«História e Consciência de Classe: Estudos de Dialéctica Marxista» (1922) é a obra filosófica mais revolucionária do século XX. O seu autor é Georg Lukács. Não é uma obra acessível ao comum dos mortais, sobretudo dos mortais metabolicamente reduzidos à sua condição animal, que consomem ideias como consomem «fast food», sempre manipulados pela prática mediática de «agenda setting» e sem saber se são dotados de self ou de «cérebro gordo de mau colesterol». Esta obra marcou profundamente o chamado «marxismo ocidental», como se a ex-URSS fosse um país não-ocidental ou como se o Ocidente fosse sinónimo de «mundo capitalista». (Os pseudo-jornalistas da SIC Notícias emitem sons nesse sentido!) Quem pensa assim é completamente néscio e não merece viver nas terras que abrigam o Ocidente. Várias são as personalidades que dão rosto ao marxismo ocidental. Os mais conhecidos são Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty e Lucien Goldmann. Os meus mestres da Escola de Frankfurt, em particular Max Horkheimer, Theodor W. Adorno, Herbert Marcuse ou mesmo Erich Fromm, bem como Ernst Bloch, merecem figurar nesse movimento que, apesar do actual ofuscamento espiritual, ainda continua vivo e pronto a assumir o comando do pensamento ocidental, isto é, da Filosofia e das Ciências do Espírito. A obra de Lukács é composta por oito ensaios, dos quais destacamos: «O que é o marxismo ortodoxo?», «A consciência de classe», «A reificação e a consciência do proletariado», e «Mudança de função do materialismo histórico». Como não pretendo analisar a obra, limito-me a citar um texto «menor» de Lukács sobre a violência: «A separação conceptual radical e mecânica entre violência e economia só pôde operar-se porque, por um lado, a aparência fetichista de pura objectividade nas relações económicas ocultou o seu carácter de relações entre homens e as transformou numa segunda natureza, envolvendo os homens nas suas leis fatais; e, por outro lado, a forma jurídica (também fetichista) da violência organizada faz esquecer a sua presença latente e potencial em e por detrás de qualquer relação económica. Com efeito, distinções como essa entre direito e violência, entre ordem e insurreição, entre violência legal e violência ilegal remetem para um plano recuado o fundo de violência comum a todas as instituições das sociedades de classes». Este pequeno texto sobre a violência revela secretamente a teoria da reificação elaborada por Lukács, que, mesmo sem conhecer os escritos de juventude de Marx (1844), soube reconstruí-los, acentuando as suas raízes hegelianas. Ora, o homem metabolicamente reduzido é levado a pensar que pensa por si, sem tutela, quando na verdade é manipulado e condicionado pela má publicidade para pensar aquilo que pensa: em vez de ser um homem autónomo, é um homem heterónomo, incapaz de pensar criticamente a realidade como uma totalidade em devir, de modo a poder transformá-la. Disso só são capazes aqueles indivíduos que sabem que, sem esforço, trabalho e sofrimento, não há conhecimento crítico. Estes encaram a realidade como uma totalidade em devir e não como uma série de fragmentos que se sucedem uns aos outros, aparentemente sem nexo, tal como são projectados pelas práticas de «agenda setting». Mas, se continua a pensar que pensa pela sua própria cabeça, fazendo Kant estremecer no túmulo, desafio-o a decifrar este texto de Lukács e a iluminar o seu sentido, mas sem fazer batota. Se não o conseguir fazer sozinho sem recurso a outros e/ou a fontes exteriores, não se engane mais e coloque umas orelhinhas de burro até ser capaz de fazer parte integrante da sociedade do conhecimento crítico. J Francisco Saraiva de Sousa
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