segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Prós e Contras: Quem decide pelos mais pequenos?

A agenda do programa «Prós e Contras» de hoje (1 de Outubro de 2007), dedicado ao tema «Quem decide pelos mais pequenos?», é a seguinte:
«O valor da criança!
A família!
Os Afectos!
O veredicto do tribunal e as opiniões dos especialistas da saúde!
Quem decide pelas crianças?
Quem decide pela pequena Esmeralda?»
Os convidados são: Maria Barroso, Eduardo Sá, António Martins. Carla Oliveira, Rosário Carneiro e Leonor Beleza.
A formatação deste programa irá, como veremos logo à noite, condicionar fortemente o espaço de discussão, deformando-o, e a escolha de convidados cujas opiniões são sobejamente conhecidas promete pouca novidade.
O programa gira em torno do caso da pequena Esmeralda, cuja vida foi devassada pelos mass media e pelos tribunais. É evidente que um tal terramoto não traz grandes benefícios para o seu desenvolvimento emocional e cognitivo e, neste aspecto, parecem estar todos de acordo, excepto o tribunal que deu a custodia ao pai biológico, quando este, segundo depoimento da mãe biológica, tinha rejeitado a paternidade (negligência paternal evidente) e todos os portugueses se manifestaram contra a decisão dos tribunais, no uso pleno dos seus direitos de cidadania que lhes garantem a participação activa nos «assuntos públicos».
Uma criança que tinha sido rejeitada pelo pai biológico ainda antes de nascer e que foi acolhida por um casal que a tratou com afecto genuíno e amor nunca teria sido submetida a todo este processo vergonhoso, se os tribunais e a segurança social, em particular os seus funcionários, tivessem algum bom senso e experiência humana rica. Mas os tribunais e seus altos funcionários foram insensíveis a tudo isto e, sobretudo, à humanidade da criança e decidiram de modo autoritário e inumano: decidiram dificultar a vida da pequena Esmeralda, bem inserida no seio da sua família, que, para ela, não era uma «família de adopção» (ponto de vista externo e burocrático), mas simplesmente os seus pais afectivos verdadeiros e restantes familiares.
Os pedopsiquiatras e restantes «especialistas da saúde» (sic), se estiverem bem informados, concordam com esta opinião, segundo a qual os tribunais decidiram sem levar em conta os interesses reais da criança, tratando-a como uma «coisa» (reificação jurídica) que transita de uma família para outra estranha, em função da interpretação insensível e autoritária que os juízes fazem das leis. Se o direito é uma «questão hermenêutica» (Ronald Dworkin), eles limitaram-se a uma leitura restritiva e autoritária das leis, levada a cabo fora do universo social em que estão inseridas, ou seja, abusaram do seu poder que carece de legitimidade democrática e, movidos pela lógica totalitária do processo, brilhantemente criticada por Hannah Arendt, trataram a criança, um mero mortal, como uma coisa, algo simplesmente material que podem usar a seu bel prazer, sem ter em conta a sua afectividade e seus interesses reais como sujeito. E, neste procedimento kafkiano, sobrepuseram-se a outras instituições sociais veneráveis, tais como a família, cuja vida privada deveria ser passada longe da esfera pública, porquanto a vida familiar e doméstica não constitui parte integrante da esfera pública e, actualmente, talvez devido à perda de outros sistemas de decisão e de controle, o Estado sente uma enorme tentação em invadir a esfera privada dos seus cidadãos, roubando-lhes os direitos de gerir a sua própria vida.
Assistimos, portanto, à recaptura política da vida privada e doméstica. Se vivessemos num sistema verdadeiramente democrático, em que o poder emana do povo, os tribunais não teriam o direito de não acatar o bom senso popular, representado por ilustres cidadãos, especialistas ou não em pedopsiquiatria, porque a «natalidade» e os cuidados com as crianças antes de serem um assunto médico constituem um assunto das famílias, nomeadamente dos pais que, segundo a teoria da vinculação de John Bowlby, de resto reconfirmada por estudos de neurociência social (Insel, Carter), são dotados dos programas biológicos necessários para cuidar das suas crianças sem precisar da ajuda burocrática, portanto exterior e invasora, de estranhos. Esmeralda está sujeita a perder a protecção do seu lar e é provável que tema, neste momento, ser separada dos seus pais amados (ansiedade de separação).
Acha que vale a pena ver o programa logo à noite? Aconselho-o antes a fazer um uso produtivo do seu tempo: leia John Bowlby (psiquiatria infantil), Ronald Dworkin (filosofia do direito) e Hannah Arendt (filosofia política) e contribua activamente para a sua formação, sem ficar dependente de opiniões de outros, de resto pouco credíveis, como já sabe!
J Francisco Saraiva de Sousa

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