segunda-feira, 10 de março de 2008

Depois do Adeus: Liceu Pedro Nunes

Hoje (9 de Março de 2008) Maria Elisa dedicou o seu programa "Depois do Adeus" à educação, tomando como fio condutor o Liceu Pedro Nunes (Lisboa), com a presença, entre outros convidados, de Daniel Sampaio, Mega Ferreira, David Justino, João Caraça, Nuno Crato, Ana Zanatti e Luís Represas, muitos dos quais foram antigos alunos desse liceu. Não vou falar da história do Liceu Pedro Nunes, aliás escrita por uma "excelente" professora de Filosofia e de Psicologia (Maria Luísa Guerra?), porque a desconheço. Apenas pretendo chamar a atenção para algumas questões que foram colocadas e tentar abrir novas vias de pesquisa e problematizar algumas perspectivas apresentadas. A minha formação analítica leva-se a recorrer à formulação de teses, embora não pretenda fazer dessas teses formulações «dogmáticas».
Tese 1. A geração grisalha educada no Liceu Pedro Nunes recordou com saudade alguns dos seus professores mais marcantes, acentuando a sua "vocação", a sua competência, a sua capacidade de inovação e a sua preocupação em formar cidadãos competentes, críticos e criativos, tudo aquilo de que carecem os actuais "professores indignados". Como se tornou evidente, todos eles partiram do pressuposto de que o ensino em Portugal se degradou após 1974 e quase todos eles descobriram a política no Liceu Pedro Nunes.
A questão que me atormentou o espírito foi esta: O Liceu Pedro Nunes foi, no tempo da ditadura, sob o comando de Veiga Simão, uma escola das elites lisboetas e todos eles consideram-se "pessoas de elite". Leram Sartre e Camus, mas o que ficou no seu espírito dessa leitura? Que elites são estas que permitiram que o ensino se degradasse ao longo dos últimos 30 anos? O seu gosto pela política não produziu resultados positivos, sobretudo quando, com a instauração da democracia, se tornou necessário abrir a escola a todas as classes sociais (a chamada massificação das escolas públicas). Em termos de mobilidade social vertical, não houve rupturas ou meras mudanças: as elites saídas do Liceu Pedro Nunes continuaram a ser as mesmas elites do regime democrático e o resultado da degradação do ensino tem de lhes ser parcialmente imputado. Se os seus professores foram excepcionais ao moldar pessoas excepcionais (eles próprios), estas últimas traíram os seus mestres: deixaram o ensino ser destruído. Os professores universitários formam professores incapazes de ensinar nos outros níveis de ensino. O ciclo da degradação do ensino está fechado.
Esta é uma tese de ruptura, porque, num país sem futuro como o nosso, não podemos agradar a todos por uma questão de cordialidade ou de cunhismo. A geração grisalha foi uma terrível desilusão. Teve qualidade de ensino, mas não a conservou para as gerações posteriores, e teve emprego garantido, mas nada fez para desenvolver o país para que este pudesse garantir emprego aos seus jovens. Os poucos empregos que existem são distribuídos pelos familiares e amigos ou mesmo acumulados pelos mesmos: aqueles que pensam ser uma elite com direitos garantidos, quase por nascimento!
Com esta tese não pretendo desmentir a qualidade do ensino no antigo Liceu Pedro Nunes ou mesmo colocar no mesmo saco todos os convidados. Mas, como tomei por princípio não "personalizar" a crítica, prefiro abster-me de diferenciá-los. Porém, devo lembrar-lhes que o Liceu Pedro Nunes não era a única referência da qualidade de ensino no tempo da ditadura. Muitos outros seguiram o mesmo caminho e mereciam ser mencionados, tal como, por exemplo, o Liceu Carolina Michaëlis e o Liceu Alexandre Herculano no Porto. Leonardo Coimbra ensinou no primeiro e ambos têm bibliotecas e arquivos muito ricos, com verdadeiras preciosidades, provavelmente vandalizadas pelos actuais responsáveis. Mas, neste país ultra-centralizado e mesquinho, a elite nacional é sempre lisboeta.
Tese 2. A segunda parte do programa contou com outros convidados, entre os quais um mau ministro da educação, que defendeu uma tese bizarra e falsa: os alunos de hoje têm mais conhecimentos ou competências que os alunos de ontem, quando, na verdade, têm mais oportunidades de aprender que desperdiçam por não estarem motivados e «coagidos» por um sistema que sobrevaloriza o mérito e o esforço. Tal como o seu filho ou mesmo o de Maria Elisa, são sobredotados, heterogéneos e "tecnológicos".
Nuno Crato e uma professora de Física da actual Escola Pedro Nunes (mudança de nome terrível e nefasta) colocaram o dedo nalgumas feridas do actual sistema de ensino, mas tanto David Justino como uma funcionária do ministério recusaram essa visão. Para o primeiro, a escola de hoje ensina mais do que a escola de ontem, sendo mais exigente e diversificada nas disciplinas oferecidas. Para a segunda, tudo se reduz à "avaliação dos professores", mesmo que os alunos não sejam submetidos a exames e os currículos não constituam um meio capaz de ajudar nessa avaliação. Como se pode avaliar os professores quando os alunos não são avaliados por exames escritos? Entre as duas partes do programa e os seus respectivos intervenientes não houve acordo. Apesar de reconhecer o carácter elitista do Liceu Pedro Nunes, os primeiros tenderam a sobrevalorizar mais o escola antiga do que a escola actual, enquanto na segunda parte David Justino viu nos actuais alunos que, mesmo depois de licenciados, cometem erros ortográficos, como foi lembrado, seres sobredotados e, portanto, mais sábios do que os seus pais, porque se "dispersam" em inúmeras tarefas simultaneamente e actividades tecnológicas.
De facto, com estas pretensas elites não fomos longe, simplesmente porque já não são pessoas capazes de compreender as novas realidades sociais e tecnológicas, preocupadas unicamente em conservar o seu estilo de vida e garantir o futuro dos seus próprios filhos, mesmo que para isso tenham de imaginar leis verdadeiramente excepcionais. Pessoas deste calibre são as couveiras da DEMOCRACIA!
O aspecto mais positivo foi o facto de Daniel Sampaio ter elogiado a sua professora de Filosofia que o fez optar pela psiquiatria e lhe ensinou a ler textos e a interpretá-los, levando os alunos a contribuir para a construção dos seus conhecimentos. É bom reafirmar o papel único e ímpar que a Filosofia desempenha na fomentação do pensamento e do espírito crítico, porque actualmente as actuais políticas da educação tendem a torná-la uma disciplina opcional. Esta tentativa de abolição da Filosofia constitui o maior erro que este governo de José Sócrates pode vir a cometer. Mas esta perspectiva de Daniel Sampaio não é incompatível com a defendida por Nuno Crato: sem conhecimentos prévios adquiridos, não pode haver espírito crítico, tão necessário para promover a cidadania responsável.
J Francisco Saraiva de Sousa

14 comentários:

E. A. disse...

A primeira parte do programa, ou a parte na qual várias figuras públicas se recordavam da sua juventude no liceu Pedro Nunes, foi, realmente, estranha. Porque eu, como filha desta geração, senti um pouco de inveja. Como diz o F., se eles se orgulham tanto dos seus mestres, eles - a maior parte professores universitários de hoje - são, neste momento, incapazes de fazer jus àqueles; vandalizaram o legado!
De qualquer maneira, não percebi a pertinência de insistir tanto no desfiar de memórias e experiências liceais.
No entanto, esperei até à parte que prometia algo mais, que se revelou pouco mais.
Gostei da intervenção do Daniel Sampaio, pela sensibilidade que lhe é sempre própria, e por introduzir linhas pedagógicas que vigoram há bastante nos USA e que devem ser as que que nos irão nortear.
É claro que, as noções que ele aflorou, aparentemente vagas, não o são de todo e não são contraditórias com o que o Nuno Crato: como este diz no seu livro do "eduquês", para haver capacidade crítica e de investigação, tem que haver conhecimento dogmático, ou os pressupostos. Ou seja, os meninos têm que estudar, têm que ler e têm que memorizar - palavra terrível, tb para mim... E têm que ler os clássicos! Fundamental!
Sobre os exames, penso que talvez sejam necessários porque, daquilo que posso acompanhar, assisti-se a muito facilitismo por parte dos professores na feitura dos testes para os meninos n persistirem em negativas. E como n há exame final, tb n há pressão, nem para o professor, nem para o aluno, para serem mais exigentes.
Aliás e concluindo, adianto mesmo que os professores tornam-se levianos pela falta de exigência que têm para com os seus alunos, supondo a hipótese imoral e devastadora de que os seus alunos são incapazes de mais! Aqui, concordo naturalmente com o Sr. Nuno Crato.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Reina um acordo absoluto. De facto, estranhei a vandalização do legado, como diz! Daí que tenha sido crítico. Penso que esse elogio visa mostrar aos "professores indignados" que estão no caminho errado! Política e defesa da reforma da educação em curso!

Anónimo disse...

A dita "escola inclusiva" foi inventada por quem?
Com que propósitos?
Que resultados alcançou?
Quem, durante anos, navegou contente e sorridente nessa fossa desde que chegasse rapidamente ao topo da carreira?

Os que hoje batem o pé à avaliação!
Não que em parte não tenham razão (o paradoxo naquele lodaçal é que todos a têm), mas que não esqueçam que não podem sacudir a água do capote.

Vi aqui a defesa do conhecimento alicerçado no raciocínio, na memorização e na leitura e compreensão dos clássicos ... estou absolutamente de acordo.

Eu, sempre que olho para os manuais do 9º ano em que as minhas filhas estudam, fico estarrecido!

Manuel Rocha disse...

Há uma grande desnorte e imensa hipocrisia em redor destas matérias.

Nada de novo, quando comparadas com outras problemáticas.

Afogam-nos eme "sábias palavras" dos fazedores de opinião. Mas propostas de soluções alternativas consistentes, zero !

O drama é que perante a produção sistematica de "ruido" não será fácil reformar com clarividência. Como habitualmente tenderemos para os consensos e respectivos menores denominadores comuns. Entretanto e com isso delapidam-se importantes recursos. Consequência da natureza emocional dos mediterranicos, Muito susceptiveis ? Sim...mas há aqui muito oportunismo de várias indoles !

:))

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Quintarantino

Os manuais escolares são públicos. Penso que todos nós deviamos mostrar publicamente a sua "irracionalidade" e que não é com a política dos manuais (interesses privados) que estamos a promover a qualidade do ensino.
Estes pormenores gritantes do ensino deviam ser devolvidos ao ministério da educação!
Percebi a intenção política do programa, mas, como disse a Papillon, eles também vandalizaram o legado. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Manuel

Os "fazedores de opinião" já não são credíveis, aliás nunca o foram!
Cabe-nos a tarefa de os confrontar com a sua própria mediocridade ou hipocresia, como diz e bem!

Manuel Rocha disse...

Pois....

E depois há imensos equivocos de "cátedra" que se instalam inamoviveis !

Nos ultimos dias tenho ouvido por exemplo inúmeras tiradas tidas como exemplificativas da má qualidade do sistema de avaliação de profs preconizado. Uma delas é o caso do prof de ETV do 2º ciclo, doutorado em arte contemporânea, que não aceita ser avaliado pelo director de deparatamento que é só licenciado e pelo director da escola que é só bacharel. E fica-se a saber que o grau académico é sinónimo de qualidade pedagógica num nivel de ensino para o qual a qualificação em causa é claramente excessiva...

Aliás...se visitar o "polegar verde" da Rita vai lá encontrar o enunciado para as eliminatórias ( em curso ) das Olimpiadas do Ambiente. Veja como para alunos do nono ano as questões são construidas...claro exemplo de que a qualificação cientifica não quer dizer qualificação pedagógica, sem entrar noutras análises...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Já vi o blogue da Rita mas ainda não o adicionei aos meus elos. Também não esqueci o projecto. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

A Papillon coloca uma questão pertinente. De facto, a aprendizagem implica memória. E, pelos vistos, a memorização tem sido estigmatizada! Converteu-se num lobo mau! Mas sem ela não há conhecimento válido e efectivo e genuíno, mas copianço e apropriação do que é alheio. Portanto, plágio! Esta é a escola que temos: moléculas gordas de mau colesterol sem memória! :(((

lp disse...

«Esta tentativa de abolição da Filosofia constitui o maior erro que este governo de José Sócrates pode vir a cometer»


Erro?! Olhe que não... Olhe que não... A abolição da Filosofia é apenas um exemplo do que este governo pretende fazer a todo o ensino: esvaziá-lo de conteúdos. A dita «reforma» da educação não pretende melhorar o ensino, mas sim as estatisticas, sendo que a disciplina de Filosofia (como a própria melhoria do ensino) é irrelevante nesse «projecto». Portanto, se você apoia a «reforma da educação em curso» já devia ter percebido (e só por facciosismo partidário, não «percebe») que o importante nelas é o «parecer» e não o «ser»: parecer que os alunos aprendem, parecer que os alunos têm aulas de substituição, parecer que os resultados dos alunos estão a melhorar (como se qualquer reforma educativa produzisse resultados no curto prazo).
A indignação dos professores (que você tanto critica) também tem que ver com isso: com o facto de este governo estar a reduzir as funções dos professores a tarefas burocráticas e orientadas para esse parecer e não para o ser (para o ensino e aprendizagem).
Quando você diz que os alunos de hoje integram um sistema que não valoriza o mérito nem o esforço, o que é que você têm a dizer do novo estatuto do aluno e das «novas oportunidades» que promovem isso mesmo? Nada! Apenas que este tipo de reformas tem de continuar, mesmo que seja para pior e para uma maior degradação do sistema de ensino. Como sempre, na sua novilingua o que está errado é o que está certo. O que está errado se feito pelo PS está certo!
Depois você pergunta como se podem avaliar os professores sem submeter os alunos a exames. Fácil, meu caro! Com a avaliação que este governo quer implementar, e que considera os exames como irrelevantes.
Não, a desvalorização da Filosofia não é nenhum erro, porque é coerente com a desvalorização de todo o ensino levada a cabo pela politica educativa deste governo.
Por detrás de todas estas politicas há um objectivo claro: «libertar» o Estado de determinadas funções sociais, que serão num futuro, mais ou menos próximo, substituidas pelo mercado e pelos privados. Cumprir-se-à a grande «reforma» da qual você é adepto (enquanto «marxista» neoliberal): o emagrecimento do Estado. A escola pública degradada servirá de depósito dos filhos de quem tem poucas capacidades económicas. As escolas privadas serão procuradas por quem quer um ensino de mais qualidade para os seus filhos. O ciclo que se fecha e de que você fala é apenas um retorno ao antigamente: os ricos terão um tipo de ensino (como antes tinham no Pedro Nunes); os pobres terão outro (como tinham depois de fazerem a quarta classe).

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

lp

Duvido que o PS alinhe numa tal política da educação. As reformas são necessárias e podem ser melhoradas. O ensino privado, pelo menos o universitário, não é melhor que o público. Esse é o discurso da Direita que alguma esquerda aceita sem desmistificar essa noção. O Pedro Nunes era e é público.
Mais a educação não deve ser vista como um assunto partidário: devemos procurar consensos de fundo para pôr termo à degradação vigente!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Além disso, quer goste ou não, não há alternativa credível a José Sócrates! Quer o regresso da Direita que matou o ensino? Não foi o PS! Aponte alternativas!

Klatuu o embuçado disse...

Na demanda de alinhavar umas frases sobre o mesmo assunto, encontrei o seu artigo, e muito me apraz verificar que não estou sozinho a pensar o Portugal que vamos tendo... e, nisto de pensar, a Razão supera a ideologia.

Cumprimentos.
P. S. Aproveito para o convidar para uma Casa de Amigos - onde poderá também colaborar, caso o entenda.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Obrigado Klatuu. Vou ver! :)