-esclarecidas. A letra da música dos que pensam e desejam um futuro para Portugal é outra: "Ai, ai, não gostamos desta função pública". O Estado português e, sobretudo, a democracia têm um inimigo: o «funcionalismo público» (em sentido lato) e as suas "corporações" que se instalaram gradualmente nas instituições do Estado e que promovem activamente o "sistema de favores" e a corrupção.
De certo modo, existem dois grupos de cidadãos em Portugal: aqueles que se empregam fraudulentamente no Estado e que têm uma vida vitaliciamente "assegurada", e os cidadãos que foram excluídos da «função pública», sendo obrigados a descobrir "meios de sobrevivência" mais precários, sobretudo no sector privado. Neste país publicamente corrompido, ser funcionário público significa ter a vida fácil, ganhar bem, trabalhar pouco e receber subsídios de férias para viajar. Quando não está satisfeito com as medidas governamentais, o funcionário público recorre aos seus sindicatos estatais, íntimos do PCP, aliás os únicos existentes em Portugal, onde o movimento sindical só se manifesta no sector público, enquanto os "verdadeiros trabalhadores", mal remunerados e explorados, trabalham sem protestar, mesmo que tenham a «barriga na miséria». Este Portugal das duas cidadanias é a nossa herança do 25 de Abril: os "revolucionários de ontem" são os "corruptos instalados de hoje", a "nova classe dirigente" que, mesmo sem ter títulos de propriedade, a gere e enriquece. O que os fascistas eram ontem para eles, são eles hoje para nós: fascistas que usaram a democracia para enriquecer. A percepção deste facto constitui o mal-estar que vivemos actualmente em Portugal.
O Partido Socialista tem as suas responsabilidades nesta situação e deve assumi-las, porque, de todos os partidos políticos, é o único capaz de ajudar Portugal a libertar-se da corrupção e a lutar pela liberdade, pela justiça social e pela democracia. A história do partido socialista abona a seu favor. Contudo, precisa ter consciência de que há outro inimigo da democracia: os meios de comunicação social e o seu séquito de incompetentes, muitos dos quais recrutados fraudulentamente, como sucede sistematicamente em Portugal. Afinal, os professores até são relativamente "inofensivos" diante destes «mentirosos da notícia». A produção da mentira em directo é verdadeiramente escandalosa e o Estado tem legitimidade para pôr termo a este tipo distorcido e manipulador de comunicação mediada, a qual pode ser atribuída justamente à falência do ensino. Porém, esta falência é, ela própria, o resultado de todos os factores que favorecem a corrupção. Por isso, o PS devia mudar de rumo e encetar a luta contra a corrupção, mediante reformas inteligentes do sistema de ensino e de educação. Como dizia Marcuse, "os educadores precisam ser educados". O futuro de Portugal começa na escola (Guerra Junqueiro) e essa reforma radical da educação não pode ser vista de um ponto de vista pragmatista, mas sobretudo como uma «questão ideológica». (O governo socialista precisa mais de IDEOLOGIA.) A justeza da política socialista da educação só pode ser mostrada mediante o "regresso a Marx", não o Marx violado pela interpretação comunista, mas o Marx liberal e social-democrata.
Com efeito, o maior inimigo da Teoria Crítica, portanto, do marxismo, é o "comunismo", aliás uma ideia estranha ao pensamento de Marx, e o voluntarismo político de esquerda, da Velha Esquerda. O "socialismo" ou "social-democracia" (Nova Esquerda) é o herdeiro e o protagonista desse marxismo genuíno, aquele que transparece no elogio que Marx faz das forças de produção «burguesas», no começo do "Manifesto Comunista". Isto significa que o marxismo é, politicamente falando, liberal: defesa da liberdade, portanto, da democracia, e da justiça social, portanto, da intervenção do Estado na racionalização da economia, de modo a não permitir as desigualdades sociais e naturais.
Contudo, alguns homens ditos de esquerda não respeitam o espírito liberal do marxismo. Desejam um ESTADO MUSCULADO e GORDO, como se Marx tivesse sido apologista de um tal Estado, logo ele que referiu a extinção do Estado. Marx defendia um Estado exíguo e eficiente na gestão da "coisa pública": Poucos funcionários mas competentes! Mais poder para os cidadãos! Democracia mais participada! Por isso, defendia a educação e dizia que os "educadores" ou, se preferirem, os professores, deviam ser EDUCADOS, para estarem à altura da sua nobre missão. Como herdeiro da tradição grega do pensamento político, Marx representa sempre no seio dessa tradição viva "o sonhar acordado" ou o "sonhar para a frente" (Ernst Bloch), ao mesmo tempo que condena todo o sonho reificado, coisificado, congelado. O comunismo é pensamento congelado e colonizador: pretende colonizar o próprio tempo. Ideia absolutamente estranha à dialéctica de Marx, para a qual nada está garantido e muito menos uma síntese que violenta o particular, o específico, o indivíduo. Hoje o marxismo ou é "liberalismo com preocupação social" ou não é nada, mas o «socialismo» é sempre o sonho que orienta a política da mudança social qualitativa. (Um bom retrato da marcha contra o governo encontra-se aqui: Preparação do novo governo para 2013..)
J Francisco Saraiva de Sousa

23 comentários:

E. A. disse...

O autor do http://antifalsospedagogos.wordpress.com/ cobriu o evento melhor que ninguém - imperdível!

Bom Domingo!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

De facto, são imagens elucidativas. Já estabeleci uma ligação! :)

E. A. disse...

...são muito bem "apanhadas"!

Observadores da sociedade como ele são sempre louváveis!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Viu-se isso em directo! Desmistifico isso neste post e noutros: o problema nacional é evidente, demasiado claro. O PS deve mudar o rumo e estabelecer ordem dentro do Estado.

Helena Antunes disse...

Este seu texto está mais que bom! :) Identifica-se muito com aquilo que também penso.

BEJA TRINDADE disse...

Eu também já estabeleci a ligação desde do tempo do "Estado Novo".

BEJA TRINDADE disse...

O comentário foi ao censor, para "livremente" ser publicado.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Helena

Viu as fotos do amigo do Anti-Tretas (blogue referido pela Papillon)? Um "must"... É mesmo duas cidadanias! :(

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Beja Trindade

Não faço "censura"... :)

BEJA TRINDADE disse...

Eu já me queria parecer, que as curtas frases, traziam água no bico, o stok estava repleto de anti-comunismo bafiento.
Vim casualmente descobrir o Cyber-armazém de stoks, o qual pelos vistos serve de apoio logístico ideológico ás várias frentes de combate contra o PCP.
Em democracia os combates são abertos, não há razões para esconder nem armazenar discursos, pseudo-elogiosos ao Partido Socialista, quando nas entrelinhas é patente o discurso do PRN, protagonizados pela burguesia saudosista do regime do "Estado Novo"

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Beja Trindade

Já deu para perceber que simpatiza com o PCP, apesar da sua "ideologia" ter sido desmentida pela queda do muro de Berlim.
Sim, sou socialista. A afinidade de que fala aplica-se ao PCP = PRN: ambos visam a ditadura!

Helena Antunes disse...

Sim Francisco, vi as fotos! Estão porreiras ;)

Abraço

BEJA TRINDADE disse...

Mas afinal qual ditadura?
Esse papão já não assusta ninguém.
A menos que se esteja a referir ao Nacional Socialismo, que também não podiam com comunistas.
Há aqui muitas coincidências, não acha?

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Nacional socialismo, fascismo e comunismo são idênticos: regimes totalitários.

BEJA TRINDADE disse...

Para mim um socialista que seja profundamente anti-comunista, cheira-me a Nacional Socialista.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sou como Merleau-Ponty: a-comunista, o que é diferente de anti-comunista. Defendo a liberdade e a justiça social. Uma sociedade que garanta a "igualdade de oportunidades".

BEJA TRINDADE disse...

Fiquei sem resposta no comentário que fiz, ao texto "Medo de Mudança"

BEJA TRINDADE disse...

A liberdade, justiça social,defende-se na prática se necessário na rua.
O que o sr. diz é blá,blá,blá, retóricas.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Não vejo a contradição que refere, porque não sou «apologista» do Estado Novo. Apesar disso, os antigos liceus tinham boa qualidade de ensino. A qualidade que começou a degradar-se até hoje em que as escolas já não ensinam, devido as más políticas da educação! É preciso mudar: o que faço é a defesa da mudança! E da democracia!

Fernando Martins disse...

Para já convinha dizer que se enganou num post anterior quando disse que esta luta de professores era só de alguns - pode ter a certeza que mais de 99 % dos docentes estão unidos nesta luta.

Depois, apesar de a esmagadora maioria dos docentes não ser comunista (e nas últimas eleições legislativas ter votado maciçamente no PS) está agora unida contra as trapalhadas do PS, do governo e da Ministra da Educação (e dos seus "ajudantes").

Finalmente um comentário a esta frase: "Mesmo que a maior parte dos professores presentes não fosse comunista, a sua marcha foi claramente manipulada pelo PCP e pelo seu braço sindical."
Houve contenção por parte do PC, houve contenção por parte dos professores, não nos foram sequer sugeridas palavras de ordem, a única canção que cantámos foi o Hino Nacional... E houve gente (políticos) do PCP, do PS, do PSD e do BE (estou a falar dos que vi) na Marcha... Já agora, os professores pensam pela sua cabeça e não pela dos spin doctors ou das almas alumiadas do PS ou do Grande Engenheiro, e sabem quando, mesmo que em muitos pontos discordem, se devem unir (esta foi a minha primeira manifestação nacional e eu sou anti-sindicatos e apolítico...).

Quanto ao Blog http://antifalsospedagogos.wordpress.com/
de amigos da CONFAP e do PS, é uma lástima aqui ser citado. Uma coisa abjecta que insulta os professores e faz propaganda descarada a quem lhes paga o salário, só porque num manifestação com 100.000 pessoas encontrou 5 ou 6 coisas passíveis de crítica, vir para aqui ser divulgado, parece-me demais...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Fernando Martins

Nunca fui contra as manifestações, até porque já tentei fundamentar a desobediência civil. Apesar de tudo, é com o PS que os professores devem contar, porque não há outra alternativa credível. Façam boas propostas como interesse NACIONAL: Portugal está a viver tempos complicados. Um assunto nacional onde todos devem participar! Vejo o ensino como uma via para escapar a esta situação... Daí a necessidade de reformas que podem ser melhoradas.

Fernando Martins disse...

"Apesar de tudo, é com o PS que os professores devem contar, porque não há outra alternativa credível."

Durante 3 anos fomos insultados pelo PS, através da sua ministra. Hoje é demasiado tarde para dialogar com esta Ministra ou com este PS. E não diga que não tentámos dialogar. Houve, e há, imensos exemplos de propostas recusadas e coisas mal feitas que foram explicadas (as horas extraordinárias que iriam ser pagas por a Ministra meter as aulas de substituição antes de entrar o novo Estatuto foram explicadas à sociedade pelos sindicatos...). Hoje é tarde de mais. Basta dizer que a FENPROP aceita que se teste o novo sistema de avaliação ainda este ano, em poucas Escolas com muitas coisas ainda por fazer (o Conselho Científico tem de deliberar - ou parar - muitas fichas...) e a ministra continua mouca. É por estas e por outras (como o caso do Blog da albinaria que aqui divulgou) que nas próximas legislativas os professores e suas famílias vão votar pensando no que sofreram nestes 3 anos...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Não sou assim tão céptico. António Vitorino já avançou com três ideias, uma das quais a que refere: o teste da avaliação.
Bem, o PCP não é alternativa: com eles no poder não há oposição! Os partidos de Direita? Bem, eles têm estado muito tempo no poder e não estávamos bem. Penso que os professores devem pensar em termos nacionais e encarar a educação como assunto ou bem público, tal como a saúde ou a justiça. As coisas vão mudar! :)