O programa «Prós e Contras» sobre a Guerra do Ultramar (15 de Outubro de 2007) teve o mérito de mostrar a necessidade de fazer as etnohistórias das guerras que os portugueses travaram em Guiné-Bissau, Angola, Moçambique e Timor.
Fazer as etnohistórias dessas guerras é reconstruí-las a partir de três pontos de vista ou perspectivas expostas no debate: a do regime português, a dos opositores ao regime e a dos movimentos de libertação.
A perspectiva do regime vigente prefere chama-lhe Guerra do Ultramar, porque considerava que esses territórios eram «províncias ultramarinas» de Portugal. A guerra visava proteger os interesses nacionais contra os «terroristas», designação dada aos guerrilheiros dos movimentos de libertação.
A perspectiva dos opositores do regime prefere a designação Guerra Colonial, porque encarava o regime como um sistema colonialista. Os seus defensores ajudaram a instaurar a democracia em Portugal, mas cometendo uma injustiça que a mancha: não protegeram os portugueses e os seus bens nos novos Estados Nacionais, bem como os excombatentes. A perspectiva dos indígenas fala de Guerra de Libertação, que visava libertar esses territórios do colonialismo português. Lutavam pela independência e, após a independência, limitaram-se a expulsar os portugueses e a tomar conta do património português, como se este se reproduzisse por milagre.
Mas nenhuma destas perspectivas esgota a história da Guerra do Ultramar. A verdade é que os movimentos de guerrilha «venceram» as guerras não por mérito próprio, conforme disseram os militares, mas porque a chamada «metrópole» lhes entregou as chamadas «províncias ultramarinas», após o 25 de Abril de 1974, abandonando os portugueses desses territórios e os seus bens.
Aqui surge um quarto ponto de vista: o das pessoas que foram abandonadas pelo regime revolucionário português à vingança dos guerrilheiros e dos novos governantes. Este quarto ponto de vista é o mais silenciado, porque é aquele que «mancha a bandeira nacional» há mais de 30 anos. Os chamados «espoliados» não são escutados pela democracia portuguesa, que, segundo dizem, aguarda que morram para enterrar definitivamente o problema. A democracia portuguesa vigente nasceu e cresceu sobre um «crime» (Guerra Junqueiro): a entrega dos portugueses ao abuso, ao roubo e à morte. (Esta história está por fazer.) Por isso, não podemos falar em descolonização: não houve descolonização mas abandono. Diante deste crime e face à destruição e à pobreza que se verificam actualmente nesses novos Estados, esta quarta perspectiva marca a diferença e é a única que pode fazer a síntese sem violentar os outros pontos de vista, excepto o dos opositores do regime, aquele que venceu em Portugal após o 25 de Abril e que construiu a democracia corrupta que nos governa até hoje. Esta perspectiva deve fazer justiça aos chamados «retornados» e mostrar o papel crucial que desempenharam na construção de um Portugal mais desenvolvido do que aquele que encontraram, aquém dos territórios ultramarinos. (Convém destacar a ignorância dos participantes nesta matéria: pensam que Moçambique e Angola eram como a «santa terrinha», descalça e analfabeta!)
Os democratas do sistema luso-corrupto deviam meditar na vitória de Salazar como figura heróica nacional num programa de televisão e tirar daí todas as consequências políticas: Os portugueses estão desiludidos com a democracia vigente e não acreditam na dignidade dos seus políticos.
J Francisco Saraiva de Sousa
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