Predomina nos meios nacionais ou mesmo internacionais uma concepção redutora do «espírito humano» e das «experiências espirituais». O espírito humano é reduzido à sua dimensão religiosa e os homens religiosos são vistos como pessoas devotadas à «espiritualidade». Não podemos menosprezar a «espiritualidade» de muitos lideres religiosos, mas o espírito humano é infinitamente mais do que capacidade de meditação religiosa ou mística. Esta reflexão vem a propósito do programa de Fátima Campos, «A Força do Espírito», que já por diversas vezes reduz o espírito à religiosidade. Este facto merece uma leitura política radical e devia ser objecto de uma discussão pública alargada, livre e isenta. As molas que propulsionam esse «espírito religioso» já foram reveladas por Hegel, Feuerbach, Marx, Nietzsche e Freud. Mas, pelos vistos, assistimos a uma regressão cognitiva e, neste momento de ofuscamento espiritual, Fátima Campos, em vez de clarificar a situação, procura dar-lhe cobertura e sedimentá-la, de modo a encobrir o sofrimento nacional e a legitimar a religião. Este é um pacto com o Diabo e o resultado é mais do que previsível: O cardeal de Lisboa vai soluçar nas palavras intercaladas com «apagões cognitivos», o bispo de Fátima-Leiria vai adiar o advento do reino de Deus para o fim dos tempos e o cardeal Saraiva vai beatificar os sacrifícios. Mário Soares vai dizer umas coisas embaraçantes para os socialistas e Marcelo Rebelo de Sousa vai imaginar argumentos bizarros para garantir eternamente o seu tempo de antena. Que é feito do Espírito? Isto a que vamos assistir é uma apologia do espírito de sacrifício. Neste mundo, é necessário sacrificar a vida na esperança de uma vida melhor no outro mundo: «Autosacrifica-te e serás recompensado no outro mundo». Esta é a escatologia pregada pelos que negam realmente o espírito. Mas contra eles devemos reactivar as forças esclarecidas que trabalham na transformação da sociedade. Sem pão e emprego, o espírito do povo definha e atrofia-se, enquanto o corpo dos corrompidos engorda e a sua mente masturba-se e conspira contra a vida dos outros. Uma bela escatologia que funciona a favor da apologia da luso-corrupção e do poder dominante! Fátima Campos tinha a obrigação de ter uma visão mais ampla do espírito humano, que, ao contrário do que é insinuado no título do programa, não é assim tão forte, cedendo facilmente perante as encruzilhadas da vida humana. Mas, em vez disso, teima em defender a política do sacrifício e do «apertar o cinto», com falsas promessas de vida melhor. Os convidados não representam as diversas dimensões do espírito humano, sobretudo as mais profundas: aquelas que Hegel revelou na «fenomenologia do espírito», que Cassirer analisa na «filosofia das formas simbólicas», que Ernst Bloch sonha no «princípio esperança» ou que Hannah Arendt testemunha na «vida do espírito». Até a neurociência espiritual menospreza essas dimensões, sempre que, mediante ressonância magnética funcional, procura captar imagens do «cérebro espiritual» apenas dos monges místicos, como se a única espiritualidade possível fosse a experiência da comunhão com Deus, menosprezando o zelo da psiquiatria nesse domínio (isto é, DSM-IV-R que classifica algumas crenças como «síndromes dependentes da cultura»). A ignorância sempre foi a fiel aliada dos poderes instituídos e continua a ser. Portugal não está amordaçado mas profundamente morto! (Não me apetece concluir esta reflexão: Tenho nojo desta sujidade nacional.) J Francisco Saraiva de Sousa
1 comentário:
Os meus posts dedicados à «força do espírito» deram origem a polémicas e isso é bom, quando se compreende a minha perspectiva, mas pouco interessante, quando aquilo que disse não foi devidamente compreendido. Talvez volte a tratar desse assunto no futuro, mas neste momento penso ser desnecessário resumir a discussão.
Aquilo que disse é suficiente para alertar as pessoas para uma situação insustentável: a ausência de pensamento crítico.
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