- a ideia de um encerramento espiritual do repertório de possibilidades heróicas, herdada de Nietzsche;
- a visão de uma petrificação da sociedade numa única e vasta máquina ou «jaula de ferro», associada a Max Weber; e
- as insinuações de entropia civilizacional, decorrentes de Henry Adams.
No entanto, o foco do estudo de Niethammer situa-se na configuração intelectual localizada na área franco-alemã entre a época da Frente Popular e o Plano Marshall, trazendo à luz as afinidades ocultas (culturais e políticas) no seio de um grupo de teóricos do período que contrastavam sob muitos outros aspectos: Henri de Man, Arnold Gehlen, Bertrand de Jouvenel, Carl Smith, Alexandre Kojève, Ernst Jünger, Henri Lefebvre e, à sua maneira, Walter Benjamin e Theodor Adorno. Conforme diz Niethammer, a posthistoire é o produto inteligível de uma conjuntura política interpretada a partir das categorias de uma tradição filosófica e que rompe com as teorias optimistas da história dos séculos XVIII e XIX, baseadas no Iluminismo. A posthistoire abandona as expectativas originais dessas teorias optimistas, mas retém a «metafísica de uma transfiguração histórica», com sinal invertido: O optimismo do progresso evolutivo ou a vontade colectiva cedeu o lugar a um pessimismo cultural, profundamente elitista, que só viu massificação e ossificação nas democracias ocidentais estabilizadas depois da Segunda Guerra Mundial. O tema do fim da história é visto mais como o fim do significado do que como o fim do mundo, apesar das ameaças concretas e reais da guerra nuclear. A perspectiva de Niethammer é a de um obituário, que sepulta uma doutrina esotérica cujo tempo criativo pertence ao passado.
Todavia, pouco depois da publicação do estudo de Niethammer, Francis Fukuyama publicou, em Julho de 1989, o seu ensaio «The End of History?» em Washington, que retoma a ideia central da posthistoire supostamente sepultada por Niethammer. Segundo Fukuyama, a humanidade atingiu o ponto final da sua evolução ideológica com o triunfo da democracia liberal ocidental sobre todos os seus concorrentes no final do século XX. A figura de Alexandre Kojève, na qual se baseia a sua argumentação, liga Fukuyama ao nexo franco-alemão e, contrariamente ao veredicto de Nietzhammer, esta nova versão do fim da história provém dos gabinetes do próprio Departamento de Estado e o seu tema estrutural é de confiante optimismo. Não admira que Fukuyama privilegie mais a política e a história do que a filosofia e que a fraqueza dos seus conceitos filosóficos se reflicta nas interpretação errónea que faz de muitos acontecimentos mundiais.
Sem pretender analisar esta concepção optimista do fim da história, prefiro acompanhar Perry Anderson e interpretar a tese original de Fukuyama como o fim do socialismo e o triunfo da democracia capitalista liberal, vista como estádio final do processo histórico. Contra este optimismo exagerado, de resto desmentido pelo terrorismo islâmico e pela resistência do Terceiro Mundo em aderir à democracia, culpabilizando o Ocidente por todas as suas desgraças, incentivando racismos locais de sinal invertido e encobrindo a ganância dos seus próprios governantes locais (dialéctica do reconhecimento de Hegel? ou o thymos de Platão?), preferimos galvanizar o poder criativo da imaginação humana e retomar a filosofia da história de Ernst Bloch e a sua utopia concreta, de modo a relançar um novo socialismo ou social-democracia.
O novo socialismo abdica de qualquer tipo de concepção de fim da história e, por isso, não pretende colonizar o futuro e «encerrá-lo»: o futuro permanece sempre aberto. A missão deste pensamento é, em primeiro lugar, zelar pela qualidade da democracia, combatendo a corrupção que a ameaça internamente (políticas contra a corrupção), e as forças obscuras exteriores que encontram internamente «colaboradores», sempre prontos a trabalhar pelo regresso à barbárie (políticas religiosas, étnicas, culturais e civilizacionais). Aliás, apresentar a democracia liberal como termino da história desarma-nos contra o terrorismo islâmico. Este evidencia claramente a noção de que a democracia não é um «dado adquirido e estável», garantido para toda a «eternidade»: a democracia corre perigos e, por isso, deve ser protegida, incentivada e aprofundada.
J Francisco Saraiva de Sousa
1 comentário:
O fim da história como fim do socialismo, entenda-se na sua versão comunista e soviética, parece ter acontecido com a queda do Muro de Berlim, mas isso não significa o fim da História. Aliás, esse é um tema que devemos abandonar, até mesmo no seu sentido hegeliano. Além disso, nada nos garante que o próprio comunismo esteja esgotado. Ele pode ressurgir.
O fim das ideologias é discurso de Direita ou resignação de Esquerda, ambas satisfeitas com o status quo.
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